Segundo os pesquisadores, a questão é intrigante, já que os quatro planetas são constituídos pelos mesmos embriões planetários – corpos celestes com dimensões similares aos planetas atuais – que se fundiram ao longo de dezenas de milhões de anos.
Uma equipe internacional de astrônomos – formada por pesquisadores do Brasil, dos Estados Unidos, da Alemanha e da França e liderada pelo Grupo de Dinâmica Orbital & Planetologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), no campus de Guaratinguetá – realizou recentemente uma série de simulações demostrando que o tamanho de Marte pode estar relacionado à densidade da nebulosa protossolar – a nuvem de gás e poeira que deu origem ao Sistema Solar – na região orbital do planeta.
Resultado do Projeto Temático “Dinâmica orbital de pequenos corpos”, realizado com apoio da FAPESP, o estudo foi descrito em um artigo publicado em fevereiro no The Astrophysical Journal, da American Astronomical Society.
O trabalho foi destacado por John Chambers, pesquisador do Departamento de Magnetismo Terrestre da Carnegie Institution for Science, dos Estados Unidos, em um artigo publicado na edição de maio da revista Science.
“A maioria das simulações de formação dos planetas terrestres do Sistema Solar não consegue gerar um objeto do tamanho e na órbita de Marte, que está a 1,5 unidade astronômica [UA, equivalente a aproximadamente 150 milhões de quilômetros] de distância do Sol”, disse Othon Cabo Winter, pesquisador do Grupo de Dinâmica Orbital & Planetologia e coordenador do projeto, à Agência FAPESP.
“Esses modelos geram um corpo na órbita de Marte com tamanho equivalente mais ou menos ao da Terra, o que é muito grande”, disse o pesquisador, coautor do artigo ao lado de André Izidoro, que atualmente realiza pós-doutorado no Observatoire de la Côte d'Azur (OLCD) em Nice, na França.
Grand Tack
De acordo com Winter, um dos modelos já propostos para tentar explicar a formação de Marte é o chamado “Grand Tack”, desenvolvido por pesquisadores do OLCD.
O modelo presume que na formação do Sistema Solar, há 4,5 bilhões de anos, a órbita de Júpiter – o planeta gigante mais próximo de Marte – migrou de sua atual posição, em 5 UAs do Sol, para perto da órbita do planeta vermelho, a 2 UAs do Sol.
Ao se aproximar da órbita de Marte, Júpiter teria cruzado o cinturão de asteroides e varrido a maioria dos embriões planetesimais (corpos sólidos feitos de poeira cósmica e gelo, semelhantes aos asteroides e cometas) e planetários situados no cinturão ou próximos da órbita do planeta vermelho para mais perto do Sol.
Por isso, a massa de Marte e do cinturão de asteroides foi reduzida e o material planetesimal e planetário acabou participando da formação da Terra e de Vênus, estima o modelo Grand Tack.
Por causa das interações gravitacionais com a nebulosa solar e com Saturno, contudo, Júpiter teria retornado à sua órbita atual. “Esse modelo é válido, mas bastante questionável porque é muito improvável que isso realmente tenha acontecido”, disse Winter.
Modelo alternativo
Para desenvolver um modelo alternativo ao Grand Tack, os pesquisadores brasileiros, em cooperação com colegas do OLCD, além do Instituto de Astrobiologia da agência espacial norte-americana (Nasa) e do Instituto de Astronomia e Astrofísica da University of Tübingen, na Alemanha, realizaram uma série de simulações do fluxo de gás e poeira dentro da nebulosa protossolar durante a sua formação.
As simulações sugerem que o material fluiu em direção ao Sol, movendo-se a velocidades diversas, em diferentes distâncias da estrela. Na região entre 1 e 3 UAs do Sol, a nebulosa protossolar pode ter sofrido perda ou redução (depleção) de matéria equivalente a entre 50% e 75% de sua densidade.
A perda desse volume de “blocos de construção planetários” pela nebulosa protossolar nessa região, próxima da órbita de Marte, teria causado a redução da massa final de Marte e o crescimento da Terra e de Vênus, supõe o modelo.
“Estudamos diversos parâmetros e concluímos que, se houve uma depleção de matéria entre 50% e 75% da nebulosa protossolar na região entre 1 e 3 UAs, há mais de 50% de chance de ter sido formado um planeta com massa similar na atual órbita de Marte, além da Terra, de Vênus e alguns poucos objetos no cinturão de asteroides”, disse Winter.
“O modelo é bem completo, porque abrange não só o problema da formação de Marte, mas mantém e consegue gerar os outros planetas terrestres com suas massas e atuais órbitas”, avaliou.
Possíveis contribuições
Na avaliação de Winter, o novo modelo fechou uma lacuna que havia no modelo de formação do Sistema Solar, indicando que o perfil de densidade de massa da nuvem protossolar não era uniforme e sofreu depleções. “Esse dado pode ter implicações em estudos para tentar explicar a formação do cinturão de asteroides, por exemplo”, indicou.
O modelo também poderá contribuir em pesquisas na área de astrobiologia – área do conhecimento na interface entre astronomia, biologia, química, geologia e ciências atmosféricas, entre outras disciplinas –, relacionadas a objetos vindos de Marte em direção à Terra, além de estudos de planetas extrassolares, afirmou.
“Os objetos e planetas extrassolares já descobertos atingiram a casa do milhar e têm uma distribuição muito variada e diferente dos corpos do Sistema Solar”, disse Winter. “O modelo que desenvolvemos pode auxiliar a entender como eles foram formados.”
O artigo Terrestrial planet formation in a protoplanetary disk with a local mass depletion: a successful scenario for the formation of Mars (doi: 10.1088/0004-637X/782/1/31), de Winter e outros, pode ser lido por assinantes do The Astrophysical Journal em iopscience.iop.org/0004-637X/782/1/31/article?fromSearchPage=true.
O artigo Forming terrestrial planets (doi: 10.1126/science.1252257), de John Chambers, pode ser lido por assinantes da Science em www.sciencemag.org/content/344/6183/479.summary?sid=3325c543-db93-448f-b8e4-37409996da5c.
Agência FAPESP