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O sistema nervoso humano e as mídias sociais, como o Facebook, possuem uma característica em comum: são redes complexas formadas por inúmeros componentes que interagem entre si e cujo comportamento futuro depende da história passada do sistema. Criar modelos matemáticos capazes de representar o funcionamento dessas redes complexas, e prever seus comportamentos, é um grande desafio para cientistas de diversas áreas. Num quadro conceitual mais amplo, esses modelos fazem parte daquilo que se chama teoria dos grafos aleatórios.
“Há um esforço mundial para usar esse tipo de ferramenta na modelagem do funcionamento cerebral, mas as bases matemáticas para isso ainda são pouco sólidas. Nosso objetivo é desenvolver uma nova matemática, que sirva de linguagem para expressar os problemas da neurobiologia”, contou Antonio Galves, professor do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo (IME-USP) e coordenador do Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão em Neuromatemática (NeuroMat), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) apoiados pela FAPESP.

Galves coordenou entre os dias 23 e 27 de novembro, na USP, o encontro “Random Graphs in the Brain” (Grafos Aleatórios no Cérebro), que reuniu colaboradores do NeuroMat de diversos países, incluindo especialistas e estudantes de áreas como neurofisiologia experimental, neuroanatomia, imagem funcional, probabilidade, estatística e ciência da computação. O objetivo foi discutir os desafios computacionais, matemáticos e estatísticos que precisam ser vencidos para avançar na compreensão do cérebro.

Conforme explicou Galves, os grafos são formados por um conjunto de vértices e por um conjunto de arestas ligando pares de vértices. Na aplicação em neurociência, os vértices podem representar neurônios ou regiões do cérebro.

“É possível usar grafos, por exemplo, para analisar séries temporais de dados cerebrais registrados por meio de eletroencefalograma (EEG). Eletrodos são colocados no couro cabeludo de um voluntário, enquanto este recebe estímulos visuais ou auditivos. Os eletrodos registram as ondas geradas durante a estimulação. Grafos são usados como descrições globais dos dados coletados”, explicou Galves.

Segundo Remco van der Hofstad, professor da Eindhoven University of Technology, na Holanda, e coorganizador do evento, seria impossível descrever a interação entre os 100 bilhões de neurônios existentes no cérebro humano de maneira determinística, ou seja, apontar com precisão, um a um, quem está conectado com quem e como se dá a interação entre eles.

“Um grafo aleatório é uma forma de descrever a conectividade entre esses neurônios no sentido probabilístico. Podemos supor que os neurônios têm em média mil conexões uns com os outros. Tentamos então construir um modelo com essa propriedade com base em princípios probabilísticos”, explicou.

Para Hofstad, o uso de grafos para analisar dados cerebrais poderia permitir, no futuro, diagnosticar de modo mais econômico, eficiente e precoce doenças como Alzheimer por meio de um exame como EEG.

“Mas o que eu gostaria, no longo prazo, é ser capaz de construir um modelo, o mais simples possível, para entender como os neurônios estão conectados. E a próxima pergunta seria: podemos modelar a funcionalidade? Descrever não apenas o que está acontecendo no cérebro como também a forma como ele responde a estímulos?”, disse Hofstad em entrevista à Agência FAPESP.

Se o modelo for robusto o suficiente, disse o cientista, poderia ser usado para prever comportamentos ou efeitos. Isso abriria caminho para uma teoria matemática que permitiria compreender a plasticidade do cérebro.

“Seria possível prever, por exemplo, as chances de uma determinada região cerebral assumir uma função que antes era desempenhada por uma área danificada por um acidente vascular cerebral. Claro que tudo isso está muito no futuro, mas poderia ser possível algum dia”, acrescentou.

Em constante transformação

Segundo a coorganizadora do evento, Claudia Domingues Vargas, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro e pesquisadora principal do NeuroMat, um dos principais desafios de criar modelos que descrevam o funcionamento cerebral é o fato de que ele está constantemente sendo modificado por novas experiências ao longo do desenvolvimento.

“Na neurociência estudamos a interação de bilhões de unidades neuronais, de diferentes áreas cerebrais, para gerar propriedades como linguagem, pensamento, emoções, movimento e tudo que representa nosso ser no mundo. A formalização dessa passagem, que vai dos elementos interagindo para o comportamento em si, é uma das missões do NeuroMat”, disse Vargas.

Sidarta Ribeiro, diretor do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e um dos palestrantes do encontro, tem usado grafos para compreender o padrão de pensamento de pacientes e voluntários em experimentos.

“Gravamos o discurso e então transformamos o relato inteiro de um sonho em uma trajetória de palavras. Cada nó é uma palavra e cada aresta é uma sequência entre palavras. Isso permite entender o padrão de pensamento e determinar, por exemplo, se o paciente é portador de transtorno bipolar ou esquizofrenia. O que o psiquiatra aprende a reconhecer por treinamento subjetivo podemos medir e representar com um grafo e então fazer uma análise de suas propriedades”, contou.

Outro participante do encontro foi Wojciech Szpankowski, professor de Ciência da Computação na Purdue University, Estados Unidos, e diretor do Center for Science of Information – uma organização financiada pela National Science Foundation em um modelo semelhante ao do CEPID-FAPESP.

“Nosso objetivo é estudar a informação em todos os sentidos, incluindo os fluxos de informação no cérebro. Somos filhos de Claude Shannon, criador da Teoria da Informação [ramo da teoria da probabilidade e da matemática estatística que lida com sistemas de comunicação, transmissão de dados, criptografia, codificação, teoria do ruído, correção de erros, compressão de dados, entre outros fatores]”, contou Szpankowski, que também é um dos integrantes do Comitê Internacional do NeuroMat.

Em sua palestra intitulada “Emerging Frontiers of Science of Information” (Fronteiras Emergentes da Ciência da Informação), o cientista abordou os novos desafios da área, como segurança em redes, e apresentou modelos de informação teórica interessantes para estudar sistemas biológicos.

Outros palestrantes do evento foram: Almut Schütz (Max Planck Institute for Biological Cybernetics, Alemanha), Audrey Mercer (University College London, Reino Unido), Christophe Pouzat (Université Paris Descartes, França) e Anderson Winkler (University of Oxford, Reino Unido). Os slides das apresentações já estão disponíveis no site do evento e, em breve, também estarão os vídeos das palestras.

Agência FAPESP