Svoboda é um dos porta-vozes do Deep Underground Neutrino Experiment (Dune), o maior experimento dedicado a detectar e estudar as interações de neutrinos no mundo.
“Os neutrinos são as menores partículas conhecidas – para se fazer um elétron seriam necessários 10 milhões deles, o que nos leva a dizer que para cada átomo há pelo menos 1 bilhão de neutrinos. Ou seja: somos visitantes no universo dos neutrinos, o que por si só já é um grande motivo para buscar entendê-los. O Brasil tem grande participação no que já se sabe a respeito dessas partículas e está trabalhando em novas e importantes contribuições”, disse à Agência FAPESP.
Svoboda se refere à participação de cinco instituições brasileiras na cooperação internacional responsável pelo Dune. Pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade Federal do ABC (UFABC), Universidade Federal de Goiás (UFG), Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e a Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb) trabalham no aprimoramento dos sensores do experimento, localizado nos Estados Unidos.
A ferramenta mais poderosa do mundo para o estudo da difícil captura dos neutrinos ocupa uma extensão de mais de 1.200 km nos Estados Unidos, do Fermi National Accelerator Laboratory (Fermilab), em Illinois, até o subsolo de um centro de pesquisa em Dakota do Sul.
A distância entre os detectores de neutrinos instalados nas duas extremidades permitirá à comunidade física internacional estudar as mudanças pelas quais os neutrinos passam enquanto atravessam a Terra.
“Atualmente, estamos trabalhando no desenvolvimento do sistema de detecção de fótons do experimento, com fibras de acrílico dopadas com um componente químico descola para o visível a luz que é produzida pela interação dos neutrinos para que os sensores do experimento possam enxergar as interações com maior precisão”, explicou Ernesto Kemp, do Departamento de Raios Cósmicos e Cronologia da Unicamp, outro palestrante na FAPESP Week.
“Também estão sendo pesquisadas e desenvolvidas novas técnicas para melhorar a reflexão e a coleta da luz do experimento, fazendo com que ela chegue de forma mais eficiente às fibras e delas para os sensores de luz, além de simulações numéricas para validar esses aprimoramentos e novos cálculos de sensibilidade”, disse Kemp.
Para o pesquisador, a articulação da comunidade brasileira de físicos experimentais posicionou o Brasil como importante colaborador nas pesquisas internacionais sobre neutrinos.
“A precisão que perseguimos nas medições dos parâmetros de oscilação dos neutrinos, que dependem da energia gerada e da matéria que eles atravessam, entre outros fatores, aumentará as chances de se entender como essas partículas podem ter sido responsáveis pela predominância de matéria no universo em vez de antimatéria, entre outras questões”, destacou Kemp.
Matéria versus antimatéria
Até a década de 1990, os físicos achavam que os neutrinos não tinham massa. De acordo com Svoboda, a descoberta de evidências contrárias e a compreensão sobre o comportamento dos neutrinos pode explicar por que o universo é feito predominantemente de matéria, já que a antimatéria, que hoje é quase inexistente, teria as mesmas chances de surgir se propagando a partir do Big Bang e não o fez.
“Quando o Universo foi formado, matéria e antimatéria existiam de forma simétrica, em igual quantidade. O aumento da quantidade de matéria após o Big Bang, responsável pelas coisas como as conhecemos, pode ter sido provocado pelos neutrinos”, disse.
A resposta estaria no comportamento estranho da massa dos neutrinos e da sua relação com sua antipartícula. Sabe-se que essas partículas podem, espontaneamente, alterar sua massa e oscilar entre os três tipos de neutrino conhecidos.
“Essas propriedades ainda pouco esclarecidas podem ter distorcido a relação de produção entre matéria e antimatéria no início do Universo”, disse Svoboda.
FAPESP Week UC Davis in Brazil | The Neutrino Physics and Dark Matter Research Program
https://youtu.be/BfrUWaNTOKs
Cooperação
Além do Dune, o Brasil participa de outros importantes experimentos internacionais que investigam o comportamento dos neutrinos. Svodoba e Kemp trabalham em colaboração no Double Chooz, experimento que procura medir oscilações de neutrinos ao observar antineutrinos produzidos em um reator nuclear em Chooz, na França.
A participação brasileira, que teve apoio da FAPESP no âmbito do projeto Medidas de neutrinos em usinas nucleares, coordenado por Pietro Chimenti, da UFABC, levou ao desenvolvimento de sensores eletrônicos que possibilitaram a medição da energia dos múons cósmicos que cruzam o detector.
Com os resultados desse e de outros experimentos ao redor do mundo já se sabe a diferença de massa entre os tipos de neutrinos detectados, mas não quanto de massa cada um tem. Essas e outras questões ainda permanecem sem resposta, mas, para Svoboda, a cooperação internacional tem possibilitado avanços a passos largos.
“Em pouco tempo essas partículas passaram da teoria para a comprovação experimental. Na década de 1960 foi observada, em uma mina na África do Sul, a primeira ocorrência natural de neutrinos; na década de 1990, no observatório de neutrinos Super-Kamiokande, no Japão, foram registradas oscilações em neutrinos-múon indicando que eles têm massa. É preciso unir ainda mais esforços para fazer a área avançar mais e mais, levando às respostas que a humanidade busca sobre por que as coisas são como são”, disse.
Agência FAPESP