O dispositivo, criado durante um projeto de mestrado da estudante Alessandra Figueiredo e de um pós-doutorado realizado por Nirton Cristi Silva Vieira com Bolsa da FAPESP, no âmbito do Instituto Nacional de Eletrônica Orgânica (INEO) – um dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs) financiados pela FAPESP e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) –, foi descrito em um artigo publicado na revista Scientific Reports, do grupo Nature.
“O biossensor é capaz de diagnosticar dengue com maior rapidez, menor custo e facilidade do que os testes laboratoriais existentes hoje”, disse Vieira, pós-doutorando no IFSC-USP e um dos autores do projeto, à Agência FAPESP.
A tecnologia do biossensor é baseada na detecção elétrica da proteína não-estrutural NS1. Esse tipo de proteína é secretado pelos quatro tipos de vírus da dengue (DEN1, DEN2, DEN3 e DEN4) e encontrado em concentrações detectáveis no sangue de pessoas tanto com infecção primária (que contraíram a doença pela primeira vez) quanto secundária (a partir da segunda vez), do segundo até o nono dia após o início da doença. Por isso, é considerada um excelente biomarcador de infecção pelo vírus da dengue, de acordo com Vieira.
“A vantagem de utilizar a proteína NS1 para detectar dengue é que é possível diagnosticar a doença mais precocemente, já no segundo ou terceiro dia após a infecção, uma vez que os sintomas da dengue só começam a aparecer, em média, a partir do sexto dia após a picada do mosquito”, disse o pesquisador.
Uma das formas usadas para detectar a proteína NS1 do vírus da dengue é por meio de anticorpos como a imunoglobulina G (IgG), obtidos por meio da fusão de linfócitos B provenientes do baço de animais imunizados com células de mieloma (linhagem tumoral de linfócitos B) ou extraídas do sangue de mamíferos inoculados com NS1.
O problema, contudo, é que o custo desse processo de fusão de linfócitos B é muito alto. Já a quantidade de anticorpos obtida por meio do sangue de mamíferos inoculados com NS1 é muito pequena, ressalvou Vieira. “O rendimento desse processo é muito baixo”, disse.
A fim de aumentar a produção de anticorpos da proteína NS1, a empresa DNApta Biotecnologia desenvolveu uma técnica na qual são produzidas em bactérias Escherichia coli (E. Coli) proteínas recombinantes (feitas artificialmente, a partir de genes clonados) de NS1 dos quatro tipos de vírus da dengue, que são inoculadas em galinhas poedeiras.
Com isso, ela consegue obter, da gema dos ovos das galinhas inoculadas com proteínas recombinantes NS1, grandes quantidades de imunoglobulina do tipo IgY – alternativa à imunoglobulina IgG, obtida a partir do sangue de mamíferos.
“As galinhas são grandes produtoras de anticorpos. Conseguimos obter uma quantidade muito grande de IgY da gema do ovo de poedeiras inoculadas com NS1”, contou Sérgio Moraes Aoki, diretor científico da DNApta.
A empresa forneceu proteínas recombinantes de dengue NS1 e imunoglobulina IgY da gema de ovo para os pesquisadores do IFSC-USP desenvolverem o biossensor de dengue e divide com a Agência USP de Inovação a patente do dispositivo.
“Foi a primeira vez que se utilizou imunoglobulina IgY de galinha como elemento de reconhecimento biológico em um biossensor voltado ao reconhecimento da proteína NS1”, disse Aoki.
Composição do sensor
O biossensor desenvolvido pelo grupo de pesquisadores é composto por um eletrodo de ouro em escala nanométrica (da bilionésima parte do metro) com uma amostra de imunoglobulina IgY imobilizada sobre ele e um eletrodo de referência com potencial elétrico constante.
Ao entrar em contato com a proteína NS1, o potencial elétrico do eletrodo com a imunoglobulina IgY imobilizada muda em relação ao do eletrodo de referência, em razão da ligação da proteína com o anticorpo, produzindo um sinal elétrico.
Um software “lê” esse sinal elétrico e indica em, no máximo, 30 minutos o resultado da análise, que pode ser acessado em tempo real pelo celular ou notebook.
“Quanto maior for a concentração da proteína NS1 em contato com o eletrodo com a imunoglobulina IgY imobilizada, maior também será a diferença do potencial elétrico”, explicou Vieira.
A fim de avaliar a eficácia do biossensor, os pesquisadores realizaram testes com amostras da proteína NS1 em concentrações que variaram de 0,01 a 10 microgramas por mililitro (μg.mL) – a faixa limite de concentração de NS1 encontrada no sangue de pacientes diagnosticados com dengue.
Os resultados dos testes indicaram que o dispositivo foi capaz de detectar a presença da proteína NS1 em uma concentração mínima de 0,09 μg.mL.
“A média de concentração da proteína NS1 no sangue de pessoas infectadas pelo vírus da dengue é de 2 microgramas por mililitro. O biossensor conseguiu detectar concentrações muito menores do que essa”, disse Vieira.
Os pesquisadores obtiveram a aprovação inicial do comitê de ética da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) para realizar, nos próximos meses, após aprovação final, testes do biossensor diretamente em amostras de sangue de pessoas infectadas com o vírus da dengue.
“Já chegamos a desenvolver um protótipo do sensor”, disse Vieira. “A vantagem é que a imunoglobulina IgY obtida de gema de ovo usada nele é muito barata em comparação com outros anticorpos. Por isso, o dispositivo poderia ser produzido em larga escala.”
Novos biossensores
Além do biossensor para dengue, desenvolvido em parceria com o grupo de pesquisadores do IFSC-USP, a empresa DNApta pretende desenvolver por meio do projeto “Desenvolvimento de biossensores eletroquímicos para detecção da proteína NS1 do vírus da dengue” , realizado com apoio do Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE) da FAPESP, novos biossensores para detecção da proteína NS1 do vírus da dengue baseados em outras plataformas tecnológicas.
“Agora, nossa ideia é desenvolver biossensores eletroquímicos com imunoglobulina IgY obtida da gema de ovo de galinhas poedeiras inoculadas com a proteína NS1 em eletrodos de carbono”, contou Aoki.
A meta da empresa é desenvolver dispositivos portáteis de detecção de dengue semelhantes aos medidores de glicemia utilizados pelos diabéticos, que possam ser acoplados a dispositivos de comunicação móveis, como um aparelho de celular ou um notebook, e transmitir os dados, em tempo real, para uma central. Desse modo, poderá ser feito um monitoramento epidemiológico da doença, indicou Aoki.
“Pretendemos estender essa ideia para detectar outras doenças, além da dengue”, disse Aoki.
De acordo com os pesquisadores, os testes de diagnóstico de dengue mais empregados hoje não são eficazes para detectar a doença principalmente nos primeiros dias de infecção, quando os sintomas são comumente confundidos com outras doenças infecciosas.
O hemograma, o teste de velocidade de hemossedimentação (VHS) e a contagem de plaquetas, por exemplo, são insuficientes para confirmar o diagnóstico de dengue.
Já os exames mais comuns realizados nos postos de saúde, baseados na detecção sorológica de anticorpos do tipo IgG e IgM, só podem ser realizados a partir do sexto dia da infecção, uma vez que o corpo humano produz anticorpos específicos que combatem a NS1 após o quinto dia de infecção.
Por outro lado, os métodos moleculares para detectar dengue baseados na detecção da proteína NS1 já existentes no mercado, como o ELISA e o de Reação em Cadeia de Polimerase (PCR), ainda são caros, feitos em muitas etapas e requerem pessoas treinadas para realizá-los, apontam os pesquisadores.
“Estimamos que o tipo de teste de dengue que estamos desenvolvendo terá algumas vantagens em relação aos testes convencionais da doença realizados hoje”, afirmou Aoki.
Resultados da pesquisa foram descritos no artigo Electrical detection of dengue biomarker using egg yolk immunoglobulin as the biological recognition element (doi: 10.1038/srep07865), de Figueiredo e outros, que pode ser lido, na revista Scientific Reports, em http://www.nature.com/srep/2015/150119/srep07865/full/srep07865.html.
Agência FAPESP