“Até então nunca tinha sido feito um levantamento tão exaustivo da diversidade microbiana marinha”, disse Hugo Sarmento, professor do Departamento de Hidrobiologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e coautor de um dos estudos, à Agência FAPESP.
“A quantidade recolhida de amostras e de dados sobre o oceano é a maior já registrada”, afirmou o pesquisador, que participou da etapa inicial da expedição e atualmente realiza um projeto de pesquisa com apoio da FAPESP, na modalidade Jovens Pesquisadores em Centros Emergentes.
De acordo com Sarmento, o objetivo da expedição foi realizar um levantamento em escala mundial do plâncton marinho – como são chamados os microrganismos microscópicos, como vírus, bactérias, algas e águas-vivas, que flutuam na superfície dos mares, rios e lagos e formam a base da cadeia alimentar marinha.
Para isso, um consórcio internacional, composto por 160 cientistas de 40 países, coletou entre 2009 e 2013 cerca de 35 mil amostras de plâncton e água em 210 regiões oceânicas no mundo – incluindo a costa brasileira –, com profundidade de até 2 mil metros, por meio da escuna de pesquisa Tara, que mede 36 metros de comprimento.
O genoma das amostras moleculares de plâncton coletadas foi sequenciado e resultou em um banco de dados com 12,581 gigabases (Gb) – trilhões de pares de bases de DNA –, equivalente, a aproximadamente, 135 genomas humanos completamente sequenciados.
“Foi o maior esforço de sequenciamento de DNA feito não só em Oceanografia, como também superou iniciativas em outras áreas, como a da Saúde, em que foram realizados nos últimos anos projetos como o de sequenciamento da microbiota intestinal humana”, comparou.
O Projeto do Microbioma Humano, iniciado em 2012 e financiado pelos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos (NIH, na sigla em inglês), por exemplo, resultou em 1,5 bilhão de pares de base (Tb) sequenciadas. Já o Projeto da Metagenômica do Trato Intestinal Humano (MetaHIT), financiado pela União Europeia, resultou em 3,8 Tb de dados de material genético (metagenômico) sequenciados.
Em contrapartida, o sequenciamento de apenas 243 amostras de bactérias, coletadas em 68 regiões oceânicas em todo o mundo durante a expedição Tara Oceans, resultou em 7,2 Tb de dados metagenômicos. “A geração dessa quantidade de dados só foi possível em razão de avanços recentes em técnicas de sequenciamento genético e de análise computacional”, disse Sarmento. “O surgimento dessas técnicas tornou possível acessar os conteúdos taxonômico e genômico das comunidades microbianas do oceano e, consequentemente, estudar suas estruturas, diversidade e potencial funcional”, avaliou.
Semelhanças genéticas
O pesquisador e colaboradores geraram, por meio da análise dos 7,2 Tb de dados metagenômicos de 243 amostras de bactérias coletadas, um catálogo de referência genética do microbioma marinho com mais de 40 milhões de genes. Com base no catálogo – que está disponível na internet para ser usado gratuitamente pela comunidade científica –, os pesquisadores identificaram um conjunto de famílias de genes funcionais que são mais comuns nos microrganismos marinhos.
Ao compará-los com os genes sequenciados pelos projetos do Microbioma Humano e o Meta HIT, eles constataram que mais de 73% dos genes funcionais dos microrganismos marinhos são compartilhados com os do microbioma intestinal humano, apesar das diferenças físico-químicas entre esses dois ecossistemas. “O sequenciamento genético das amostras de plâncton coletadas durante a expedição pode resultar na identificação de dezenas de milhares de novas espécies de bactérias, organismos unicelulares e vírus marinhos”, apontou Sarmento.
Outra descoberta, também feita pelo pesquisador e colaboradores durante a pesquisa, foi que a temperatura é o principal fator ambiental determinante da composição do microbioma marinho. Dessa forma, as mudanças climáticas globais podem causar graves impactos na diversidade desses microrganismos, uma vez que reagem rapidamente a variações do clima e à acidificação do oceano, destacam os autores. “Uma das motivações do projeto é avaliar como as mudanças que estão ocorrendo agora no oceano, como a poluição, pesca excessiva e aumento da temperatura, estão afetando os microrganismos marinhos”, disse Sarmento.
Segundo o pesquisador, os microrganismos marinhos desempenham papéis fundamentais em processos biogeoquímicos no oceano, como a ciclagem de carbono e de nutrientes. Além disso, são tão importantes para o sistema terrestre como as florestas tropicais, sendo responsáveis pela produção de metade do oxigênio da Terra por fotossíntese e por absorver CO2 da atmosfera. “O oceano ocupa duas terças partes da superfície da Terra e todo o processo de fotossíntese realizado nele é feito quase que totalmente pelos microrganismos marinhos”, afirmou.
Os pesquisadores também constataram que o microbioma marinho varia de uma região para outra, de acordo com o local, a temperatura e a composição da água. Há vírus e bactérias encontrados no Atlântico que não são vistos no Pacífico, por exemplo, e o que os separa são os redemoinhos oceânicos, apontou o estudo. “Em razão da capacidade de dispersão dos microrganismos pelo oceano, acreditava-se que não houvesse biogeografia [distribuição geográfica]”, disse Sarmento. “Hoje, com as tecnologias de sequenciamento genético existentes, é possível afirmar que há biogeografia de microrganismos e que a biodiversidade de plâncton não é igual em diferentes regiões do oceano”, afirmou.
De acordo com o pesquisador, em 1 mililitro de água – equivalente a três gotas – há, aproximadamente, 1 milhão de bactérias e 10 milhões de vírus. “De modo geral, a biodiversidade microbiana é mais elevada do que a de animais e plantas”, comparou.
No projeto de pesquisa, que está realizando com apoio da FAPESP, o pesquisador pretende realizar um levantamento da diversidade microbiana em ambientes aquáticos no Estado de São Paulo usando, eventualmente, o navio oceanográfico Alpha Crucis e o barco oceanográfico Alpha Delphini, comprados pela FAPESP para o Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP).
Agência FAPESP