A constatação é de um estudo realizado por pesquisadores do Instituto de Psiquiatria (IPq) da Universidade de São Paulo (USP) e evidencia os riscos a que boa parte da população se expõe ao exceder os níveis considerados moderados de consumo de álcool.
Foram analisados dados de entrevistas com 5.037 homens e mulheres maiores de 18 anos que vivem nos 39 municípios da Grande São Paulo, feitas para o São Paulo Megacity Mental Health Survey, levantamento realizado com o apoio da FAPESP para integrar a Pesquisa Mundial sobre Saúde Mental da Organização Mundial da Saúde (OMS).
As análises foram feitas no âmbito da pesquisa Identificação dos diferentes subgrupos de usuários de álcool e fatores associados na região metropolitana de São Paulo: diferenças entre gêneros, dados sociodemográficos e comorbidades psiquiátricas, conduzida, também com apoio da FAPESP, por Laura Helena Silveira Guerra de Andrade, coordenadora do Núcleo de Epidemiologia Psiquiátrica do IPq.
O objetivo, de acordo com Andrade, foi aprofundar o conhecimento sobre os usuários de álcool na região para direcionar políticas públicas relacionadas aos prejuízos do consumo excessivo.
“Há uma série de comorbidades ligadas ao consumo de bebidas alcoólicas, como ansiedade, depressão, mortalidade por doenças cardíacas e câncer, e para que as medidas públicas de prevenção e controle do problema sejam eficientes é necessária uma profunda compreensão sobre quais fatores sociodemográficos estão associados”, disse à Agência FAPESP.
Os pesquisadores identificaram que, dos indivíduos considerados usuários regulares de álcool, que consomem pelo menos uma dose por mês, 20% bebem pesado e com frequência – mais que três vezes por mês. Apenas 9% bebem pesado e de forma episódica.
“Considerar a frequência é importante porque quanto mais vezes se bebe pesado, mais se está exposto aos riscos relacionados a esse padrão de consumo”, alertou Andrade.
Mulheres
No caso das mulheres os riscos são ainda maiores, alertam os pesquisadores. “A grande surpresa foi constatar que as mulheres bebem pesado tanto quanto os homens”, disse Camila Magalhães Silveira, também do Núcleo de Epidemiologia Psiquiátrica.
Entre aqueles que consomem álcool regularmente, a porcentagem de homens e mulheres que bebem pesado e de forma episódica é a mesma: 9%.
“A diferença entre os gêneros aparece entre os que bebem pesado com frequência, mas, ainda assim, muito pequena: 22% dos homens e 16% das mulheres. Ambos bebem, igualmente, numa frequência de duas vezes por semana, em média, e de seis a sete doses por ocasião”, contou Silveira.
Para a pesquisadora, os dados revelam uma mudança na relação da mulher com a bebida. “Trata-se de uma realidade mais recente, decorrente da maior aceitação do consumo de álcool entre as mulheres. O aumento da renda da mulher e a redefinição dos seus papéis na sociedade também diminuíram o preconceito, num fenômeno de convergência do beber entre os gêneros.”
Outro agravante do hábito de beber pesado entre as mulheres diz respeito à faixa etária, muito mais ampla se comparada à dos homens que bebem com a mesma intensidade – os usuários do sexo masculino que bebem de forma pesada têm entre 18 e 34 anos, enquanto a idade das mulheres com o mesmo padrão de consumo vai até os 54 anos.
“Isso é um agravante porque expõe mulheres de várias idades aos prejuízos do consumo excessivo enquanto o entendimento da sociedade e das políticas públicas é de que o álcool é um problema da juventude”, disse.
De acordo com Silveira, as mulheres são mais vulneráveis aos riscos do consumo excessivo porque seu corpo tem mais dificuldade em metabolizar o álcool, com menos enzimas que atuam nesse processo, menos líquido corporal e musculatura que os homens, entre outros fatores. “O hábito de beber pode ser mais danoso às mulheres e esse entendimento pode auxiliar no cuidado com a saúde e o bem-estar feminino”, disse.
A pesquisa identificou também que o beber pesado episódico está mais associado a mulheres desempregadas ou trabalhando e menos a donas de casa ou aposentadas. As chances de uma mulher desempregada beber pesado são duas vezes maiores.
Privação social
Além de fatores como gênero e idade, a pesquisa considerou a região de residência dos consumidores de álcool para identificar padrões sociodemográficos no consumo. Para isso foi traçado, em parceria com o Centro de Estudos da Metrópole (CEM), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) da FAPESP, um mapa de índices de privação social.
O mapa combina indicadores de privação socioeconômica – renda, nível educacional, tamanho da família e porcentagem de famílias chefiadas por mulher com baixo nível educacional– com a estrutura etária da população.
Foram identificados três grandes grupos de regiões, divididas entre aquelas com pouca ou nenhuma privação social, formadas por bairros com melhores condições de renda e nível educacional e poucas crianças ou jovens na família; as de média privação social, com adultos detentores de renda abaixo da média, muitas crianças e alta mortalidade entre adolescentes; e as de alta privação social, com baixíssima renda e mulheres muito jovens e de baixo nível educacional à frente da família.
De acordo com Silveira, os padrões de beber pesado ocorrem majoritariamente nas áreas de maior privação social. “Indivíduos que residem em bairros mais desfavorecidos, com maior exclusão e privação social, podem estar mais expostos a estresse, dispor de menos recursos de enfrentamento e ter menos opções de lazer em uma região de maior densidade de bares, poderiam ser mais propensos ao consumo pesado do álcool e consequentemente ao abuso e à dependência”, disse.
Considerando-se a renda, a maior concentração de indivíduos que fazem uso pesado de álcool está entre aqueles cuja família ganha menos de US$ 3.918 por ano, cerca de R$ 853 por mês.
“Isso evidencia ainda mais a forte relação do consumo abusivo de álcool com as condições socioeconômicas dos indivíduos – quanto mais limitantes, maiores as chances de exposição aos riscos do consumo excessivo de álcool”, afirmou Silveira.
Parte dos resultados do estudo foi publicada em artigo na revista PLoS One, disponível em journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0108355.
Agência FAPESP