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O setor sucroenergético brasileiro apresenta um comportamento tímido em relação à inovação e há poucas empresas que realizam investimentos nessa área de forma intensa e frequente. A constatação é de um estudo realizado por pesquisadores do Núcleo de Apoio à Gestão da Inovação do Setor Sucroenergético (Nagise), com sede na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e apoiado pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).
O estudo serviu de base para o livro “Futuros do bioetanol: o Brasil na liderança?”, redigido por 17 especialistas ligados ao Nagise, cuja rede conta com a participação da Embrapa Agroenergia, da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), do Instituto Agronômico (IAC) e da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da Universidade de São Paulo (USP), campus de Ribeirão Preto.

“O livro é resultado de um trabalho de capacitação de profissionais do setor sucroenergético em inovação e gestão da inovação, com um diagnóstico da inovação nessa área e a elaboração de planos de inovação para empresas do setor que realizamos no Nagise entre 2013 e 2014”, disse Sergio Salles Filho, professor do Instituto de Geociências da Unicamp e coordenador do núcleo, à Agência FAPESP

“O diagnóstico de como as empresas participantes do trabalho conduzem o tema da inovação e como fazem a gestão da inovação resultou em um material bastante rico, que representa a parte mais original do livro”, disse Salles, organizador da publicação.

De acordo com o professor, uma das constatações é que, do universo das 58 empresas participantes do projeto – que representam cerca de um terço da produção nacional de etanol –, uma pequena parcela faz inovação de forma mais intensa e frequente e, inclusive, tem estrutura interna de pesquisa e desenvolvimento (P&D).

As outras, apesar de terem consciência da importância da inovação para o desenvolvimento de seus negócios, ainda abordam o tema de modo tangencial.

“De uma forma geral, o nível de inovação no setor sucroenergético brasileiro ainda é baixo, principalmente na área agrícola”, afirmou Salles.

Quando perguntados sobre os principais problemas enfrentados em termos de desenvolvimento de produtos e processos e sobre as tecnologias que desejariam adotar para resolvê-los, os representantes das empresas, em sua maioria, responderam que usariam soluções já existentes e relativamente conhecidas para problemas relacionados ao aumento da produtividade agrícola. A média nacional, de menos de 70 toneladas por hectare, é considerada baixa.

Um número expressivo de empresas disse que procura melhorar a eficiência da produção do etanol com inovações não tecnológicas, como as relacionadas à certificação ambiental e ao transporte (logística), que também representa um gargalo importante no país, disse Salles.

Segundo o professor, o tipo de inovação mais frequente está relacionado à sustentabilidade ambiental, superando até mesmo a voltada à produtividade agrícola.

“É muito provável que isso se deva a um marco regulatório no setor, que estabeleceu a necessidade de as empresas buscarem soluções de produção com menor impacto ambiental dos pontos de vista agrícola, industrial, da logística de transporte e da emissão de gases de efeito estufa”, avaliou.

Muitas empresas do setor estão buscando certificações socioambientais internacionais, visando comercializar o etanol que produzem no mercado global, disse Salles.

“Isso não significa que elas já estejam no mercado internacional, o que não é algo muito fácil, porque o mercado externo não está aberto à expansão do etanol”, afirmou.

“Mas, pelo fato de essas empresas terem conquistado certificações socioambientais, elas acabam conseguindo acessar o mercado internacional com mais facilidade. Isso tem um grande significado do ponto de vista econômico e produtivo para o crescimento do setor”, avaliou Salles, que é membro das Coordenações Adjuntas de Programas Especiais e do Plano Diretor de Ciência, Tecnologia e Inovação para o Estado de São Paulo da FAPESP.

Produção estagnada

De acordo com Salles, o maior impulso recente na produção de etanol no Brasil ocorreu a partir da metade dos anos 2000, quando o setor passou a ser o foco das atenções de investimentos e a produção nacional saltou de 18 bilhões de litros para cerca de 25 bilhões de litros.

Nesse período, também houve grandes aportes de capital estrangeiro e a entrada de empresas multinacionais no setor brasileiro.

As políticas de controle do preço da gasolina adotadas no Brasil nos últimos quatro anos, contudo, arrefeceram o ímpeto dos investimentos no setor, uma vez que o mercado interno representa o principal canal de venda, absorvendo mais de 85% da produção do combustível.

Com isso, a produção de bioetanol no país recuou e ficou estagnada na casa dos 24 bilhões de litros por ano, segundo Salles. “O acirramento da competição do etanol com o preço da gasolina nos últimos anos levou a uma reversão das expectativas de expansão do setor”, afirmou.

No momento em que a produção brasileira de etanol estagnou, os Estados Unidos dobraram a sua produção a partir, majoritariamente, de amido de milho, saltando do patamar de 24 bilhões de litros registrados em 2006 para 48 bilhões de litros em 2012.

Dessa forma, a liderança do Brasil na produção mundial de etanol passou a ser seriamente ameaçada, afirmou Salles.

“Hoje, o Brasil não está na liderança nem na produção de etanol – porque os Estados Unidos já produzem o dobro –, nem na tecnológica, porque não está na fronteira da produção de etanol de segunda geração”, avaliou.

“Embora existam iniciativas nacionais de potencial sucesso, é pouco provável que elas ditem o caminho do bioetanol celulósico no mundo. Elas tendem a ser uma alternativa real, mas não deverão definir trajetórias tecnológicas globais”, estimou.

No Brasil, iniciativas como as da Granbio, Raízen e Odebrecht/Amyris colocam expectativas concretas para a produção de etanol a partir da celulose da cana-de-açúcar no país.

Os Estados Unidos, em contrapartida, investem um volume de recursos muito maior em comparação com o Brasil para o desenvolvimento dessa tecnologia, comparou Salles.

“Os Estados Unidos respondem com uma velocidade extraordinária aos sinais do mercado”, avaliou. “Além de dobrar a produção de etanol obtido, quase que totalmente, do milho, eles aumentaram em pouquíssimo tempo a participação do gás de xisto em sua matriz de gás natural, saltando de 1% para quase 20% de participação também em um prazo de cinco anos.”

Possíveis cenários

Os pesquisadores fazem no capítulo final do livro projeções de três cenários possíveis para o bioetanol no Brasil e no mundo em razão das incertezas sobre como o combustível ocupará a matriz energética nacional e global, que tem sido desigual e oscilante.

Um dos possíveis cenários é o biocombustível tornar-se uma commodity energética e ocupar uma parte importante da matriz energética global.

Mas, para isso, será preciso lidar com uma série de variáveis, como as políticas dos Estados Unidos e da União Europeia para combustíveis.

A União Europeia, por exemplo, tem elaborado políticas favoráveis ao estímulo da produção de biodiesel em detrimento do etanol. “O etanol não está no centro das diretrizes para biocombustíveis da União Europeia”, avaliou Salles.

“Se o etanol de segunda geração virar realidade, isso poderia transformar sensivelmente não só o mercado interno, como o global de bioetanol”, afirmou.

Agência FAPESP