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Entender como o conjunto de bactérias que coloniza o intestino do Aedes aegypti influencia a suscetibilidade do mosquito ao vírus da dengue é o objetivo de uma pesquisa conduzida na Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Botucatu, com apoio da FAPESP. De acordo com Jayme Augusto de Souza-Neto, coordenador do estudo, a descoberta de fatores que tornam o mosquito refratário ao vírus poderia, no futuro, abrir caminho para o desenvolvimento de estratégias que ajudem a bloquear a transmissão da doença.
“O objetivo é desvendar a troca de informações entre a microbiota intestinal e o sistema imune do Aedes. Entender de que forma isso determina o sucesso da infecção no inseto e, consequentemente, da transmissão do vírus para humanos”, afirmou Souza-Neto.

Quando o mosquito suga o sangue contaminado, explicou o pesquisador, o primeiro local em que o patógeno se aloja e se replica é o intestino. Nesse tecido ele precisa driblar os mecanismos de defesa para conseguir se disseminar pelo corpo do inseto e atingir as glândulas salivares.

“Um dos principais mecanismos de defesa do Aedes é a ativação de genes que codificam proteínas com ação antiviral. Outro componente importante é a microbiota intestinal, mas ainda não sabemos exatamente de que forma ela influencia a resposta imune”, disse Souza-Neto.

Existe a possibilidade de que algumas bactérias atuem de forma direta, produzindo moléculas com ação antiviral. Outras podem interferir de maneira indireta, ativando vias de sinalização que estimulam o sistema imunológico do inseto a combater o invasor.

Estudos anteriores mostraram que a suscetibilidade ao vírus da dengue é bastante variável nas diferentes populações do mosquito vetor. Os primeiros resultados de experimentos realizados pelo grupo de Souza-Neto no Instituto de Biotecnologia (Ibtec) da Unesp sugerem que a microbiota intestinal é um dos fatores por trás dessa variação.

Os pesquisadores compararam uma população de Aedes coletada no município de Botucatu – onde a incidência de dengue é baixa, apesar da presença constante do mosquito – com outra coletada na cidade de Neópolis, em Sergipe, onde muitos casos da doença são registrados anualmente.

No laboratório, ambos os grupos foram alimentados com sangue contaminado e, quatro dias depois, submetidos a testes para quantificação da carga viral no organismo. Enquanto nos mosquitos de Botucatu a taxa de infecção ficou em torno de 25%, no grupo de Neópolis o índice foi superior a 80%.

Por meio de técnicas de sequenciamento de genes em larga escala, o grupo identificou todas as espécies de bactérias que colonizavam o intestino dos mosquitos e observou que o microbioma existente nos dois grupos era completamente diferente.

Nos insetos de Botucatu, as classes predominantes foram – em proporções similares tanto em infectados quanto em não infectados – Flavoproteobacteria e Gammaproteobacteria, com destaque para os gêneros Elizabethkingia e Asaia.

Em Neópolis, a classe mais comum foi a Gammaproteobacteria, com destaque para os gêneros Pseudomonas nos infectados e Stenotrophomonas nos não infectados.

As análises também revelaram que na população de Neópolis o contato com o vírus induziu de forma mais significativa a ativação de genes importantes para a defesa antiviral.

“Cerca de um terço dos genes ativados nos mosquitos de Sergipe é controlado por vias do sistema imune associadas ao controle de bactérias. São genes que codificam peptídeos com ação antimicrobiana, como defensina, o que reforça a hipótese de que o microbioma participa desse sistema integrado antidengue no intestino do mosquito”, disse Souza-Neto.

Segundo o pesquisador, muitas das bactérias identificadas em ambos os grupos são espécies comumente encontradas no solo – um indicativo de que o ambiente no qual o mosquito se desenvolve tem influência na composição da microbiota na fase adulta.

Os experimentos foram realizados durante o doutorado de Carine Spenassatto Dreyer, com Bolsa da FAPESP.

Possíveis aplicações

Atualmente, o grupo tenta separar os genes que são ativados pela infecção de maneira independente da microbiota daqueles que sofrem interferência das bactérias intestinais.

Embora o objetivo da pesquisa realizada no Ibtec-Unesp seja apenas compreender a complexa interação entre o microbioma intestinal e a resposta imune do mosquito ao vírus da dengue, Souza-Neto vislumbra possibilidades de aplicar esse conhecimento no futuro.

“Se conseguirmos encontrar uma espécie bacteriana capaz de induzir forte resposta antiviral no mosquito, abriremos a possibilidade de cultivar populações de Aedes nas quais essa bactéria seja predominante no microbioma intestinal”, disse o pesquisador.

O mesmo conceito poderia ser adaptado caso seja encontrada uma espécie bacteriana capaz de produzir moléculas com ação antiviral. Em ambos os casos, as populações cultivadas em laboratório seriam, em teoria, refratárias ao vírus e poderiam bloquear a cadeia de transmissão da doença se inseridas em grande quantidade na natureza.

Outra possibilidade, segundo Souza-Neto, seria encontrar um gene-chave para tornar o inseto resistente à infecção. “Nesse caso seria possível desenvolver um mosquito transgênico no qual esse gene está superexpresso”, disse o pesquisador.

No Brasil, foi inaugurada em 2014, pela empresa britânica Oxitec, a primeira fábrica de mosquitos Aedes aegypti transgênicos. Nesse caso, porém, a modificação genética não altera a capacidade do inseto de se defender da doença e sim de produzir uma prole viável.

Na avaliação de Souza-Neto as duas estratégias são complementares, assim como todas as outras medidas para controle do vetor, entre elas a eliminação de criadouros.

“É importante que a população não interprete as inovações científicas como a solução de todos os problemas. Todas as estratégias devem trabalhar de maneira integrada. Uma não substitui a outra”, avaliou Souza-Neto.

Agência FAPESP