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Experimentos feitos na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) mostraram que, ao serem submetidas a uma situação de estresse crônico, células normais da pele sofrem mudanças no padrão de expressão dos genes e acabam se transformando em células de melanoma. Os mecanismos pelos quais essa modificação ocorre estão sendo investigados em uma pesquisa apoiada pela FAPESP e coordenada por Miriam Galvonas Jasiulionis, professora do Departamento de Farmacologia.
Parte dos resultados foi apresentada no dia 16 de outubro, na Alemanha, no painel de Biotecnologia, durante a programação da FAPESP Week Munich.

“A transformação é progressiva. Primeiro os melanócitos [células produtoras de melanina] adquirem características alteradas, como as encontradas em lesões pré-malignas. Depois se tornam células de melanoma não metastático, um tipo de câncer menos agressivo. E, por fim, tornam-se células de melanoma metastático”, contou Jasiulionis.

De acordo com a pesquisadora, as alterações iniciais relacionadas com a transformação parecem não ser genéticas, mas sim epigenéticas – um conjunto de processos bioquímicos disparados por estímulos ambientais que moldam o funcionamento do genoma por meio da ativação ou desativação de genes. Metaforicamente, é possível comparar o genoma ao hardware de um computador e o epigenoma ao software que faz a máquina funcionar.

“As marcas epigenéticas mais estudadas são a metilação do DNA [adição de radicais metila à molécula] e as modificações de histonas, proteínas importantes na compactação desse DNA. Esses dois mecanismos são muito importantes na regulação da expressão gênica”, explicou Jasiulionis.

Os efeitos do estresse

Dados da literatura científica mostram que fatores como inflamação crônica, fumo, hormônios e dieta podem modificar o padrão epigenético e, consequentemente, o funcionamento do genoma ao longo do tempo. No caso da pesquisa realizada na Unifesp, as alterações foram relacionadas a um aumento na produção de radicais livres de oxigênio causado pelo estresse celular.

“Nós submetemos as células a uma situação de estresse sustentado e isso elevou a produção de espécies reativas de oxigênio. Nossos dados mostram, particularmente, haver relação entre o aumento de ânion superóxido (O2.-) e mudanças no padrão de metilação do DNA”, contou Jasiulionis.

Para induzir o estresse celular, os pesquisadores revestiram as placas de cultura com uma camada de agarose, um polissacarídeo extraído de algas marinhas que impede a aderência dos melanócitos na placa.

“Normalmente, quando cultivamos melanócitos em laboratório, as células secretam determinadas proteínas para aderir às placas de plástico. Quando impedimos esse processo com a agarose, ocorre um aumento na produção de espécies reativas de oxigênio”, contou a pesquisadora.

Para mostrar que de fato havia uma relação causal entre o estresse oxidativo, as mudanças epigenéticas e o câncer, os pesquisadores trataram parte das culturas com uma substância sequestradora de ânion superóxido conhecida como Mn(III)TBAP e observaram que o processo de transformação em melanoma foi drasticamente reduzido.

“Depois que as células foram estressadas, nós fizemos uma clonagem e isolamos alguns clones para avaliar se eram ou não tumorais”, contou a pesquisadora.

Nas culturas que não foram tratadas com o sequestrador de ânion superóxido, todos os clones selecionados eram malignos. Já nas células que receberam o Mn(III)TBAP, um número muito reduzido de clones se formou e a maioria deles morreu. Entre os poucos que se mostraram viáveis para o cultivo, uma parcela ainda menor se revelou tumorigênica.

“A maioria dos clones das células tratadas com o sequestrador morreu. Acreditamos que isso tenha acontecido porque o aumento das espécies reativas de oxigênio é importante para manter as células vivas em uma situação estressante”, explicou Jasiulionis.

Os resultados do experimento foram divulgados em artigo publicado na revista PLoS One.

No momento, o grupo realiza experimentos semelhantes com astrócitos humanos – células do sistema nervoso central que, ao se tornarem malignas, dão origem a um tumor conhecido como glioblastoma. Pretendem ainda estudar a transformação dos queratinócitos, também da pele, em carcinoma.

“Nosso objetivo é entender até que ponto o estresse celular é capaz de contribuir para a transformação maligna de vários tipos celulares, além do melanócito. Esse conhecimento poderá, no futuro, ajudar a identificar novos alvos terapêuticos contra o câncer”, avaliou a pesquisadora.

De acordo com Jasiulionis, o estudo poderá também trazer informações relevantes sobre a relação entre condições que resultam na produção aumentada de espécies reativas de oxigênio e o desenvolvimento de doenças, como o câncer.

Biotecnologia

O papel das espécies reativas de oxigênio (ROS, na sigla em inglês) na indução da morte celular e no desenvolvimento de doenças também foi tema da palestra de Marcus Conrad, pesquisador do Helmholtz Zentrum München, da Alemanha.

O cientista apresentou um projeto intitulado ROScue Therapeutics, cujo objetivo é identificar drogas capazes de prevenir a morte celular e, consequentemente, a falência dos órgãos relacionados.

Em seguida, o professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Ribeirão Preto Raghuvir Krishnaswamy Arni falou sobre as atividades que estão sendo realizadas no Centro Multiusuário de Inovação Biomolecular (CMIB), criado com apoio da FAPESP.

Com auxílio de técnicas de biologia estrutural e biologia molecular, o grupo liderado por Arni tem se dedicado a estudar proteínas secretadas por bactéria e vírus com o objetivo de descobrir formas de inibir a ação patogênica e orientar o processo de desenvolvimento de novas drogas. O centro também estuda proteínas presentes em toxinas de animais como cobras, aranhas, vermes, entre outros.

Arni destacou ainda as colaborações que já mantém com centros da Alemanha, como a Universität Hamburg, o Deutsches Elektronen-Synchrotron e a Heinrich-Heine-Universität Düsseldorf.

A última palestrante do painel de Biotecnologia foi Christiane Geiger, pesquisadora da Trianta Immunotherapies GmbH, uma spin off do Helmholtz Zentrum München que vem se dedicando a desenvolver vacinas capazes de fortalecer a imunidade contra o câncer.

Agência FAPESP