Parte dos resultados foi apresentada pela pesquisadora Simone Motta durante a nona edição do Congresso Mundial do Cérebro (IBRO 2015), realizado no Rio de Janeiro de 7 a 11 de julho.
“Compreender como o encéfalo percebe e reage a situações de medo pode ajudar a entender diversas neuropatologias. No caso do modelo de defesa social, que representa o medo de um indivíduo da mesma espécie, poderia auxiliar no entendimento da depressão”, disse Motta em entrevista à Agência FAPESP.
Durante seu doutorado, Motta investigou em modelos animais os circuitos neurais envolvidos no comportamento de defesa social. O experimento consiste em colocar um rato “intruso” em uma caixa anteriormente habitada por um casal da mesma espécie.
“A fêmea é retirada e, em seu lugar, é colocado outro macho. O residente mais antigo assume um comportamento agressivo, territorial, enquanto o intruso demonstra submissão. Essa derrota social é uma das situações mais estressantes para um rato. Ele perde o status que tinha em seu grupo anterior e sua resposta comportamental é drasticamente alterada após esse modelo, que induz alterações semelhantes à depressão”, explicou a pesquisadora.
O trabalho desenvolvido no ICB-USP mostrou de maneira inédita que o circuito neural ativado por essa situação de medo de um indivíduo da mesma espécie é diferente do circuito ativado pelo medo de um predador. Os resultados foram publicados em 2009 na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) e mudaram o paradigma nos estudos sobre o tema (leia mais em: revistapesquisa.fapesp.br/2010/05/30/os-caminhos-do-medo/).
“É importante que esses caminhos neurais sejam diferentes para que a resposta seja adequada a cada situação. Frente ao predador, a reação vai depender da distância. Se ele estiver muito perto, a única chance de sobreviver é atacá-lo. Se a distância permitir correr, ele deve fugir. Se ele estiver longe o suficiente para não ser visto, deve ficar imóvel. Já na defesa social, o intruso deixa o ventre à mostra e levanta as patas dianteiras para impedir que o residente o morda”, contou a pesquisadora.
O grupo mostrou que, durante esse comportamento de defesa social, um núcleo do hipotálamo conhecido como pré-mamilar dorsal estava altamente ativo. Estudaram de onde vinham os sinais que chegavam até a região hipotalâmica e, posteriormente, para onde as informações se projetavam.
“Em um dos experimentos, induzimos uma lesão no núcleo pré-mamilar dorsal com o uso de substâncias neurotóxicas e observamos que o roedor perdia muitas respostas de defesa social, deixando de demonstrar submissão. O animal também ficava mais tranquilo na lida com o pesquisador, parecia não sentir o estresse. A liberação de corticosterona [equivalente em animais ao cortisol, o hormônio do estresse] ficou inalterada após o ataque do residente”, contou Motta.
Com o intuito de demonstrar que essa região hipotalâmica não estaria envolvida em qualquer tipo de estresse – apenas no estresse social –, o grupo recorreu a um modelo de imobilização.
“É um experimento muito usado no estudo do estresse e consiste em colocar o roedor dentro de um tubo, de forma que ele não consiga se mexer. Esse modelo causa enorme ativação do núcleo paraventricular do hipotálamo – conhecidamente relacionado ao estresse. Durante o tempo que permanece no tubo e logo após ser retirado, o animal fica muito agitado e difícil de lidar”, explicou a pesquisadora.
Para a surpresa de Motta e de seus colaboradores, após uma lesão ser induzida no núcleo pré-mamilar dorsal, o comportamento do roedor mudou completamente quando colocado no tubo. Ele permaneceu tranquilo, como se nada tivesse acontecido. Testes subsequentes mostraram que nesse modelo também havia pequena ativação neuronal no núcleo pré-mamilar dorsal.
“Começamos então a investigar o que esses dois modelos – do tubo e de defesa social – tinham em comum e chegamos à conclusão que é o encurralamento. Nas duas situações o roedor se vê ameaçado e sem meios para escapar”, explicou Motta.
As conclusões desse trabalho foram publicadas este mês na revista Physiology & Behavior.
Ligando e desligando neurônios
De acordo com Motta, o núcleo pré-mamilar dorsal é ativado em situações de grande importância para os roedores, realmente emergenciais. Mas, dependendo da situação, regiões distintas desse mesmo núcleo vão organizar a resposta de defesa. Cada uma dessas sub-regiões tem projeções diferentes dentro do cérebro.
Para compreender melhor os fatores que influenciam o processamento e a resposta de defesa, o grupo do ICB-USP tem recorrido a métodos genéticos que permitem ativar ou inativar em camundongos apenas temporariamente os neurônios da região de interesse, em vez de causar uma lesão permanente como nos experimentos anteriores.
Uma das técnicas consiste em inserir nas células neuronais, com auxílio de um vírus modificado, o gene responsável por expressar uma proteína de algas chamada opsina, que é fotossensível. Uma fibra óptica é então colocada no cérebro e, quando o laser é ligado, pode ativar ou inibir os neurônios de maneira temporária e altamente seletiva.
Outro método consiste em usar o vírus modificado para inserir no neurônio genes de receptores desenhados em laboratório para responder exclusivamente a uma droga específica criada para esse fim, sem qualquer efeito sobre outras partes do corpo.
“Injetamos a droga, que vai inibir ou ativar durante algumas horas os neurônios da região que estamos estudando. Cerca de meia hora após a injeção, colocamos o animal no experimento e observamos como a ativação ou inibição de uma determinada região altera o comportamento. Estamos afinando nossos instrumentos para conseguir respostas mais próximas da realidade e entender melhor como esse processamento ocorre. Esperamos, assim, lançar luz sobre psicopatologias humanas”, explicou.
Na avaliação da pesquisadora, doenças como depressão ou estresse pós-traumático são causadas por erros no processamento do medo no cérebro.
“O grande problema é que hoje estamos tratando os sintomas e não a causa. Estamos olhando apenas para a saída da informação, o último neurônio do circuito. Mas esse neurônio não está funcionando de forma inadequada. Na verdade, ele recebe informações incorretas por um erro de processamento que ocorreu lá atrás. Se não conhecermos todo o circuito, não conseguiremos identificar o problema”, concluiu a pesquisadora.
Agência FAPESP