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O tratamento de ratos hipertensos com o fármaco rostafuroxina – atualmente em fase de testes clínicos – melhorou em 50% a capacidade de relaxamento das artérias, reverteu o quadro de estresse oxidativo observado no endotélio e reduziu significativamente os índices de pressão arterial dos animais. Os dados, publicados em artigo recente do Journal of Hypertension, são de um estudo realizado com apoio da FAPESP no Departamento de Fisiologia e Biofísica do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP).
A linha de pesquisa foi apresentada pela professora Luciana Venturini Rossoni durante a 29ª Reunião Anual da Federação de Sociedades de Biologia Experimental (FeSBE), realizada entre os dias 27 e 30 de agosto em Caxambu (MG).

“A rostafuroxina é um fármaco antagonista das ações da ouabaína, hormônio responsável por fazer o controle fino do manuseio de sódio no rim, da volemia [quantidade de sangue circulando no corpo] e das concentrações intracelulares de cálcio nos vasos sanguíneos e no coração. Estudos anteriores mostraram que 45% dos pacientes hipertensos apresentam concentrações elevadas de ouabaína no plasma”, contou Rossoni.

Há quase 20 anos a pesquisadora vem se dedicando a estudar a participação da ouabaína nas alterações da reatividade vascular (capacidade dos vasos de contrair e relaxar) e no desenvolvimento de hipertensão arterial.

Produzida em áreas específicas do sistema nervoso central e da glândula suprarrenal, a ouabaína é capaz de inibir a ação da enzima Na+/K+/ATPase – mais conhecida como bomba de sódio (Na+) e potássio (K+) – existente na membrana das células e responsável por regular o transporte desses íons entre os meios intra e extracelular.

“A enzima Na+/K+/ATPase é de fundamental importância para manter a homeostasia [equilíbrio fisiológico da composição química dos fluidos] nas células. No caso dos vasos sanguíneos, ela controla as concentrações intracelulares de sódio e, como consequência, mantém as concentrações ideais de cálcio”, explicou Rossoni.

Em artigo publicado em 2011 no Journal of Vascular Research, o grupo do ICB-USP mostrou que era possível induzir um quadro de hipertensão em ratos saudáveis administrando doses diárias de ouabaína durante 20 semanas – até que atingissem concentrações plasmáticas similares às observadas no plasma de pacientes hipertensos.

Ao investigar os efeitos do tratamento, os pesquisadores observaram que a ouabaína aumentava a contratilidade das chamadas artérias de resistência – pequenos vasos que controlam a passagem de sangue do território arterial para o território capilar e venoso. Dessa forma, o fluxo sanguíneo era dificultado.

“Verificamos que a ouabaína, ao estimular a atividade da enzima ciclooxigenase-2 (COX2), aumenta a produção de substâncias vasoconstritoras e de espécies reativas de oxigênio. Esse aumento de oxidantes dentro da célula, por sua vez, diminui a biodisponibilidade de óxido nítrico (NO), um importante agente vasodilatador liberado pelo endotélio”, contou Rossoni.

Em outro estudo também publicado no Journal of Hypertension, os cientistas demonstraram que, em ratos geneticamente predispostos a desenvolver hipertensão – e já com níveis de pressão alterados no início do estudo –, o tratamento diário com ouabaína era capaz de aumentar a reatividade das artérias em apenas cinco semanas de tratamento.

Modelo DOCA-Sal

Nos experimentos mais recentes, o objetivo do grupo do ICB-USP era descobrir o que aconteceria nas artérias de resistência de ratos hipertensos ao serem tratados com a rostafuroxina. Para isso, usaram um modelo animal conhecido como DOCA-Sal, no qual é induzido em ratos um quadro de hipertensão relacionado ao aumento do volume de sangue circulante.

Nesse modelo, os ratos são submetidos a uma cirurgia para a retirada de um dos rins e, em seguida, passam a receber injeções semanais da droga desoxicorticosterona, cuja função é aumentar a reabsorção renal de sódio. Paralelamente, os roedores passam a receber água com concentração mais elevada de sódio.

“A pressão vai subindo até a quinta semana e, então, estabiliza. Após esse período, os animais apresentam um quadro de hipertensão severa, em torno de 180 milímetros de mercúrio (mmHg)”, disse Rossoni.

Assim que o quadro de hipertensão se estabeleceu, parte dos animais passou a receber por via oral doses diárias de rostafuroxina, enquanto outro subgrupo recebeu apenas placebo. Já na primeira semana de tratamento, o grupo que recebeu o fármaco apresentou queda na pressão arterial. Após três semanas, o valor da pressão sistólica dos animais tratados estava entre 140 e 150 mmHg, o que poderia ser considerado como hipertensão leve.

“A tendência era de queda. Talvez a pressão tivesse voltado a níveis normais se o tratamento fosse continuado por mais tempo”, avaliou Rossoni.

Segundo a pesquisadora, a administração de rostafuroxina por apenas três semanas havia sido acordada com o laboratório farmacêutico Sigma-Tau, detentor da patente, para que os resultados fossem comparáveis com os demais estudos já realizados com o fármaco.

Ao investigar o que havia acontecido com as artérias de resistência, que são de fundamental importância para o controle da resistência vascular periférica, os pesquisadores observaram a reversão total do quadro de estresse oxidativo e uma melhora de 50% na capacidade de relaxamento dependente da função das células endoteliais.

“Nos animais hipertensos, os vasos não relaxam tanto quanto deveriam. O tratamento com a rostafuroxina melhorou o quadro, embora não o tenha revertido totalmente, devido a uma maior liberação de óxido nítrico nas células endoteliais e sua menor degradação pelas espécies reativas do oxigênio”, disse Rossoni.

Ensaios clínicos

Em estudos pré-clínicos anteriores, cientistas do laboratório Sigma-Tau investigaram os efeitos da rostafuroxina no tecido renal e cardíaco. Os resultados mostraram que, nos rins, o fármaco é capaz de impedir a reabsorção de sódio induzida pela administração de ouabaína, em concentrações similares às encontradas no plasma de pacientes hipertensos. Já no coração, evitaria a formação de fibrose e hipertrofia. O grupo do ICB-USP foi o primeiro a investigar os efeitos vasculares da droga.

De acordo com Rossoni, o laboratório Sigma-Tau já realizou um primeiro ensaio clínico com o medicamento, que não foi bem-sucedido por ter incluído pacientes com quadros de hipertensão de diferentes etiologias.

Em uma segunda fase de testes clínicos, estão sendo incluídos apenas pacientes cuja hipertensão está relacionada ao aumento da volemia, contou a pesquisadora do ICB-USP.

“Estamos bastante esperançosos em relação aos resultados e acreditamos que a rostafuroxina possa em breve se tornar mais uma opção para tratar os quadros de hipertensão resistente, que geralmente requerem a associação de três ou mais drogas diferentes”, disse.

Agência FAPESP