“Esses dados reforçam a hipótese, já apontada em estudos anteriores do grupo, de que doses terapêuticas de melatonina – acima do que normalmente é encontrado no organismo humano – poderiam funcionar como adjuvante no tratamento do câncer”, afirmou Thaiz Ferraz Borin, que desenvolveu o trabalho durante seu pós-doutorado, realizado no Laboratório de Investigação Molecular do Câncer (LIMC-Famerp) sob supervisão da professora Debora Zuccari.
A melatonina é um hormônio secretado naturalmente pela glândula pineal, localizada no cérebro, e participa da regulação do ciclo de sono e vigília em todos os mamíferos. Estudos recentes têm mostrado que ela também ajuda a regular outros importantes processos, como pressão arterial, ingestão alimentar, gasto energético, síntese e ação da insulina nas células.
O grupo coordenado por Zuccari na Famerp vem há alguns anos estudando, com auxílio da FAPESP, o efeito da melatonina sobre o câncer – particularmente sobre um tipo agressivo de tumor de mama conhecido como triplo negativo, que não responde nem ao tratamento antiestrogênico, nem à quimioterapia, nem à radioterapia e tem maior tendência a formar metástase (Leia mais em agencia.fapesp.br/17443/).
“Nós temos estudado como a melatonina afeta a angiogênese (formação de novos vasos que vão nutrir o tumor), o microambiente tumoral (que pode favorecer ou dificultar a passagem das células malignas para a circulação), a formação de metástase e a expressão de proteínas e de microRNAs importantes para a progressão da doença”, contou Zuccari.
Segundo a pesquisadora, o objetivo é entender por meio de quais mecanismos a melatonina atua, pois isso pode favorecer novas abordagens terapêuticas contra o câncer. “Já havia alguns trabalhos mostrando que ela inibia a metástase, por exemplo, mas não mostravam como isso acontecia”, disse Zuccari.
Esse foi o tema explorado durante o pós-doutorado de Borin. Os experimentos in vivo foram feitos nos Estados Unidos, graças a uma parceria com o pesquisador Ali Syed Arbab, atualmente na Georgia Regents University.
O grupo focou as atenções no efeito da melatonina sobre a expressão de ROCK-1 (proteína quinase associada a Rho, na sigla em inglês), molécula responsável por fornecer ATP (adenosina trifosfato, molécula que armazena energia) para a contração do citoesqueleto da célula, algo necessário para o processo de migração e invasão celular. Estudos anteriores já haviam mostrado que a expressão dessa proteína frequentemente está aumentada em células metastáticas.
“Nos trabalhos anteriores, um tumor primário de mama era induzido em animais e depois era observado se o tratamento com melatonina impedia ou não a formação de metástase. No nosso caso, injetamos sistemicamente células metastáticas em animais imunossuprimidos. Dessa forma, todos desenvolviam metástase pulmonar e nós pudemos observar o efeito do tratamento com melatonina”, disse Borin.
As células metastáticas de câncer de mama humano foram injetadas na veia caudal de camundongos, que então foram divididos em três grupos. O primeiro recebeu durante duas semanas injeções intraperitoneais de melatonina. O segundo recebeu durante o mesmo período injeções de uma substância chamada Y27632, capaz de inibir a síntese da proteína ROCK-1. O último grupo recebeu apenas placebo.
Após o término do tratamento os animais foram avaliados por uma metodologia conhecida como tomografia por emissão de pósitrons (SPECT, na sigla em inglês), na qual é administrado um radiofármaco que é mais absorvido por células com alta atividade mitocondrial, como as tumorais, que então tornam-se cintilantes no exame de imagem.
O grupo tratado com melatonina apresentou 40% menos metástase que o grupo placebo. Nos animais que receberam o inibidor de ROCK-1 a redução foi de 58%.
Em um outro experimento, animais tratados com melatonina durante cinco semanas apresentaram 25% menos metástase que o grupo que recebeu placebo. Neste caso não foi usado inibidor de ROCK-1.
“Essa substância Y27632 não pode ser usada como um medicamento, pois pode induzir morte celular se administrada por um período prolongado. Nós a usamos em um dos experimentos apenas para comprovar que o efeito antimetastático da melatonina estava relacionado com a produção de ROCK-1”, explicou Borin.
Ainda segundo a pesquisadora, ao comparar o tecido pulmonar dos grupos tratados com melatonina e com Y27632, notou-se que, no primeiro, o tumor estava mais localizado e o tecido pulmonar, mais bem preservado.
Nos experimentos in vitro, observou-se que a melatonina reduz em 50% a expressão de ROCK-1 e em 55% a capacidade de migração e invasão das células tumorais. A substância também inibiu a viabilidade e a proliferação das células em cultura.
Atualmente, a pesquisadora está investigando como a melatonina pode modular a ação de certos microRNAs – pequenas moléculas de RNA que não codificam proteínas, mas regulam a expressão dos genes codificadores – que normalmente estão superexpressos nas células metastáticas.
“Acreditamos que alguns desses microRNAs degradam genes com papel de suprimir tumores e que a melatonina pode reverter esse processo”, disse Borin.
Segundo Zuccari, também está nos planos do grupo a realização de ensaios clínicos com pacientes portadores de câncer de mama que não respondem a outros tratamentos.
O artigo Melatonin decreases breast cancer metastasis by modulating ROCK-1 expression (doi: 10.1111/jpi.12270), pode ser lido em onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/jpi.12270/abstract.
Agência FAPESP