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Proposto independentemente pelos físicos norte-americanos Murray Gell-Mann e George Zweig em 1964, o modelo dos quarks completou meio século no ano passado. Mas, apesar de sua longevidade, novos desenvolvimentos desse modelo têm ocorrido, tanto no domínio experimental como no teórico. Uma dessas novidades foi a descoberta de um objeto constituído por quatro quarks, denominado Z+ (4430).
Encontrado pela primeira vez em 2008, no Instituto KEK (High Energy Accelerator Research Organization), no Japão, sua existência foi convincentemente confirmada em 2014 no LHC (Large Hadron Collider), o Grande Colisor de Hádrons localizado na fronteira franco-suíça.

O número 4430 se refere à massa do objeto, em unidades de megaelétrons-volt por velocidade da luz ao quadrado (MeV/c2). Comparativamente, a massa do próton é de aproximadamente 938,3 MeV/c2. E, ao contrário do próton, cuja meia-vida é superior a 2,1×1029 anos (quase 20 vezes a idade estimada do Universo), o Z+ (4430) sobrevive por apenas uma diminuta fração de segundo.

O grande interesse que suscita decorre de que não há outra explicação para ele que não seja a de uma composição exótica de quatro quarks.

As composições usuais são de três quarks, formando os bárions (categoria a que pertencem os prótons e os nêutrons), ou de um par quark-antiquark, formando os mésons (como o píon, ou méson pi, previsto teoricamente pelo japonês Hideki Yukawa, em 1935, e descoberto experimentalmente pelo brasileiro César Lattes, em 1947).

Mas composições exóticas, que antes eram apenas uma possibilidade teórica, começaram a ser encontradas nos aceleradores de partículas ao longo da última década.

“O Z+ (4430) pode ser tanto uma molécula composta por dois mésons (cada qual constituído por um par quark-antiquark) quanto um tetraquark propriamente dito (constituído por quatro quarks soltos, confinados em um determinado volume devido à interação forte)”, disse Marina Nielsen, professora titular e chefe do Departamento de Física Experimental do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP), à Agência FAPESP.

Nielsen coordena o Projeto Temático “Física de Hádrons”, que tem o apoio da FAPESP. “O estudo desses hádrons exóticos constitui uma das linhas de pesquisa de nosso projeto, e aquela à qual eu particularmente me dedico”, disse.

Outros hádrons exóticos, descobertos anteriormente, ainda têm sua estrutura sujeita a controvérsias. É o caso do X (3872), encontrado em 2003 no Instituto KEK, que também parece ser composto por quatro quarks, organizados na forma de molécula de mésons ou de tetraquark.

Porém, pelo fato de ser eletricamente neutro, isso não pode ser dito com segurança. E alguns pesquisadores afirmam que se trata apenas de um charmônio, um méson formado por dois quarks bastante massivos, o charm e o anticharm.

“Mas o caso do Z+ (4430) não dá margem a dúvidas. Ele tem carga elétrica. E, para isso, além do charm e do anticharm, precisa conter também um up e um antidown”, explicou Nielsen.

Artigo referência

A interpretação da natureza do X (3872) e de outros hádrons exóticos encontrados posteriormente constitui um desafio para os físicos que se ocupam da cromodinâmica quântica (QCD, de Quantum chromodynamics), a teoria que trata dos quarks e de suas interações.

Nielsen e seu colega Fernando Silveira Navarra, também professor titular do IF-USP, participam de uma rede internacional dedicada ao assunto, o Quarkonium Working Group (QWG), um grupo de trabalho que reúne quase 70 pesquisadores das principais universidades do mundo.

Em 2011, esse grupo internacional produziu um artigo, publicado no European Physical Journal, que se tornou referência na área, tendo recebido mais de 700 citações em artigos especializados: Heavy quarkonium: progress, puzzles, and opportunities.

Os pesquisadores da USP tiveram expressiva participação nesse trabalho. “Um dos métodos utilizados para fazer cálculos na área são as chamadas ‘regras de soma da cromodinâmica quântica’ (QCDSR, de Quantum Chromodynamics Sum Rules), com as quais trabalhamos há vários anos. Com o auxílio desse método, pudemos avançar na compreensão dos estados exóticos”, disse Navarra.

“Alguns deles podem ser melhor entendidos como tetraquarks; outros como mésons de quarks massivos, a exemplo do charmônio; outros ainda como uma mistura quântica de charmônio e tetraquarks”, detalhou o pesquisador.

A expressão “mistura quântica” significa que a função de onda associada ao objeto em questão possui duas componentes, uma que descreve o charmônio e outra que descreve o tetraquark. E que, em um número grande de observações, o objeto será observado ora como uma coisa ora como outra, conforme certa distribuição probabilística.

“A proliferação de novos estados criou uma situação de certa forma parecida com a que havia antes de Gell-Mann e Zweig proporem o modelo de quarks: várias partículas aparentemente sem conexão umas com as outras, desafiando os pesquisadores a agrupá-las segundo algum critério. Em relação a isso, também demos nossa contribuição, mostrando que certos estados podem ser corretamente interpretados como excitações de outros”, disse Navarra.

O cenário agora considerado simples, constituído por bárions (três quarks) e mésons (quark-antiquark), aos quais os físicos já estavam habituados, correspondia aos patamares de energia do mundo cotidiano ou àqueles alcançados até recentemente nos laboratórios. Mas, na medida em que novos equipamentos capazes de alcançar estados de energia cada vez mais altos são construídos, objetos exóticos tendem a se multiplicar, exigindo novos esforços de interpretação teórica.

“Essas novas descobertas conferem, de certa forma, um aval para a cromodinâmica quântica. Porque essa teoria estabelece as configurações de quarks que podem existir e aquelas que não podem. As mais simples são a tríade de quarks e o par quark-antiquark”, disse Nielsen.

“Mas outras configurações, mais complexas, também são possíveis. E há um dito famoso na mecânica quântica: o que não é proibido tem que existir. O que estamos conseguindo agora, graças aos novos patamares de energia alcançados em aceleradores como o LHC, é observar outros estados possíveis”, disse.

Agência FAPESP