“Com base nos relatos publicados, sabe-se que é um tumor indolente, com bom prognóstico e que surge em jovens adultos. Conhecia-se apenas alguns marcadores imuno-histoquímicos e mais nada. O objetivo do nosso estudo foi caracterizar esse tumor geneticamente para tentar identificar sua origem, as alterações cromossômicas e as mutações envolvidas”, disse Reis.
O estudo foi realizado com apoio da FAPESP durante o pós-doutorado de Lucas Tadeu Bidinotto, sob supervisão de Reis.
De acordo com o pesquisador, somente em 2007 o tumor glioneural formador de rosetas do IV ventrículo passou a ser considerado como uma entidade patológica pelo critério da Organização Mundial de Saúde (OMS). Antes disso, cada relato de caso usava uma nomenclatura diferente. O nome agora considerado oficial faz referência ao fato de ser um tumor misto – que envolve tanto neurônios como células da glia – e também às estruturas formadas pelas células tumorais que lembram as pétalas de uma flor.
Enquanto na maioria dos casos relatados o tumor foi encontrado no IV ventrículo cerebral – cavidade localizada próximo à região cerebelar –, o tumor do paciente de 33 anos atendido em Barretos estava na medula espinhal. Somente outros dois eventos desse tipo haviam sido descritos anteriormente.
Uma amostra do tumor foi analisada por diferentes metodologias. Com uma técnica conhecida como microarray de hibridização genômica comparativa (CGH, na sigla em inglês), o grupo estudou todo o conjunto de cromossomos das células tumorais em busca de alterações.
“Existem cromossomos bastante alterados nesse tumor, em regiões que não são típicas de tumores cerebrais. Há, por exemplo, ganhos nos cromossomos 9 e no 16, ou seja, em vez de duas cópias, encontramos quatro. Também notamos perdas no número de cópias do cromossomo 1”, contou Reis.
Ao comparar com o DNA presente em amostras de sangue do mesmo paciente, os pesquisadores descobriram que as alterações estão presentes apenas nas células tumorais, um indicativo de que surgiram após o nascimento.
“Embora a maior parte das alterações encontradas sejam raras em tumores cerebrais, uma observada no cromossomo 7 nos é bem familiar. Trata-se de uma fusão de dois genes: o BRAF e o KIAA1549”, disse o pesquisador. Este achado foi posteriormente confirmado por outras três metodologias: a reação de transcrição reversa, seguida da reação da polimerase em cadeia (RT-PCR), FISH e sequenciamento de DNA.
Em um estudo anterior publicado no Journal of Neuropathology and Experimental Neurology, o grupo demonstrou que essa fusão é encontrada em 60% dos casos de astrocitoma pilocítico (tumor cerebral originado a partir de células cerebrais denominadas astrócitos, um dos mais frequentes em crianças) e que sua presença está associada a um bom prognóstico (Leia mais em http://agencia.fapesp.br/21771/).
“Esse achado nos permite levantar a hipótese de que o tumor glioneural formador de rosetas tenha alguma relação etiológica com o astrocitoma pilocítico, que também é um tumor indolente que afeta jovens”, disse Reis.
Genes mutados
Para avaliar o perfil de mutações presentes foi utilizado o sequenciamento de nova geração, inicialmente com um painel de 20 genes-alvo criado no contexto de um projeto FAPESP voltado ao estudo de tumores gliais. Em seguida, foi feito o sequenciamento do exoma, que abrange todos os genes codificadores de proteínas (2% do genoma humano)
“Nenhum dos 20 genes-alvo estava mutado, então decidimos fazer o sequenciamento em larga escala de todos os genes codificadores de proteína. Encontramos quatro mutações somáticas (adquiridas após o nascimento e presentes apenas no tecido tumoral), que depois foram confirmadas pelo método de sequenciamento tradicional”, contou Reis.
Entre os genes mutados estavam o SCN1A, associado a formas hereditárias de epilepsia, e o MLL2, que foi recentemente relacionado com o desenvolvimento de meduloblastoma e parece regular a forma como os genes se expressam por meio de mecanismos epigenéticos, como a metilação do DNA.
Também foram encontrados mutados outros dois genes sobre os quais nada havia sido descrito na literatura científica: o CNNM3 e o PCDHGC4.
“O interessante agora seria validar os resultados em outros tumores do mesmo tipo para tentar comprovar se, de fato, os quatro genes estão envolvidos no surgimento do RGNT. Pretendemos entrar em contato com pesquisadores que relataram esse tipo de tumor e ver se há possibilidade de estudos em colaboração”, disse Reis.
O artigo Molecular Profiling of a Rare Rosette-Forming Glioneuronal Tumor Arising in the Spinal Cord (doi: 10.1371/journal.pone.0137690) pode ser lido em journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0137690.
Agência FAPESP