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A comunidade de pesquisa em Astrofísica de Partículas na América do Sul espera receber nos próximos anos importantes reforços de infraestrutura para a realização de experimentos nessa área interdisciplinar, voltada a estudar raios cósmicos de ultra-alta energia – as partículas subatômicas mais energéticas conhecidas na atualidade, de origem ainda incerta. O maior observatório de raios cósmicos do mundo, o Observatório Pierre Auger – instalado na província de Mendoza, na Argentina, e com participação do Brasil financiada pela FAPESP e por outras agências de fomento –, deve passar por um programa de atualização até 2018.
Já em 2015 também será feita a escolha do país-sede, no hemisfério Sul, do Cherenkov Telescope Array (CTA) – que deverá ser o maior observatório do mundo dedicado ao estudo de corpos celestes que emitem radiação gama, de mais alta energia.

Além disso, está sendo discutida a construção do Agua Negra Deep-Underground Experiments Site (Andes) – o primeiro laboratório subterrâneo da América Latina, projetado para ser construído anexo a um túnel previsto para ser escavado na fronteira andina entre Argentina e Chile, para realização de experimentos em diversas áreas, incluindo a Astrofísica de Partículas.

“A comunidade de Astrofísica de Partículas na América do Sul está passando atualmente por uma fase muito importante e excitante em razão da expectativa de concretização desses projetos”, disse Luiz Vitor de Souza Filho, professor do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da Universidade de São Paulo (USP), à Agência FAPESP.

A fim de discutir as perspectivas desses projetos de infraestrutura para a área na América do Sul, Souza Filho e um grupo de cem pesquisadores de diversos países reuniram-se em novembro no Instituto de Física da USP, durante o 3rd Astroparticle Physics Workshop: The future in South America.

“O objetivo do evento foi reunir a comunidade internacional de pesquisadores em Astrofísica de Partículas para começarmos a planejar o futuro dos experimentos na área de uma forma mais organizada”, disse Souza Filho, que foi um dos organizadores do encontro.

“O momento é propício para tentarmos criar um plano de investimentos e de pesquisa, levando em conta questões científicas importantes que podemos responder com a construção desses projetos”, afirmou.

Plano de atualização

Entre essas questões, segundo o professor, estão a origem dos raios cósmicos de ultra-alta energia e o tipo de partículas subatômicas que chegam à Terra com energias macroscópicas da ordem de 10 elevado a 18 (um bilhão de bilhões) elétron-volts (eV).

O Observatório Pierre Auger permitiu observar nos últimos 10 anos dezenas de raios cósmicos acima de 10 elevado a 20 eV e foi muito bem-sucedido nesse propósito, avaliaram os pesquisadores presentes no encontro.

Os resultados obtidos pela colaboração Auger, porém, ainda não permitem identificar totalmente as fontes desses raios cósmicos de energia ultra-alta.

“Medimos várias propriedades dos raios cósmicos, mas ainda não conseguimos localizar a fonte ou fontes deles. E não sabemos exatamente se as partículas que chegam à Terra são puramente prótons ou núcleos atômicos mais pesados, ou ainda uma mistura deles”, afirmou.

De acordo com pesquisadores da área, um dos desafios para identificar a fonte e a composição dessas partículas vindas do espaço é que elas são medidas de forma indireta.

Quando uma partícula cósmica ultraenergética atinge a atmosfera terrestre, ela colide com um núcleo do ar, produzindo novas partículas que, por sua vez, também colidem e interagem, em um efeito multiplicativo em cascata, formando um chuveiro atmosférico extenso, constituído de um bilhão de partículas ou mais.

O Observatório Auger estuda os raios cósmicos ultraenergéticos que chegam até a Terra medindo esses chuveiros atmosféricos extensos produzidos por eles na atmosfera.

A expectativa é que o programa de atualização pelo qual o Observatório Auger deve passar permita responder a essas questões ao melhorar consideravelmente a resolução dos detectores de partículas do observatório.

“A atualização permitirá a medição de diferentes tipos de partículas e com maior precisão”, estimou Souza Filho.

Atualmente, várias propostas de atualização do Observatório Auger estão sendo avaliadas internamente por um comitê de físicos. Todas elas têm como foco melhorar a resolução da composição dos raios cósmicos.

Cada uma das várias propostas envolve uma técnica diferente para a identificação de múons – partículas subatômicas ultraenergéticas presentes nos chuveiros atmosféricos – e requer combinações diferentes de novos produtos eletrônicos, novos detectores e modificações internas nos 1,6 mil detectores do observatório.

Espalhados por uma área de 3 mil km2, em uma região plana ao lado dos Andes, os detectores são tanques de polietileno, preenchidos com 12 mil litros de água purificada e instrumentalizados com sensores fotomultiplicadores.

Quando as partículas de um chuveiro atmosférico atravessam a água no interior do tanque é emitida luz que pode ser medida nos sensores.

Antenas acopladas ao tanque transmitem os dados via rádio para a sede do observatório em Malargüe, na Argentina, de onde são enviados para análise de cerca de 450 pesquisadores em outros pontos do mundo.

As propostas de atualização do observatório preveem a adição de novos detectores de múons nos chuveiros identificados. Para isso, seriam necessárias mudanças em todos os detectores existentes, a um custo estimado de US$ 15 milhões.

Para avaliar se realmente funcionam, estão sendo testados protótipos dos sistemas de detecção de múons propostos.

“No início de 2015, uma das propostas deverá ser escolhida. Esperamos que seja possível instalar em breve os novos detectores e operá-los até, no mínimo, 2023”, disse à Agência FAPESPCarola Dobrigkeit Chinellato, professora do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e que preside a Comissão de Publicações do Pierre Auger.

A professora também participou, como representante da FAPESP, de um encontro da Comissão de Finanças do Observatório Auger, que reuniu as agências de fomento dos 18 países membros da Colaboração para a prestação de contas anual. A reunião ocorreu no dia 15 de novembro na sede da FAPESP, em São Paulo.

CTA

No início de 2015 também será escolhido o país-sede no hemisfério Sul do CTA – consórcio internacional formado por 28 países, entre eles o Brasil – que pretende construir, até 2020, o maior observatório astronômico do mundo dedicado ao estudo de objetos astrofísicos que emitem raios gama.

O observatório contará com cerca de 100 telescópios que serão instalados em dois lugares distintos, um no hemisfério Sul e outro no Norte.

No hemisfério Sul, os países candidatos a sediar o observatório são o Chile e a Argentina, na América Latina, e a Namíbia, na África, disse Souza Filho, um dos pesquisadores brasileiros participantes do projeto (leia mais em http://agencia.fapesp.br/maior_observatorio_de_astronomia_gama_tera_participacao_brasileira/16674/).

Segundo ele, a ideia inicial é construir um conjunto de sete telescópios – que formarão um arranjo embrionário do observatório, denominado CTA Mini-Array – em torno do qual o restante do observatório será posteriormente construído.

Dos sete primeiros telescópios três serão construídos pelo Brasil no âmbito de um Projeto Temático apoiado pela FAPESP.

O primeiro deles entrou em fase de testes em Catania, na Itália, no fim de setembro (leia mais em http://revistapesquisa.fapesp.br/2014/10/07/prototipo-de-telescopio-para-observacao-de-raios-gama-sera-testado-na-italia/).

“A meta é testar inicialmente esse pequeno conjunto de telescópios, obter os primeiros dados científicos e, a partir disso, avançar até atingir uma centena de telescópios”, disse Souza Filho.

Durante o workshop na USP, Werner Hofmann, porta-voz do projeto e pesquisador do Max-Plack-Institut für Kernphysik, na Alemanha, disse que dificilmente o CTA deixará de vir para a América do Sul.

Projeto Andes

Outra iniciativa de pesquisa em Astrofísica de Partículas na América do Sul em discussão é a construção do laboratório subterrâneo profundo Andes.

A ideia da comunidade de pesquisa é fazê-lo anexo a um túnel de 14 quilômetros de extensão que Argentina e Chile pretendem escavar sob a Cordilheira dos Andes, para facilitar o acesso dos países da América do Sul ao Oceano Pacífico e, dessa forma, exportar mais facilmente para a Ásia.

O projeto do laboratório subterrâneo prevê a instalação de diversos equipamentos para estudos em diferentes áreas, como de um grande detector capaz de identificar neutrinos de baixa energia e geoneutrinos – neutrinos produzidos pela decomposição de produtos radioativos na Terra, como potássio, urânio e tório, que se estima tenham grande relevância no balanço de calor da Terra.

O túnel seria o lugar propício para a medição dessas partículas, avaliam os pesquisadores da área.

“O Andes possibilitaria a realização de experimentos, em diferentes áreas, que necessitam de baixo nível de radiação, como medições de matéria escura e de neutrino”, explicou Souza Filho.

Até o momento, apenas Argentina, Brasil, México e Chile têm se empenhado no projeto, que busca adesão de outros países.

Agência FAPESP