“Observamos em estudos in vitro que, quando a expressão do microRNA-146b aumenta, as células tumorais apresentam maior capacidade de migração. Já quando a expressão desse microRNA é inibida, as células parecem ter mais dificuldade para sair do lugar”, disse a professora Marinilce Fagundes dos Santos, do ICB-USP, pesquisadora responsável pelo projeto.
A pesquisadora apresentou dados preliminares da pesquisa na 29ª Reunião Anual da Federação de Sociedades de Biologia Experimental (FeSBE), realizada em agosto em Caxambu (MG).
Como o nome sugere, os microRNAs são pequenos pedaços de RNA que, embora não contenham informações para a produção de proteínas, têm um importante papel regulatório no genoma, explicou a pesquisadora.
“O RNA mensageiro é produzido no núcleo celular e segue para o citoplasma onde vai transcrever a proteína. Antes disso, porém, ele passa por um processo de edição, no qual alguns trechos são retirados. Esses trechos cortados dão origem aos microRNAs”, disse.
Durante muito tempo, os cientistas acreditaram que essas “sobras” de RNA não passavam de lixo celular, mas estudos conduzidos nos anos 1990 mostraram que elas são capazes de se ligar a diferentes RNAs mensageiros podendo, por exemplo, interromper o processo de transcrição de uma proteína. A expressão alterada de um único microRNA, portanto, pode em alguns casos ser o suficiente para mudar o comportamento celular.
“Existe uma estimativa de que 50% do genoma seja regulado por meio de microRNAs”, afirmou Santos. Estudos anteriores que compararam a expressão gênica em tecido normal de tireoide e em amostras de carcinoma papilífero revelaram que a expressão do microRNA-146b costuma estar aumentada nos casos malignos. O objetivo da pesquisa coordenada por Santos é desvendar quais processos celulares estariam sendo afetados por esse microRNA.
Para isso, o grupo do ICB usou como modelo de estudo duas linhagens comerciais de carcinoma papilífero de tireoide que superexpressam o microRNA-146b – uma delas com mutação no gene RET e, a outra, no gene BRAF.
Para avaliar in vitro a capacidade de migração das células, foi usado um sistema composto por duas câmeras – uma colocada em cima da outra, com um filtro no meio. As células foram colocadas na câmara superior e, na inferior foi colocada uma alta concentração de soro.
Em situação controle, 100% das células migram para a câmara debaixo atraídas pelo soro. Mas, quando a expressão do microRNA-146b foi inibida nas duas linhagens de carcinoma papilífero, os cientistas observaram que apenas 40% das células completaram o processo de migração em um período de 24 horas – ou seja, houve uma redução de 60% na capacidade de migração celular.
Por um método conhecido como time lapse, no qual uma sequência de fotografias é tirada com intervalos predeterminados, o grupo registrou o comportamento das células tumorais ao longo do período de estudo. Foram avaliadas a distância percorrida por cada célula, a velocidade de migração e se o movimento era feito em linha reta ou de maneira irregular.
“Observamos que, ao inibir o microRNA-146b, a célula perde a direcionalidade. É como se as pernas sem conseguir sair do lugar”, contou Santos.
O mesmo experimento foi feito com células normais de tireoide, nas quais os pesquisadores aumentaram artificialmente a expressão do microRNA-146b. Nesse caso, ocorreu o efeito contrário. O número de células capazes de migrar para a câmara inferior aumentou em mais de 100% no período estudado.
Um terceiro ensaio semelhante foi feito com as duas linhagens tumorais para avaliar a capacidade das células de invadir outro tecido. Nesse caso, foi colocado sobre o filtro que separa as duas câmaras uma substância conhecida como matrigel, composto por moléculas como colágeno e laminina para imitar a matriz extracelular.
“Para a célula tumoral conseguir invadir um novo tecido, ela precisa primeiro degradar a lâmina basal, que é simulada no experimento pelo matrigel. Ao inibir o microRNA-146b, observamos que a migração das células para a câmara inferior foi reduzida em 60%. Ou seja, o efeito com e sem o matrigel foi idêntico”, disse Santos.
De acordo com a pesquisadora, esse resultado sugere que a capacidade de degradação da lâmina basal não está sendo afetada pela superexpressão do microRNA-146b. “Nossa hipótese, portanto, é que esse microRNA esteja de alguma forma regulando o citoesqueleto – estrutura composta por fibras da proteína actina com a função de dar forma e movimento à célula”, disse Santos.
Marcador de prognóstico
Na avaliação da pesquisadora do ICB-USP, os resultados dos três experimentos sugerem que a presença de um nível elevado do microRNA-146b poderia ser um marcador de mau prognóstico para portadores de carcinoma papilífero de tireoide.
“Esse tipo de câncer não costuma ser muito agressivo, mas, em 40% dos casos, ele se comporta mal. As células começam a migrar e a invadir tecidos vizinhos, aumentando o risco de metástase. Pretendemos verificar se seria possível medir o nível desse microRNA no sangue dos pacientes e avaliar se, de fato, a superexpressão estaria relacionada a um pior prognóstico”, contou Santos.
Os pesquisadores também pretendem detalhar em novos estudos os mecanismos pelos quais o microRNA atua e descobrir quais são as proteínas afetadas por ele. Segundo Santos, esse conhecimento poderia abrir caminho para o desenvolvimento de terapias capazes de modular a expressão do microRNA-146b e dificultar os processos de migração tumoral.
Agência FAPESP