William C. Campbell, da Drew University in Madison, nos Estados Unidos, e Satoshi Omura, da Kitasato University, no Japão, dividirão a outra metade pela descoberta de uma classe de drogas – a avermectina – cujos derivados se mostraram capazes de matar parasitas causadores da filariose linfática (elefantíase) e da oncocercose (cegueira do rio).
Na avaliação de pesquisadores entrevistados pela Agência FAPESP, o reconhecimento pode ajudar a impulsionar pesquisas em duas áreas nas quais o Brasil se destaca mundialmente: doenças negligenciadas e química de produtos naturais.
“Essas descobertas ressaltam o grande potencial da utilização de moléculas de origem natural em quimioterapia antiparasitária. O Brasil possui a maior biodiversidade do planeta e precisa começar a explorá-la em bioprospecção de forma mais sistemática”, avaliou Lucio Freitas Junior, pesquisador do Laboratório Nacional de Biociências (LNBio) que coordenou em junho uma Escola São Paulo de Ciência Avançada (ESPCA), da FAPESP, dedicada à descoberta de drogas para doenças negligenciadas causadas por parasitas.
Para Freitas Junior, a premiação é consequência de um esforço mundial que tem sido feito no sentido de aumentar o conhecimento sobre a realidade das doenças tropicais, que são graves, afetam grande parte da população mundial e para as quais não há terapias satisfatórias na maior parte dos casos.
“As verminoses estão entre as doenças mais prevalentes no mundo e são causadoras de grande morbidade, principalmente em crianças. A descoberta da avermectina e de seus derivados proporcionou um grande avanço no controle, por serem mais eficazes e menos tóxicos do que as drogas usadas anteriormente. No caso da malária, a descoberta da artemisinina trouxe grande esperança no tratamento. Diversos locais apresentavam uma grande incidência de casos resistentes às drogas existentes até então”, disse Freitas Junior.
“O impacto da artemisinina foi enorme. A droga ainda é o melhor tratamento disponível. Ainda que haja resistência em partes da Ásia, as terapias combinadas com base na artemisinina (ACTs) salvam vidas diariamente na África, na Amazônia e em outras áreas endêmicas. Sem ACT a mortalidade por malária seria extremamente alta e os avanços alcançados no combate à doença até o momento não teriam sido possíveis”, disse Marcia Castro, professora da Harvard T.H. Chan School of Public Health, dos Estados Unidos.
Para Castro, o prêmio pode servir de estímulo para a busca contínua de novas drogas, o que a pesquisadora considera de “extrema importância”, considerando a ameaça crescente de resistência aos medicamentos atuais.
“Hoje se disseminou a ideia de saúde global. O mundo descobriu que é impossível ignorar os problemas de saúde dos países mais pobres, pois de certo modo todos estão potencialmente expostos a eles, seja pelo turismo ou migrações”, opinou Marcelo Urbano Ferreira, pesquisador do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) e organizador da Escola São Paulo de Ciência Avançada para a Erradicação da Malária, realizada no fim de setembro com apoio da FAPESP.
“Acho muito positivo o fato de que o conceito de saúde global tenha progressivamente substituído a velha ideia de medicina tropical. Um mundo só é saudável quando todas as populações, de todas as partes do globo, têm acesso aos meios mais modernos e eficientes para diagnosticar, tratar e prevenir as doenças a que estão expostas”, acrescentou Ferreira.
Segundo André Tempone, coordenador do Laboratório de Novos Fármacos - Doenças Negligenciadas do Instituto Adolfo Lutz, a química de produtos naturais e as doenças negligenciadas são duas áreas fortes da pesquisa brasileira e a premiação deve contribuir para atrair a atenção mundial para esses temas e impulsionar novas descobertas.
Histórico
Nos anos 1960, os principais medicamentos usados no combate à malária eram a quinina e a cloroquina, mas os casos de resistência eram crescentes na Ásia e o governo chinês criou um programa secreto para buscar novas terapias. Tu e seus colaboradores triaram mais de 2 mil substâncias extraídas de plantas tradicionalmente usadas como remédio na China.
Em 1972, o grupo demonstrou que o extrato da Artemisia annua era particularmente eficaz tanto contra o Plasmodium falciparum quanto contra o Plasmodium vivax, as principais espécies causadoras de malária em humanos.
Já Omura, trabalhando no Japão, isolou no solo bactérias do gênero Streptomyces conhecidas por sua capacidade de produzir compostos com ação antimicrobiana. Em 1974 ele isolou a espécie Streptomyces avermitilis e enviou com outras espécies para um grupo de pesquisa do Merck Institute for Therapeutic Research in Rahway, nos Estados Unidos, liderado por Campbell.
O grupo de Campbell isolou avermectinas em culturas de bactérias e aperfeiçoou a estrutura do composto mais promissor, criando o medicamento ivermectina. Em 1987, a Merck anunciou que o fármaco seria doado a qualquer necessitado para o tratamento de oncocercose. Uma década depois a droga também passou a ser doada para o tratamento da filariose.
“As duas descobertas proporcionaram à humanidade novos e poderosos meios de combater essas doenças debilitantes, que afetam centenas de milhões de pessoas anualmente. As consequências em termos de melhorar a saúde humana e reduzir o sofrimento são imensuráveis”, disse o comitê organizador do Nobel.
Segundo dados da organização internacional sem fins lucrativos Drugs for Neglected Diseases initiative (DNDi), há 120 milhões de pessoas afetadas pela filariose linfática em áreas tropicais e mais de 1,4 bilhão está em risco no mundo. Entre os parasitas causadores estão as espécies Wuchereria bancrofti, Brugia malayi, Brugia timori. A oncocercose, causada pelo parasita Onchocerca volvulus, afeta mais de 37 milhões de pessoas no mundo e 169 milhões estão em risco.
Já a malária mata uma criança por minuto na África subsaariana e mais de meio milhão de pessoas anualmente no mundo. Cerca de 3,3 bilhões de pessoas estão em risco de contrair a doença. Todas as doenças são transmitidas pela picada de mosquitos.
Agência FAPESP