Submit to FacebookSubmit to Google PlusSubmit to TwitterSubmit to LinkedIn
Embora se trate de doenças bastante distintas, a tuberculose e a hanseníase têm um ponto em comum: ambas são causadas por patógenos do gênero mycobacterium. No primeiro caso, o Mycobcterium tuberculosis, e na hanseníase, o Mycobacterium leprae. Tanto uma quanto a outra dependem do colesterol presente nas células para sobreviver e se multiplicar. Mas, como descobriram os pesquisadores, essa também pode ser a chave para um novo tratamento.
Com o emprego das estatinas, substâncias largamente utilizadas no controle da hipercolesterolemia – a chamada "pressão alta" – em todo o mundo, pode-se inibir a síntese de colesterol nas células infectadas, e fazer com que essas micobactérias morram. E, assim, deixem de infectar o organismo hospedeiro.

As duas doenças somam perto de 10 milhões de novos casos por ano, o que é mais do que motivo para que o assunto venha mobilizando o pesquisador Flavio Alves Lara, do Laboratório de Microbiologia Celular do Instituto Oswaldo Cruz, da Fundação Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), coordenado por Maria Cristina Pessolani. Da equipe também faz parte Lívia Lobato, que desenvolveu a ideia como parte de sua dissertação de mestrado em Biologia Celular e Molecular, no instituto. “Ao propor esse novo uso para as estatinas, observamos que, em estudos preliminares in vitro, elas apresentaram boa atividade microbicida tanto para M. leprae quanto para M. tuberculosis", fala Lara, que recebeu subsídios do Auxílio Básico à Pesquisa (APQ 1).

Como explica o pesquisador, dados recentes da literatura indicam um papel importante dos lipídeos derivados do hospedeiro, principalmente o colesterol, para que essas micobactérias não apenas sobrevivam como se multipliquem e se alastrem no organismo que foi infectado. No caso da tuberculose, o M. tuberculosis tem como alvo os macrófagos alveolares, ou seja, as células residentes nos alvéolos pulmonares, enquanto o M. leprae ataca principalmente os macrófagos da pele e as células de Schwann, presentes no sistema nervoso periférico, responsáveis pelo isolamento e pela proteção dos axônios. Estes, por sua vez, são uma grande extensão do corpo celular, que se conecta a outros neurônios ou a células de outros tecidos, como músculos, glândulas etc.

A vantagem é que a estatina não inibe apenas a síntese de colesterol, mas também a síntese de lipídeos isoprenilados – ou seja, lipídeos modificados, que têm como função ancorar receptores na membrana da célula, dentre eles o receptor de TNF-g, agindo assim como anti-inflamatório. Na hanseníase, a inibição desses receptores levaria a uma redução de danos teciduais na pele e nos nervos, evitando deformidades e perda de função motora. Na tuberculose, levaria a uma redução aos danos pulmonares.

“O colesterol corresponde a mais de 25% dos lipídeos presentes na bainha de mielina dos axônios, e está envolvido na sobrevivência de ambas as micobactérias nas células hospedeiras”, prossegue Lara. Com o emprego das estatinas, afeta-se a atividade da enzima HMG-CoA redutase, cuja função principal é sintetizar colesterol. “Isso faz com que a célula reduza sua produção de colesterol. Sem acesso a colesterol, que foi drasticamente reduzido na célula, a micobactéria acaba morrendo”, diz o pesquisador.

O tratamento das duas doenças costuma ser difícil. “É preciso pelo menos um ano de tratamento e, mesmo assim, não se pode considerar que houve uma cura completa. As estatinas podem ser empregadas como drogas acessórias ao tratamento, porque são seguras, mundialmente usadas, com poucos efeitos colaterais e um ganho considerável nos benefícios ao doente.”

Segundo Lara, até mesmo os casos resistentes ao tratamento convencional devem responder bem ao tratamento com estatinas. “Isso porque o alvo não é diretamente o patógeno, mas sua fonte de alimentação no interior do hospedeiro. Sem ela, ou seja, sem uma fonte de colesterol, ela morre”, repete. Isso deverá ser confirmado em ensaio clínico que vem sendo realizado com 60 pacientes no Hospital Universitário Pedro Ernesto (Hupe/Uerj). Com base em dois artigos já publicados pela equipe, em estudos in vitro e em experimentos realizados em camundongos, os pesquisadores demonstraram que o efeito das estatinas é capaz de potencializar em até dez vezes a ação bactericida da rifampicina, o principal antibiótico empregado no tratamento das duas doenças.

Caso tudo funcione conforme o esperado e o resultado da segunda etapa dos ensaios, a ser realizado com um número bem maior de pacientes – 2.000 –, seja positivo, os pesquisadores esperam poder recomendar as estatinas ao Sistema Único de Saúde (SUS) para tratamento da tuberculose.

Assessoria de Comunicação FAPERJ