O evento ocorreu no âmbito do programa Escola São Paulo de Ciência Avançada (ESPCA), da FAPESP, que oferece recursos para a organização de cursos de curta duração em temas avançados de ciência e tecnologia no Estado de São Paulo.
A base da informação processada pelos computadores largamente utilizados é o bit, a menor unidade de dados que pode ser armazenada ou transmitida. Já os computadores quânticos trabalham com qubits, que seguem os parâmetros da mecânica quântica, ramo da Física que trata das dimensões próximas ou abaixo da escala atômica. Por conta disso, esses equipamentos podem realizar simultaneamente uma quantidade muito maior de cálculos.
“Esse entendimento quântico da informação atribui toda uma complexidade à sua codificação. Mas, ao mesmo tempo em que análises complexas, que levariam décadas, séculos ou até milhares de anos para serem feitas em computadores comuns, poderiam ser executadas em minutos por computadores quânticos, também essa tecnologia ameaçaria o sigilo de informações que não foram devidamente protegidas contra esse tipo de novidade”, disse Sueli Irene Rodrigues Costa, professora do IMECC, à Agência FAPESP.
A maior ameaça dos computadores quânticos à criptografia atual está na sua capacidade de quebrar os códigos usados na proteção de informações importantes, como as de cartão de crédito. Para evitar esse tipo de risco é preciso desenvolver também sistemas criptográficos visando segurança, considerando a capacidade da computação quântica.
“A teoria da informação e a codificação precisam estar um passo à frente do uso comercial da computação quântica”, disse Rodrigues Costa, que coordena o Projeto Temático “Segurança e confiabilidade da informação: teoria e prática”, apoiado pela FAPESP.
“Trata-se de uma criptografia pós-quântica. Como já foi demonstrado no final dos anos 1990, os procedimentos criptográficos atuais não sobreviverão aos computadores quânticos por não serem tão seguros. E essa urgência pelo desenvolvimento de soluções preparadas para a capacidade da computação quântica também impulsiona a teoria da informação a avançar cada vez mais em diversas direções”, disse.
Algumas dessas soluções foram tratadas ao longo da programação da SPCoding School, muitas delas visando sistemas mais eficientes para a aplicação na computação clássica, como o uso de códigos corretores de erros e de reticulados para criptografia. Para Rodrigues Costa, a escalada da teoria da informação em paralelo ao desenvolvimento da computação quântica provocará revoluções em várias áreas do conhecimento.
“A exemplo das múltiplas aplicações da teoria da informação na atualidade, a codificação quântica também elevaria diversas áreas da ciência a novos patamares por possibilitar simulações computacionais ainda mais precisas do mundo físico, lidando com uma quantidade exponencialmente maior de variáveis em comparação aos computadores clássicos”, disse Rodrigues Costa.
A teoria da informação envolve a quantificação da informação e envolve áreas como matemática, engenharia elétrica e ciência da computação. Teve como pioneiro o norte-americano Claude Shannon (1916-2001), que foi o primeiro a considerar a comunicação como um problema matemático.
Revoluções em curso
Enquanto se prepara para os computadores quânticos, a teoria da informação promove grandes modificações na codificação e na transmissão de informações. Amin Shokrollahi, da École Polytechnique Fédérale de Lausanne, na Suíça, apresentou na SPCoding School novas técnicas de codificação para resolver problemas como ruídos na informação e consumo elevado de energia no processamento de dados, inclusive na comunicação chip a chip nos aparelhos.
Shokrollahi é conhecido na área por ter inventado os códigos Raptor e coinventado os códigos Tornado, utilizados em padrões de transmissão móveis de informação, com implementações em sistemas sem fio, satélites e no método de transmissão de sinais televisivos IPTV, que usa o protocolo de internet (IP, na sigla em inglês) para transmitir conteúdo.
“O crescimento do volume de dados digitais e a necessidade de uma comunicação cada vez mais rápida aumentam a susceptibilidade a vários tipos de ruído e o consumo de energia. É preciso buscar novas soluções nesse cenário”, disse.
Shokrollahi também apresentou inovações desenvolvidas na empresa suíça Kandou Bus, da qual é diretor de pesquisa. “Utilizamos algoritmos especiais para codificar os sinais, que são todos transferidos simultaneamente até que um decodificador recupere os sinais originais. Tudo isso é feito evitando que fios vizinhos interfiram entre si, gerando um nível de ruído significativamente menor. Os sistemas também reduzem o tamanho dos chips, aumentam a velocidade de transmissão e diminuem o consumo de energia”, explicou.
De acordo com Rodrigues Costa, soluções semelhantes também estão sendo desenvolvidas em diversas tecnologias largamente utilizadas pela sociedade.
“Os celulares, por exemplo, tiveram um grande aumento de capacidade de processamento e em versatilidade, mas uma das queixas mais frequentes entre os usuários é de que a bateria não dura. Uma das estratégias é descobrir meios de codificar de maneira mais eficiente para economizar energia”, disse.
Aplicações biológicas
Não são só problemas de natureza tecnológica que podem ser abordados ou solucionados por meio da teoria da informação. Professor na City University of New York, nos Estados Unidos, Vinay Vaishampayan coordenou na SPCoding School o painel “Information Theory, Coding Theory and the Real World”, que tratou de diversas aplicações dos códigos na sociedade – entre elas, as biológicas.
“Não existe apenas uma teoria da informação e suas abordagens, entre computacionais e probabilísticas, podem ser aplicadas a praticamente todas as áreas do conhecimento. Nós tratamos no painel das muitas possibilidades de pesquisa à disposição de quem tem interesse em estudar essas interfaces dos códigos com o mundo real”, disse à Agência FAPESP.
Vaishampayan destacou a Biologia como área de grande potencial nesse cenário. “A neurociência apresenta questionamentos importantes que podem ser respondidos com a ajuda da teoria da informação. Ainda não sabemos em profundidade como os neurônios se comunicam entre si, como o cérebro funciona em sua plenitude e as redes neurais são um campo de estudo muito rico também do ponto de vista matemático, assim como a Biologia Molecular”, disse.
Isso porque, de acordo com Max Costa, professor da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação da Unicamp e um dos palestrantes, os seres vivos também são feitos de informação.
“Somos codificados por meio do DNA das nossas células. Descobrir o segredo desse código, o mecanismo que há por trás dos mapeamentos que são feitos e registrados nesse contexto, é um problema de enorme interesse para a compreensão mais profunda do processo da vida”, disse.
Para Marcelo Firer, professor do Imecc e coordenador da SPCoding School, o evento proporcionou a estudantes e pesquisadores de diversos campos novas possibilidades de pesquisa.
“Os participantes compartilharam oportunidades de engajamento em torno dessas e muitas outras aplicações da Teoria da Informação e da Codificação. Foram oferecidos desde cursos introdutórios, destinados a estudantes com formação matemática consistente, mas não necessariamente familiarizados com codificação, a cursos de maior complexidade, além de palestras e painéis de discussão”, disse Firer, membro da coordenação da área de Ciência e Engenharia da Computação da FAPESP.
Participaram do evento cerca de 120 estudantes de 70 universidades e 25 países. Entre os palestrantes estrangeiros estiveram pesquisadores do California Institute of Technology (Caltech), da Maryland University e da Princeton University, nos Estados Unidos; da Chinese University of Hong Kong, na China; da Nanyang Technological University, em Cingapura; da Technische Universiteit Eindhoven, na Holanda; da Universidade do Porto, em Portugal; e da Tel Aviv University, em Israel.
Mais informações em www.ime.unicamp.br/spcodingschool.
Agência FAPESP