Em alguns pacientes, porém, a tontura persiste mesmo após a doença labiríntica de base ter sido compensada e sem qualquer outro motivo aparente. Uma nova pesquisa feita na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) sugere que a explicação para esses casos pode ser a atividade exacerbada de partes do sistema nervoso central relacionadas com ansiedade e medo.
“Exames de ressonância magnética funcional indicam haver uma diferença fisiológica no cérebro desses pacientes. Embora as estruturas cerebrais sejam idênticas às do grupo controle, as vias relacionadas com ansiedade e medo ficam mais ativas que o normal quando submetidas a determinados estímulos”, contou Roseli Saraiva Moreira Bittar, docente da FMUSP e coordenadora da pesquisa apoiada pela FAPESP.
Conforme explicou Bittar, nesses casos hoje classificados como tontura postural e perceptual persistente (TPPP), a doença labiríntica funciona como um gatilho para um distúrbio do equilíbrio impossível de ser diagnosticado e tratado pelos métodos convencionais.
“Depois que esse gatilho é acionado, a doença entra em moto-contínuo. Qualquer estímulo, seja motor, emocional ou situacional, pode ativar as vias de ansiedade e medo e causar tontura. Esse paciente sente-se tonto quando está em pé, sentado ou deitado. Sente que está flutuando ou que vai cair. Nunca está bem e não melhora sem um tratamento psiquiátrico específico”, disse Bittar.
Desvendando o cérebro
A pesquisa ainda está em andamento no Hospital das Clínicas da FMUSP e conta com a participação do neurorradiologista Edson Amaro Junior e da pós-graduanda Eliane Von Sohsten. Também colabora o psiquiatra Jeffrey Staab, membro da Mayo Clinic, nos Estados Unidos.
Atualmente, os cientistas estão comparando mais detalhadamente os exames de ressonância magnética funcional de portadores de TPPP com os de pacientes que se curaram da tontura após o tratamento (grupo controle) para descobrir o que exatamente funciona de forma diferente no cérebro.
A mostra inclui 16 mulheres entre 18 e 60 anos em cada grupo. Segundo explicou Bittar, foram selecionadas apenas destras, para que o funcionamento do cérebro de todas as voluntárias pudesse ser mais facilmente comparado.
Foram excluídas portadoras de outras doenças que poderiam afetar a funcionalidade do labirinto, como diabetes, hipertensão e distúrbios de tireoide. Também foram excluídas as voluntárias cujos exames de ressonância revelaram alterações na estrutura cerebral.
As voluntárias foram submetidas a uma série de exames para comprovar que a doença labiríntica de base estava de fato controlada, além de testes para avaliar o perfil de equilíbrio e questionários psiquiátricos usados no diagnóstico dos transtornos de ansiedade e depressão.
Um dos estudos já concluídos, que incluiu uma mostra de 81 voluntários (ambos os sexos) e foi publicado no Brazilian Journal of Otorhinolaryngology, revelou que os portadores de TPPP apresentam um perfil considerado limítrofe para ansiedade e depressão.
“Embora eles não possam ser considerados doentes psiquiátricos, são muito mais sensíveis do que os pacientes do grupo controle. Apresentam um escore até seis vezes mais alto nos questionários”, contou Bittar.
Outro estudo em colaboração com Staab, que deve ser publicado em breve, indicou que portadores de TPPP têm um perfil de equilíbrio diferente em relação ao grupo controle. Segundo Bittar, mesmo em situações tranquilas do cotidiano, as mulheres avaliadas apresentaram um nível de tensão muscular exagerado.
“Andam sobre o solo como se estivessem caminhando sobre uma viga estreita de salto alto. Mas reagem da mesma forma que o grupo controle em uma situação de real perigo de queda”, disse a pesquisadora.
Embora ainda preliminares, os resultados da pesquisa já estão, segundo Bittar, promovendo uma importante mudança no tratamento de TPPP.
“O grande mérito foi promover a integração das áreas de otoneurologia e psiquiatria. Antes, nenhuma das duas especialidades sabia ao certo qual encaminhamento dar a esses casos. Os pacientes eram muitas vezes tratados com antidepressivos, mas apenas metade respondia. Hoje, posso dizer que mais de 90% de meus pacientes estão bem”, disse Bittar.
Agência FAPESP