O ataque ao DNA pode persistir por mais de três horas após a exposição direta à luz do sol, segundo esse trabalho, indicando mais uma limitação da ação dos cremes protetores aplicados à pele para proteger contra os efeitos prejudiciais da radiação ultravioleta da luz solar.
“O protetor solar não vai prevenir totalmente os danos ao DNA, que continuam mesmo depois da exposição ao sol”, diz o químico Etelvino Bechara, um dos autores do artigo, professor ligado à Universidade de São Paulo (USP) e à Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Com base nesse trabalho, Bechara recomenda ainda mais cuidado com o bronzeamento artificial e alerta para a necessidade urgente de formulações, na forma de cremes, que possam impedir a formação dos compostos lesivos ao DNA mesmo depois da exposição ao sol. Uma possibilidade, apresentada no estudo, é o uso de ácido sórbico, um aditivo de alimentos, embora sua eficácia, dosagem e forma de aplicação ainda não tenham sido estabelecidos.
Camila Mano, do Instituto de Química da USP, é a outra autora brasileira desse trabalho. Por sugestão de Bechara, ela foi à Universidade Yale, nos Estados Unidos, integrou-se ao grupo de Douglas Brash e fez parte dos experimentos que revelaram as reações que danificam o DNA e podem levar à formação de células anormais, que, se não contidas, podem gerar tumores.
Normalmente, nas células produtoras de melanina, a radiação ultravioleta do sol forma os chamados dímeros (compostos químicos com duas unidades) de timina e citosina, dois componentes básicos do DNA. Esses componentes, agora unidos (dímeros) em vez de estarem sozinhos, podem alterar o funcionamento do DNA no momento da multiplicação celular. As células dispõem de mecanismos de reparo de DNA que desfazem parte dos dímeros.
A melanina, o pigmento escuro da pele, pode impedir a formação dos dímeros. O que os pesquisadores viram nesse estudo foi um caminho bioquímico novo que leva a um efeito oposto, fazendo a melanina formar dímeros, prejudiciais ao DNA.
Os pesquisadores observaram que a melanina poderia induzir a formação de dímeros de pirimidina (timina e citosina) por pelo menos três horas após a exposição direta à radiação ultravioleta do sol, desse modo reduzindo a eficácia dos mecanismos de reparo da molécula de DNA e facilitando a propagação de mutações genéticas prejudiciais.
Segundo Bechara, a melanina da pele se fragmenta e gera um composto químico muito reativo, uma cetona triplete (com dois elétrons desemparelhados). Esse composto transfere energia para o DNA, formando os dímeros. Nesse experimento, os pesquisadores verificaram que os dímeros de pirimidina formados na ausência de luz formam a maioria dos dímeros responsáveis pela destruição do DNA.
Esse tipo de fenômeno é chamado de fotoquímica no escuro e, enfatiza Bechara, havia sido proposto na década de 1970 por Emil White, da Universidade Johns Hopkins, e por Giuseppe Cilento, do Instituto de Química da USP.
“A fotoquímica no escuro amplia as reações lesivas ao DNA iniciadas pela radiação ultravioleta”, diz ele. Segundo o pesquisador, esse tipo de reação tem sido identificado em fenômenos biológicos, mediados por compostos químicos de alta energia, em raízes de plantas e órgãos de animais, como o fígado.
A melanina pode também reagir com a luz visível, absorvendo e depois transferindo parte de sua energia para moléculas de oxigênio, gerando formas altamente reativas, o chamado oxigênio singlete. O oxigênio excitado pode reagir como reage com moléculas como o DNA, danificando-as, conforme estudo recente de pesquisadores de São Paulo e do Paraná.
Revista Pesquisa FAPESP