“O astrocitoma pilocítico é, na maioria dos casos, um tumor benigno. Mas cerca de 20% dos pacientes evoluem mal. Até agora, não havia como identificar aqueles que realmente necessitam de tratamento mais agressivo. E qualquer intervenção no cérebro, mesmo sendo mínima, pode ter grandes impactos”, afirmou Rui Manuel Reis, coordenador científico do Centro de Diagnóstico Molecular do Hospital de Câncer de Barretos.
O astrocitoma pilocítico, de acordo com o pesquisador, pode afetar qualquer região do cérebro. Antigamente, acreditava-se que esse tipo de tumor, que afeta essencialmente crianças e adultos jovens, era resultante do crescimento desordenado dos astrócitos – um tipo de célula neurológica com formato semelhante ao de uma estrela que atua na sustentação e na nutrição dos neurônios. Atualmente, acredita-se que possa surgir a partir de células-tronco que são precursoras não só dos astrócitos como também de neurônios e oligodendrócitos.
“Embora os tumores cerebrais sejam menos frequentes em crianças do que as neoplasias hematológicas, eles são a principal causa de morte por câncer. Isso porque o conhecimento sobre linfomas e leucemias, e consequentemente o tratamento dessas doenças, evoluiu muito nos últimos anos. No caso da neoplasia cerebral não houve o mesmo avanço”, disse Reis.
De acordo com o pesquisador, estudos recentes indicaram que alterações nos genes BRAF e FGFR1 poderiam estar relacionadas ao desenvolvimento de astrocitoma pilocítico, o subtipo mais frequente de câncer cerebral na faixa pediátrica.
Com o intuito de verificar a frequência dessas anomalias na população brasileira e investigar se teriam algum impacto na evolução da doença, o grupo de Barretos avaliou tumores extraídos de 69 pacientes. O trabalho foi feito em parceria com pesquisadores da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), e resultou na tese de doutorado de Aline Paixão Becker.
Em mais de 60% dos casos, foi observada alteração no gene BRAF. “Em decorrência de alterações cromossômicas, o gene BRAF se quebra e parte dele acaba se fundindo a outro gene, o KIAA1549. Este parece ser um evento muito importante no desenvolvimento dos astrocitomas pilocíticos”, disse Reis.
Ao comparar os resultados com dados de histórico médico dos participantes do estudo, os pesquisadores concluíram que os portadores dessa fusão no gene BRAF, de maneira geral, evoluíram melhor do que aqueles em que a alteração genética não estava presente.
Já a mutação no gene FGFR1 foi observada em apenas 7% dos casos investigados – justamente aqueles que tiveram pior evolução clínica, com maior risco de recidiva e de progressão da doença.
Apenas um paciente apresentou as duas alterações gênicas simultaneamente e teve uma evolução clínica intermediária – não foi tão bem quanto aqueles que tinham apenas a fusão em BRAF e nem tão mal quanto os que tinham somente a mutação em FGFR1.
“Uma vez que ambos os eventos genéticos apresentaram impacto no prognóstico, juntamos os dois em uma mesma análise e o poder estatístico foi ainda maior. Aqueles que tinham fusão em BRAF e não tinham mutação em FGFR1 tiveram evolução muito melhor do que aqueles que tinham mutação em FGFR1 e não tinham a fusão em BRAF. Por isso preconizamos que essas alterações genéticas podem ser biomarcadores importantes para auxiliar o clínico a prever a evolução da doença”, comentou Reis.
Outro potencial impacto positivo da descoberta, na avaliação do pesquisador, é abrir caminhos para estudos que tenham como objetivo testar a eficácia da terapia-alvo contra o gene FGFR1.
“Já existem em fase de ensaios clínicos fármacos capazes de inibir a ação do gene FGFR1. É bem possível que os portadores de astrocitoma pilocítico com mutação nesse gene possam se beneficiar da terapia-alvo”, disse Reis.
Inovação metodológica
Em parceria com a brasileira Marileila Varella Garcia, pesquisadora da University of Colorado, Denver, nos Estados Unidos, o grupo de Barretos desenvolveu uma nova sonda para investigar a presença da fusão no gene BRAF nas amostras de tumores.
Trata-se de um fragmento de DNA que contém partículas fluorescentes capazes de reagir com os genes BRAF e KIAA1549 fazendo cada um deles emitir uma cor diferente, que pode ser observada em um microscópio especial.
“Em uma célula normal, como os dois genes estão em regiões distintas do genoma, as duas cores aparecem separadamente. Já quando há a fusão dos dois genes, as cores aparecem sobrepostas”, explicou Reis.
Segundo o pesquisador, a vantagem do novo método é permitir analisar amostras de tumores preservadas em blocos de parafina, mais comumente encontradas nos hospitais de todo o mundo.
“Os métodos existentes até então permitiam apenas estudar amostras de tumores congeladas. Mas a maioria das instituições não tem condições de manter um banco de tumores criopreservados”, afirmou.
Já a mutação no gene FGFR1 foi investigada por métodos convencionais de sequenciamento.
Ambas as alterações genéticas são consideradas somáticas, ou seja, eventos esporádicos sem relação com características herdadas dos pais. Também em ambos os casos, por mecanismos diferentes, a anomalia faz com que a proteína codificada por esses genes fique sempre em seu estado ativo, favorecendo a proliferação celular.
“Como são tumores raros, acreditamos que os quase 70 casos que nós sequenciamos representam uma série bastante interessante e apresentem poder estatístico suficiente para avaliar o impacto biológico”, afirmou Reis.
Agência FAPESP