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fármacos Acelerar o avanço da ciência básica necessária para o desenvolvimento de novos fármacos por meio de uma parceria entre academia, governos e indústria farmacêutica em um ambiente de acesso aberto ao conhecimento tem sido o objetivo principal do Structural Genomics Consortium (SGC) em seus 10 anos de existência.
O SGC propõe agora levar seu modelo de colaboração livre de patentes (open source) para a etapa seguinte do processo de descoberta de drogas: os testes pré-clínicos feitos com células e tecidos de pacientes em conjunto com laboratórios de pesquisa. A ideia foi apresentada em um comentário publicado recentemente na revista Nature Reviews Drug Discovery.

“Os dois principais objetivos da nossa iniciativa são aumentar a compreensão das bases moleculares do câncer e das doenças inflamatórias (bem como de outras doenças, na medida em que nossa rede crescer) e identificar alvos específicos que possam ser farmacologicamente modulados para melhorar o fenótipo dessas enfermidades”, afirmam os autores do artigo.

Entre os que assinam o comentário estão os brasileiros Katlin Brauer Massirer e Mário Henrique Bengtson – ambos pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e integrantes do centro vinculado ao SGC recentemente inaugurado com apoio da FAPESP.

“Essa ideia seria uma continuação do trabalho que o SGC já vem desenvolvendo. Atualmente, o consórcio tem o papel de gerar moléculas com potencial para se tornarem fármacos. O artigo busca mostrar que, mesmo que sejam encontrados compostos com ação biológica, ainda existe um longo caminho a ser percorrido até eles serem testados em pacientes e mostrarem eficácia”, afirmou Massirer.

O SGC foi oficializado em 2004 com o objetivo de promover pesquisa básica em áreas consideradas de alto risco, como epigenética, para as quais seria difícil obter financiamento pelos métodos tradicionais. O foco inicial era investigar as diferenças genéticas entre os seres humanos. Em seguida, o grupo se voltou ao estudo da estrutura tridimensional de proteínas de relevância biomédica, que poderiam servir de alvos para novos medicamentos.

Por meio da parceria com mais de 300 grupos de pesquisas em 40 países, além de dez dos maiores laboratórios farmacêuticos e entidades sem fins lucrativos de apoio à pesquisa, o consórcio ajudou a descrever a estrutura de mais de 1.500 proteínas, com implicações para o desenvolvimento de terapias contra câncer, diabetes, obesidade e transtornos psiquiátricos.

Além das sedes já existentes na University of Toronto (Canadá) e na University of Oxford (Reino Unido), o SGC passou a contar em 2015 com uma equipe de pesquisadores brasileiros, reunidos no Centro de Biologia e Química de Proteínas Quinases – apoiado pela FAPESP por meio do Programa Parceria para a Inovação Tecnológica (PITE). O Centro está sediado na Unicamp e é coordenado pelo professor Paulo Arruda.

Ganhou também duas novas linhas de pesquisa. Uma é o estudo de inibidores para quinases (uma classe de enzimas) que controlam o processo de RNA splicing – uma espécie de edição da molécula para torná-la madura e pronta para codificar uma proteína. A outra é encontrar proteínas-alvo para modular a resistência das plantas ao estresse hídrico.

Criando atalhos

De acordo com Massirer, entre a descoberta de uma molécula com potencial farmacológico no laboratório e sua transformação em um medicamento para uso humano podem se passar mais de dez anos.

A meta da nova parceria proposta pelo SGC é acelerar esse processo e aumentar as taxas de sucesso dos candidatos a fármacos nos ensaios clínicos, atualmente em torno de 4% apenas.

“Uma das causas desse alto índice de fracasso é a escolha inapropriada do alvo inicial da droga. E esse não é um problema fácil de solucionar. Precisamos ampliar o conhecimento sobre a biologia fundamental e esse é o tipo de pesquisa que mesmo uma grande farmacêutica não é capaz de fazer sozinha”, disse Bill Zuercher, representante da GlaxoSmithKline (GSK), durante a inauguração do novo centro da Unicamp, em março.

A nova iniciativa busca atrair também os grupos de pesquisa ligados à área clínica, com acesso a tecidos de portadores das doenças-alvo. “A proposta é usar essas células em laboratório, para validar os alvos e aumentar as chances de sucesso nas etapas futuras”, explicou Massirer.

Em vários dos experimentos colaborativos, acrescentou a pesquisadora, o enfoque será coletar células da pele de pacientes e reprogramá-las para induzir a pluripotência. “Esse estado não diferenciado permite que células sejam então direcionadas em experimentos de laboratório para gerar uma linhagem específica. Podemos, por exemplo, induzir a diferenciação em cardiomiócitos para entender o funcionamento do coração”, disse.

No artigo, o grupo ressalta que raramente uma única instituição concentra todos os ingredientes necessários para fazer ensaios pré-clínicos de qualidade e relevância.

“A indústria tem geralmente mais experiência na concepção e desenvolvimento de novos produtos químicos ou de anticorpos; a comunidade acadêmica ligada à área clínica pode oferecer profundo conhecimento sobre a doença e cuidados com o paciente; e a comunidade acadêmica de pesquisa normalmente fornece conhecimentos moleculares e tecnológicos para estudos de mecanismos”, afirmam os autores.

A exemplo do trabalho que já vem sendo realizado, o SGC propõe a colaboração entre essas três áreas em um ambiente livre de patentes.

“O compromisso de acesso aberto e compartilhamento de dados é uma característica fundamental deste plano e é necessário para acelerar a ciência, tornar a geração de dados mais transparentes e, portanto, mais reprodutível, reduzir os custos e tempo associados com a execução de colaborações multi-institucional, multinacional e multisetorial e aliviar as preocupações éticas que podem surgir quando interesses comerciais e científicos são justapostos com as amostras dos pacientes”, defendem os autores.

Segundo Bengtson, a ideia é que até a etapa de identificação de moléculas com ação biológica e validação do alvo terapêutico as pesquisas sejam de acesso aberto.

“Desse ponto em diante, qualquer grupo que tenha interesse pode investir e desenvolver um produto com base nesse conhecimento. Achar uma molécula que provoca o efeito desejado em células/tecidos é apenas um dos primeiros passos do processo de drug discovery [desenvolvimento de fármacos]. Geralmente, essa molécula precisa passar por várias alterações até poder ser testada com sucesso em pacientes e aprovada para uso, e isso envolve bastante investimento da indústria farmacêutica”, disse.

Agência FAPESP