Essa melhoria da qualidade do ar da região pode estar contribuindo para impedir a morte precoce de cerca de 1,7 mil adultos por ano em toda a América do Sul.
A estimativa é de um estudo realizado por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), em colaboração com colegas da University of Leeds e da University of Manchester, do Reino Unido, e do Massachusetts Institute of Technology (MIT), dos Estados Unidos.
Resultado dos projetos “GoAmazon: interação da pluma urbana de Manaus com emissões biogênicas da floresta amazônica” e “Estudo de propriedades físico-químicas de aerossóis de queimadas e forçante radiativa no experimento SAMBBA – the South American Biomass Burning Analysis”, realizados com apoio da FAPESP, o estudo foi publicado nesta quarta-feira (16/09), na versão on-line da revista Nature Geoscience.
“O estudo mostra, pela primeira vez, que reduzir o desmatamento resulta na melhoria da qualidade do ar, o que acarreta a diminuição de mortes pela exposição à poluição atmosférica na maior parte da América do Sul”, disse Paulo Artaxo, professor do Departamento de Física Aplicada do Instituto de Física da USP e um dos autores da pesquisa, à Agência FAPESP.
De acordo com os autores do estudo, desde 2004 o Brasil tem conseguido reduções substanciais nas taxas de desmatamento como um todo e do desmatamento associado a fogo – o método mais usado para “limpar” florestas e vegetação, de modo a preparar e manter terras para agropecuária –, responsável pela emissão de grandes quantidades de material particulado e gases poluentes para a atmosfera.
Durante o período de 2001 a 2012, a taxa de desmatamento no Brasil diminuiu, aproximadamente, 40%, caindo de 37,8 mil quilômetros quadrados (km²) por ano registrado entre 2002 e 2004 para 22,9 mil km² por ano no período de 2009 a 2011, destacam os autores da pesquisa.
“A redução do desmatamento na Amazônia foi resultado de várias políticas públicas acopladas, incluindo restrição ao crédito agrícola para quem desmatasse e a certificação de carne e soja para áreas que não vieram de desmatamento”, afirmou Artaxo, que é membro da coordenação do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG).
A fim de avaliar se essa redução na taxa de desmatamento no Brasil se traduziu em melhoria na qualidade do ar e na saúde humana no país, os pesquisadores examinaram a quantidade de aerossóis emitidos por queimadas no sudoeste do Brasil e na Bolívia entre os anos de 2001 e 2012, durante a estação seca – compreendida pelos meses de agosto a outubro, quando a concentração de material particulado na atmosfera é muito alta.
As medições, obtidas por meio de satélites e sensores terrestres, indicaram que as emissões totais de material particulado por queimadas no Brasil diminuíram na estação seca na região que concentrou o maior número de queimadas na floresta amazônica ao longo de 2002 a 2011, especialmente em anos com menores taxas de desmatamento.
Ao combinar esses dados de observações de satélites com modelos atmosféricos de circulação global, os pesquisadores constataram que as concentrações de aerossóis com diâmetro menor do que 2,5 mícrons (µm) – considerado o mais relevante em termos de impactos à saúde – são 30% mais baixas durante a estação seca na região Sul do país, além do Paraguai, norte da Bolívia e Argentina, do que em anos com altas taxas de desmatamento.
“A forte redução do desmatamento da Amazônia, que de uma área desmatada em 2003-2004 de 27.000 km² foi reduzida para cerca de 5.000 km² em 2013-2014, acarretou uma redução na emissão de gases de efeito estufa e de poluentes atmosféricos em cerca de 70%”, afirmou Artaxo.
“Por meio da combinação de medidas por satélites e instrumentos no solo, modelos atmosféricos globais e de exposição à saúde, estimamos, em termos continentais, o impacto na saúde proporcionado por essa redução do desmatamento”, avaliou.
Impactos na saúde
A fim de estimar os impactos das partículas emitidas pelas queimadas na saúde humana, os pesquisadores calcularam os índices de mortalidade precoce por doenças cardiopulmonares e câncer de pulmão devido à exposição a aerossóis com diâmetro menor do que 2,5 µm ao longo do período de 2002 a 2011.
Os cálculos foram feitos para adultos com mais de 30 anos, usando dados epidemiológicos consistentes da literatura, explicou Artaxo.
As estimativas indicaram que pessoas mais próximas aos focos de queimadas apresentam maior risco, mas a maioria das mortes precoces ocorre fora da Amazônia por causa do transporte de fumaça para regiões mais densamente povoadas.
Com base nessas constatações, os pesquisadores estimaram que a redução de 40% nas taxas de desmatamento no Brasil está evitando a ocorrência de cerca de 1,7 mil mortes precoces de adultos por ano em toda a América do Sul em razão da diminuição das emissões de fumaça provenientes das queimadas.
“O estudo aponta que um novo benefício foi ganho pela redução do desmatamento da Amazônia, além dos usuais. A qualidade do ar em regiões longe da Amazônia melhorou significativamente e um grande número de mortes precoces foi evitado pela redução da exposição a poluentes atmosféricos”, afirmou Artaxo.
Os pesquisadores ressaltam que, para maximizar os benefícios proporcionados pela redução do desmatamento, é preciso ter políticas destinadas a obter desmatamento zero em todas as áreas de florestas tropicais úmidas.
“A forte redução do desmatamento, até chegarmos ao desmatamento zero, trará benefícios extras que vão favorecer muito não só o meio ambiente amazônico e global, mas também à saúde da população”, estimou.
“Precisamos continuar o esforço de proteção da floresta amazônica, pois isso também salva vidas e auxilia na redução das mudanças climáticas globais", salientou Artaxo.
O artigo “Air quality and human health improvements from reductions in deforestation-related fires in Brazil” (doi: 10.1038/NGEO2535), de Artaxo e outros, pode ser lido por assinantes da revista Nature Geosciences em www.nature.com/ngeo/index.html.
Agência FAPESP