A tecnologia foi desenvolvida pela Nanox – uma empresa de nanotecnologia também sediada em São Carlos, apoiada pelo Programa FAPESP Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE) e uma spin off do Centro de Desenvolvimento de Materiais Funcionais (CDMF), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) financiados pela FAPESP.
“Já sabíamos que a aplicação do material antimicrobiano e bactericida que desenvolvemos em plásticos rígidos ou flexíveis usados para embalar alimentos melhora a conservação e aumenta o shelf life [vida útil] dos produtos”, disse Luiz Pagotto Simões, diretor da Nanox, à Agência FAPESP.
“Por isso, decidimos fazer um teste com o plástico das garrafas de polietileno usadas para envasar leite fresco tipo A e conseguimos mais que dobrar o prazo de validade do produto somente pela adição do material na embalagem, sem usar nenhum aditivo no alimento”, afirmou.
De acordo com Simões, as micropartículas são misturadas na forma de um pó na matriz de polietileno utilizada para moldar as garrafas plásticas por injeção ou sopro e são inertes, ou seja, não apresentam o risco de se desprenderem da embalagem e entrarem em contato com o leite.
Para testar a eficácia do material em aumentar o prazo de validade do leite fresco foram realizados testes durante um ano, tanto pela agroindústria fabricante do produto como pela empresa e por laboratórios terceirizados. “Só depois de obter a certificação de que o material estendia o shelf life do produto a empresa decidiu colocá-lo no mercado”, disse Simões.
Além da empresa, o material também está sendo testado por outras duas indústrias de laticínios distribuidoras de leite fresco em garrafas de plástico, em São Paulo e em Minas Gerais, e por empresas na região Sul do país que comercializam leite in natura em embalagens plásticas flexíveis (saquinhos).
“No caso dessas embalagens, conhecidas popularmente como ‘barriga mole’, o material é capaz de aumentar de 4 para 10 dias o shelf life do leite fresco”, afirmou Simões.
A empresa quer comercializar o produto na Europa e nos Estados Unidos, onde se consomem volumes muito maiores de leite in natura em comparação com o Brasil.
No Brasil, o tipo de leite mais consumido é o longa vida, que passa por um processo de esterilização a temperaturas ultra-altas – de 130 ºC a 150 ºC, durante 2 a 4 segundos –, com o intuito de diminuir significativamente o número de esporos bacterianos do leite e permitir que o produto seja comercializado pelo prazo de até quatro meses, em temperatura ambiente.
Já o leite fresco tipo A é submetido a um processo de pasteurização a temperaturas brandas dentro da própria fazenda e necessita de refrigeração, comparou Simões.
“Ao dobrar o shelf life desse tipo de leite é possível obter ganhos na logística, armazenamento, qualidade e na segurança do produto”, avaliou.
Inúmeras aplicações
Além das embalagens plásticas de leite fresco, as micropartículas à base de prata desenvolvidas pela empresa são aplicadas hoje em uma série de produtos. Entre eles, utensílios plásticos e filmes de PVC para embalar alimentos, assentos sanitários, palmilhas de sapatos, secadores e chapinhas de cabelo, tintas, resinas e cerâmicas e na superfície de instrumentos médicos e odontológicos, como pinças, brocas e bisturis.
Os maiores mercados da empresa hoje, contudo, são os de tapetes e carpetes e de eletrodomésticos de linha branca, como refrigeradores, além de bebedouros de água e aparelhos de ar condicionado.
“Atuamos no mercado de linha branca, com diferentes produtos, desde 2007 e fornecemos o material para as principais fabricantes do setor”, disse Simões. O produto é exportado atualmente para 12 países, como México, Colômbia, Chile, Itália, China e Japão, por meio de distribuidores locais.
A meta da empresa, agora, é aumentar a participação no mercado norte-americano, onde obteve, em 2013, o registro da Food and Drug Administration (FDA) – a agência regulamentadora de alimentos e fármacos dos Estados Unidos – para comercializar o material bactericida aplicado em embalagens plásticas de alimentos.
“Estamos dando entrada no registro do produto na EPA [Environmental Protection Agency, a agência de proteção ambiental norte-americana] para conseguir abranger uma parte maior do mercado norte-americano”, afirmou Simões.
Segundo ele, como ainda não há uma legislação clara tanto nos EUA como no Brasil sobre a aplicação de partículas em escala nanométrica (da bilionésima parte do metro) em produtos em contato com alimentos, a empresa adota processos de nanotecnologia que resultam em partículas à base de prata em escala micrométrica.
A tecnologia consiste na deposição de partículas de prata em escala nanométrica na superfície de partículas de cerâmica (sílica).
A adesão das nanopartículas de prata à matriz cerâmica resulta em um compósito (formado por dois tipos diferentes de materiais) em escala micrométrica e com propriedade bacterida, explicou Simões.
“O efeito da combinação das partículas de prata com a matriz de cerâmica é sinérgico”, afirmou. “A prata tem propriedade bactericida e a sílica não, mas potencializa essa ação e ajuda no controle da liberação das partículas de prata para matar as bactérias”, detalhou.
Agência FAPESP