Dados preliminares foram apresentados pelo coordenador do LVV, Marcio Chaim Bajgelman, durante a 29ª Reunião Anual da Federação de Sociedades de Biologia Experimental (FeSBE), realizada em agosto em Caxambu (MG).
“Além da mutação genética que desencadeia o câncer, há uma série de outros eventos que ocorrem paralelamente no organismo e podem favorecer ou não a proliferação das células tumorais. Um desses eventos é a própria resposta imunológica do indivíduo, que nós estamos tentando modular”, disse Bajgelman à Agência FAPESP.
De acordo com o pesquisador, dados da literatura científica indicam que portadores de câncer costumam apresentar concentrações elevadas de um tipo de linfócito conhecido como célula T reguladora (Treg), cujo papel é inibir a proliferação de outros linfócitos que poderiam atacar as células tumorais.
Em uma situação fisiológica, as células Treg têm a importante missão de trazer equilíbrio ao sistema imune, para que tecidos do organismo não sejam atacados desnecessariamente. Mas, em portadores de câncer, explicou Bajgelman, elas podem ajudar a proteger o tumor.
“As células tumorais produzem substâncias que atraem todos os tipos de células T. Quando as Treg migram para o sítio tumoral, elas interagem com as chamadas células T CD4 efetoras e as desarmam. Se conseguirmos inibir a atuação da Treg, ou talvez até convertê-las em TCD4 efetoras, poderíamos potencializar a imunidade antitumoral”, disse Bajgelman.
O grande desafio dessa proposta terapêutica, segundo Bajgelman, é conseguir diferenciar uma Treg de uma célula TCD4 efetora, uma vez que morfologicamente os dois tipos de linfócitos são muito parecidos e possuem, inclusive, o mesmo marcador na superfície da membrana celular: o receptor CD25.
“Existem estratégias de inibição de células Treg que usam anticorpos contra o receptor CD25. Mas essa abordagem inibe tanto as Treg quanto as TCD4 efetoras. Nesse caso, ficam ativos apenas os linfócitos TCD8, que também têm atividade antitumoral. Na literatura científica, há resultados controversos sobre a eficácia desse tipo de terapia. Nós estamos tentando inibir as células Treg de forma mais seletiva”, contou Bajgelman.
A saída encontrada pelos pesquisadores foi escolher como alvo do vetor viral a proteína FOXP3, um fator de transcrição existente no núcleo das células Treg que é, justamente, o responsável pelo fenótipo imunossupressor.
A ideia é inserir em um vírus modificado um RNA de interferência capaz de impedir a expressão de FOXP3 nas células Treg – anulando, assim, sua atividade imunossupressora. Para isso, os pesquisadores escolheram um vetor lentiviral, que é derivado do HIV humano, mas não tem potencial para se replicar ou causar doenças.
“Nós inserimos nesse vetor um RNA de interferência capaz de se ligar exclusivamente ao RNA mensageiro que codifica a proteína FOXP3. Para aumentar ainda mais a especificidade da terapia, inserimos também um promotor, que vai fazer com que esse RNA de interferência seja dirigido apenas a células que expressam FOXP3. Por último, alteramos o capsídeo [parte externa] do vírus para que ele se dirija apenas aos linfócitos TCD4”, contou.
Primeiros testes
Nos primeiros experimentos realizados in vitro, com culturas de células isoladas de baço de camundongos, o RNA de interferência desenhado pela equipe do LVV conseguiu inibir a expressão de FOXP3 em cerca de 80%.
Em seguida, foram feitos ensaios funcionais para comprovar se a inibição de FOXP3 com auxílio do vetor viral poderia, de fato, beneficiar a proliferação de células TCD4 efetoras.
“Marcamos as células TCD4 efetoras com um corante fluorescente e induzimos a proliferação. À medida que elas vão se dividindo, a intensidade do corante vai diminuindo”, contou o pesquisador.
Quando, na placa de cultura, há a presença de células Treg, a taxa de proliferação das TCD4 efetoras diminui em torno de 20%. Já quando o vetor viral foi colocado, os cientistas observaram que a taxa de proliferação retornou ao nível observado no grupo controle.
Os cientistas do LVV pretendem agora aprimorar o RNA de interferência e o promotor que serão inseridos no vetor viral para tornar sua ação ainda mais específica. Quando essa etapa estiver concluída, os primeiros ensaios com animais poderão começar.
“Atualmente, há poucas opções para tratar metástase no arsenal terapêutico do oncologista. Se os resultados de nossas pesquisas forem positivos, teremos uma nova ferramenta, que poderá ser usada em sinergia com outros tratamentos. Poderia, por exemplo, ajudar a reduzir as doses de quimioterapia”, avaliou Bajgelman
Agência FAPESP