“Acreditamos que, durante os episódios de alteração de humor característicos da doença, ocorrem danos aos neurônios. O organismo então reage com uma reação inflamatória com o objetivo de livrar-se de células mortas ou disfuncionais. Quando a inflamação é muito intensa ou prolongada, torna-se prejudicial”, explicou Brietzke, em entrevista à Agência FAPESP.
De acordo com a pesquisadora, a ideia para o estudo surgiu durante seu doutorado, concluído em 2010, quando mostrou que portadores de transtorno bipolar apresentavam alterações imunológicas compatíveis com quadros de inflamação sistêmica.
“Foi uma mudança de paradigma. O transtorno bipolar é tradicionalmente entendido como uma doença do cérebro e se acreditava que o tecido cerebral ficava isolado do resto do corpo, protegido pela barreira hematoencefálica (um conjunto de células endoteliais que protege o sistema nervoso central). Hoje temos evidências – por meio de estudos com animais e com tecido humano post mortem – de que há mediadores inflamatórios que conseguem ultrapassar essa barreira e ativar células do sistema imune próprias do cérebro – as microglias”, comentou Brietzke.
Segundo resultados desse estudo inicial, algumas das alterações observadas no sistema imune de idosos podem ser também encontradas em portadores de transtorno bipolar em uma idade bem mais precoce. Um novo projeto foi então iniciado para confirmar se, de fato, esses pacientes sofrem de envelhecimento precoce do sistema imunológico.
A investigação vem sendo conduzida no âmbito do Projeto Temático “Prevenção na esquizofrenia e no transtorno bipolar da neurociência à comunidade: uma plataforma multifásica, multimodal e translacional para investigação e intervenção”, coordenado por Rodrigo Affonseca Bressan.
O projeto, que também conta com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) por meio do Programa de Apoio a Núcleos de Excelência (Pronex), parte do princípio de que os transtornos mentais são doenças progressivas e, portanto, acompanham pacientes desde a fase de risco de desenvolvimento até os estágios mais tardios.
“Buscamos avaliar se o envelhecimento imune é mais pronunciado nos indivíduos com longo tempo de doença do que nos casos mais recentes. Resultados preliminares indicam que sim. Tanto o tempo de doença quanto o número de episódios de alteração de humor são fatores determinantes”, contou a pesquisadora.
Para chegar a essa conclusão, o grupo comparou dados de 30 portadores de transtorno bipolar em estágio precoce, 30 em estágio tardio e 30 voluntários saudáveis. Os grupos tinham idade média de 36 anos. Amostras de sangue foram analisadas por um citômetro de fluxo, equipamento capaz de determinar o percentual de diferentes células presentes na amostra e também de dosar marcadores de inflamação (citocinas inflamatórias) e de envelhecimento celular.
“As células do sistema imunológico podem apresentar em sua superfície marcadores de envelhecimento. Em geral, quanto mais velho o paciente, maior o percentual de células senescentes. Vimos que os indivíduos bipolares têm um aumento na taxa de células senescentes em comparação aos indivíduos controle de mesma idade”, explicou Brietzke.
O grupo também avaliou o tamanho dos telômeros, estrutura presente na ponta dos cromossomos com a função de proteger o DNA. Eles funcionam como marcadores de idade biológica, pois tendem a diminuir com o envelhecimento. Mas, neste caso, os pesquisadores não observaram diferença entre os dois grupos de voluntários estudados.
Na avaliação de Brietzke, os resultados obtidos até o momento indicam que as alterações biológicas do transtorno bipolar não podem ser consideradas como restritas ao cérebro e, portanto, o tratamento pode não se resumir à modulação de neurotransmissores.
“Modular o sistema imunológico e controlar a inflamação pode melhorar o quadro psiquiátrico. Isso pode ser feito com o uso de medicamentos e também com outras intervenções, como a atividade física. O controle da inflamação pode, inclusive, amenizar as alterações metabólicas comuns em pacientes bipolares. Estudos mostram que eles apresentam índices acima da média de diabetes, obesidade e doenças cardiovasculares, doenças associadas ao envelhecimento”, contou a pesquisadora.
A piora dos parâmetros metabólicos em portadores de transtorno bipolar à medida que a doença progride foi tema de outro estudo recente coordenado por Brietzke com apoio da FAPESP.
Premiação
A cerimônia de premiação das sete vencedoras da 10ª edição do “Para Mulheres na Ciência” foi realizada no dia 20 de outubro, no Palácio Guanabara, Rio de Janeiro.
Outras duas pesquisadoras de São Paulo foram premiadas. Alline Campos, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), trabalha no desenvolvimento de fármacos mais efetivos e com menos efeitos adversos para o tratamento de pacientes portadores de transtornos de ansiedade e depressão.
Já Tábita Hunemeier, do Instituto de Biociências da USP, tenta elucidar em seu projeto as bases genéticas de características morfológicas dos nativos americanos (indígenas), em busca de variações que os diferenciam fisicamente das populações de outros continentes.
Também foram premiadas Daiana Ávila (Universidade Federal do Pampa), Cecília Salgado (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Elisa Orth (Universidade Federal do Paraná) e Karin Menéndez-Delmestre (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
A escolha das finalistas se baseia na qualidade do currículo e no potencial das pesquisas nas áreas de ciências da vida, matemática, física e química. As premiadas recebem uma bolsa de US$ 20 mil para ser aplicada no projeto.
“O objetivo é estimular a participação da mulher na ciência e dar um impulso às pesquisadoras em início de carreira”, contou Brietzke. “Quando observamos as lideranças de pesquisa no Brasil, percebemos que ainda são na sua maioria homens, enquanto nas fases iniciais da carreira acadêmica há uma proporção equivalente de homens e mulheres”, acrescentou.
Agência FAPESP