“Além de reforçar a importância da atividade física no controle do diabetes, a descoberta abre caminho para o desenvolvimento de drogas que simulem a ação da IL-6 no pâncreas”, disse Claudio Cesar Zoppi, pesquisador do Laboratório de Pâncreas Endócrino e Metabolismo do Departamento de Biologia Estrutural e Funcional da Unicamp e um dos autores do artigo.
O diabetes do tipo 1 é provocado pelo ataque autoimune às células beta produtoras de insulina, explicou o pesquisador. À medida que as células morrem, a produção do hormônio vai se tornando insuficiente para controlar os níveis de açúcar no sangue.
Estudos recentes já haviam mostrado que, em portadores de diabetes do tipo 1 e também do tipo 2 (casos em que a produção de insulina é elevada, porém há resistência de certas células à ação do hormônio), a adoção de um programa de treinamento físico melhora tanto a sobrevivência como a função das células beta.
Resultados da literatura científica também indicam que a atividade física não apenas torna o ambiente do pâncreas mais favorável à sobrevivência das células – reduzindo, por exemplo, a glicemia, a inflamação e os triglicérides – como também induz adaptações diretas nas células beta.
“A pergunta que tentamos responder neste estudo foi: quais mecanismos moleculares e intracelulares são alterados nas células beta pelo exercício físico e como esse sinal chega até o pâncreas?”, disse Zoppi.
Para desvendar o enigma, diversos experimentos foram realizados durante o pós-doutorado de Flávia Maria Moura de Paula, realizado com Bolsa da FAPESP e supervisão do professor Antonio Carlos Boschero, da Unicamp. Boschero e Zoppi também estão ligados ao Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades (OCRC, na sigla em inglês), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) da FAPESP.
Em um dos modelos, camundongos saudáveis foram submetidos durante dois meses a um programa de treinamento físico de resistência, ou seja, de longa duração e baixa intensidade. Após esse período, os pesquisadores coletaram amostras de ilhotas pancreáticas, estrutura nas quais se situam as células beta produtoras de insulina.
“O passo seguinte foi simular, in vitro, o ataque autoimune às células beta de forma semelhante à que ocorre em portadores de diabetes tipo 1. Para isso, incubamos as ilhotas dos camundongos com as citocinas pró-inflamatórias interferon-gamma e interleucina 1-beta, as mesmas secretadas pelas células de defesa”, explicou Zoppi.
As ilhotas dos camundongos treinados apresentaram taxa de mortalidade 50% menor que as dos camundongos sedentários, pertencentes ao grupo controle. Além disso, os pesquisadores observaram que havia uma menor produção de óxido nítrico e da proteína caspase 3 clivada, substâncias que sinalizam para a célula que é hora de entrar em processo de apoptose (morte celular programada).
“Mas as ilhotas pancreáticas possuem outros tipos de células, dentre elas a alfa e a delta. Precisávamos mostrar mais especificamente o efeito do exercício sobre as células beta”, disse Zoppi.
Experimentos in vitro foram então feitos com duas linhagens celulares de células beta: a INS-1E (proveniente de rato) e a MIN-6 (proveniente de camundongo). O estímulo do exercício físico foi simulado farmacologicamente, explicou o pesquisador.
“Incubamos uma linhagem de célula muscular com uma droga conhecida por induzir as mesmas adaptações promovidas pelo exercício de resistência. Em seguida, incubamos as linhagens de células beta apenas com o meio de cultura dessas células musculares ‘treinadas’ farmacologicamente. Em outro experimento, as linhagens de células beta foram incubadas com soro dos animais submetidos ao treinamento de resistência. Dessa forma, foi possível simular o ambiente celular de um animal treinado”, disse.
Os resultados foram semelhantes ao observado no experimento feito com as ilhotas. A mortalidade das células INS-1E “treinadas” foi 50% menor que na situação controle.
“Ainda faltava descobrir qual molécula seria a interlocutora nessa conversa entre o músculo e as células beta. Imaginamos que uma possível candidata seria a IL-6, pois as contrações musculares estimulam a liberação de grandes quantidades dessa citocina”, contou Zoppi.
Além disso, acrescentou o pesquisador, estudos recentes haviam mostrado que a IL-6 é um importante sinalizador entre tecidos, principalmente aqueles envolvidos no controle glicêmico, enviando sinais dos músculos para órgãos como o fígado e o hipotálamo.
Para testar a hipótese, os pesquisadores repetiram os experimentos iniciais e observaram que, quando um inibidor farmacológico da IL-6 era acrescentado no meio de cultura, o efeito protetor do exercício era abolido.
Para reforçar os resultados, o grupo usou um modelo de camundongo modificado geneticamente para não expressar a IL-6. Os animais foram submetidos ao treinamento e, após dois meses, ilhotas de animais controle (sedentários) foram tratadas, nas mesmas condições anteriores, com o soro de animais treinados que não expressavam a IL-6.
“Repetimos o mesmo experimento e, nesse caso, o exercício físico não teve nenhum efeito protetor sobre as células beta”, contou Zoppi.
Novas drogas
Atualmente, De Paula realiza experimentos com ilhotas de doadores humanos no Laboratório de Medicina Experimental, da Universidade Livre de Bruxelas, na Bélgica, para tentar repetir os resultados observados em camundongos. O grupo da Unicamp também planeja um estudo para prospectar moléculas capazes de ativar a mesma via de sinalização da IL-6 no pâncreas.
“Acredito que não poderemos usar diretamente a IL-6 como tratamento, pois ela apresenta múltiplas ações e, dependendo do contexto, pode ter ação anti ou pró-inflamatória. Talvez possamos encontrar um análogo com efeito terapêutico”, explicou Zoppi.
A pesquisa está sendo realizada no âmbito do Projeto Temático “Mecanismos moleculares envolvidos na disfunção e morte de células beta pancreáticas no Diabetes Mellitus: estratégias para a inibição desses processos e para a recuperação da massa insular em diferentes modelos celulares e animais”, coordenado por Boschero.
Agência FAPESP