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Francis Collins“Vejo muitos estudantes na audiência e, se vieram aqui para saber se há futuro para a pesquisa médica, minha resposta é um retumbante sim.” Foi com essa frase que Francis S. Collins, diretor do National Institutes of Health (NIH), dos Estados Unidos, iniciou a palestra “Genomics, Advanced Technology, and the Future of Medicine" (Genômica, Tecnologia Avançada e o Futuro da Medicina), apresentada na sede da FAPESP no dia 22 de maio.
Bacharel em Química pela University of Virginia, com doutorado em Físico-química pela Yale University, Collins ficou conhecido por liderar, entre os anos de 1990 e 2003, o Projeto Genoma Humano – esforço internacional voltado a identificar todos os nucleotídeos que compõem o genoma de nossa espécie.

De 2003 a 2005, à frente do National Human Genome Research Institute (NHGRI), Collins coordenou uma série de outros projetos na área de genômica que ajudaram a identificar as bases genéticas de diversas doenças. Em 2009, foi nomeado pelo presidente norte-americano Barack Obama como diretor do NIH – instituição que representa a maior fonte de financiamento para pesquisa na área médica em todo o mundo.

Durante sua apresentação na FAPESP, Collins comentou o andamento de alguns dos mais ambiciosos projetos atualmente financiados pelo NIH, como The Brain Research through Advancing Innovative Neurotechnologies (BRAIN) Initiative.

“Foi uma iniciativa anunciada há cerca de um ano pelo presidente Obama e é uma oportunidade ousada de unir especialistas de diversas disciplinas que em geral não trabalham juntos, como eletrofisiologistas, especialistas em imagens, neurocientistas, neurologistas. Avaliar o que podemos fazer juntos para entender de que forma o cérebro funciona? É um desafio realmente grande”, disse Collins.

Outra iniciativa que mereceu destaque foi o National Center for Advancing Translational Sciences (NCATS) – um dos 27 institutos que integram o NIH e cuja missão é acelerar o processo de transformação das descobertas científicas em novos tratamentos.

“Graças aos avanços na área de genômica conhecemos atualmente as bases moleculares de mais de 5 mil doenças, mas para apenas 250 delas já existe um tratamento aprovado”, comentou Collins.

Uma das formas de reduzir os custos e a duração dos testes pré-clínicos que visam garantir a segurança de compostos candidatos a medicamentos, afirmou Collins, seria testar a toxicidade em células humanas “sem colocar humanos em risco”.

“Com base no enorme avanço da tecnologia de células-tronco é possível tentar desenvolver um biochip. E, com isso, fazer uma biópsia de pele, transformar os fibroblastos em células-tronco e depois diferenciar essas células em qualquer tecido considerado importante para testar toxicidade, como fígado, pulmão, rim, músculos ou neurônios. E então pegar essas células diferenciadas e imprimi-las em três dimensões para criar estruturas semelhantes aos órgãos humanos nas quais os compostos poderiam ser testados”, explicou.

Entre os campos promissores de pesquisa em biomedicina, Collins destacou o desenvolvimento de imunoterapias contra o câncer e de uma vacina universal contra a gripe.

Collins destacou também os estudos voltados ao combate do crescente problema de resistência microbiana a antibióticos. Nesse âmbito, o diretor do NIH anunciou o apoio – em parceria com a FAPESP – a um projeto voltado ao estudo de formigas brasileiras para identificar agentes antifúngicos com potencial para serem transformados em novos medicamentos. A pesquisa será liderada por Monica Tallarico Pupo, da Universidade de São Paulo (USP), e por Jon Clardy, da Harvard Medical School, e foi aprovado na primeira chamada de propostas de pesquisas lançada em conjunto pela FAPESP e o John E. Fogarty International Center (FIC), órgão ligado ao NIH.

“Estamos particularmente empolgados com a forma como esse projeto é financiado. O NIH apoia a sua parte, a FAPESP apoia a sua parte e não há burocracia, o que é sempre bom. Gostaríamos de ter mais projetos com esse perfil”, disse.

Em entrevista concedida à Agência FAPESP após o término da palestra, Collins falou sobre as perspectivas futuras de colaboração com cientistas brasileiros e sobre os grandes avanços da medicina que deverão despontar nos próximos anos.

Agência FAPESP – O que esperar no futuro da parceria com o Brasil e, mais especificamente, com a FAPESP?
Francis Collins – O Brasil está crescendo muito rapidamente e muito recurso vem sendo investido em pesquisa e no treinamento de um número crescente de jovens cientistas. Não sou capaz de prever em que posição estará a ciência brasileira daqui a cinco anos, mas quero estar certo de que estaremos intimamente alinhados para aproveitar as oportunidades que serão abertas. Fiquei muito feliz em anunciar, como exemplo, o lançamento desse esforço conjunto com a FAPESP de um projeto sinérgico realmente bom que envolve um pesquisador de Harvard e outro da USP. Cada um deles conta com as habilidades apropriadas para esse incrível projeto que possibilitará descobrir novas drogas. Não estou certo de que poderíamos imaginar algo assim dez ou 15 anos atrás. Uma das razões pelas quais estou feliz de estar aqui, nesta manhã, é a oportunidade de falar com a liderança da FAPESP sobre formas para desenvolver oportunidades mais regulares para esse tipo de proposta conjunta, em que um pesquisador é financiado pelo NIH e outro pela FAPESP.

Agência FAPESP – Qual a sua opinião sobre os projetos que são apresentados nessas chamadas conjuntas de propostas? O senhor está satisfeito com os projetos submetidos?
Collins – Sim, mas eles poderiam ser mais numerosos. É preciso divulgar e ampliar o conhecimento sobre essas oportunidades. Precisamos deixar mais claro que estamos muito interessados em projetos significativos. Tradicionalmente, muito do que temos feito em parceria com o Brasil tem relação com doenças infecciosas. Como a dengue, por exemplo. Ontem [21/05] estive no [Instituto] Butantan para ver o que está sendo feito em nossa colaboração com o instituto. Um dos objetivos é conseguir uma vacina contra a dengue realmente eficaz, algo desesperadamente necessário, pois a doença está se tornando cada vez mais frequente. Há uma série de oportunidades nas chamadas doenças tropicais negligenciadas, sobre as quais fico feliz em dizer que atualmente são menos negligenciadas. Temos uma longa tradição de trabalho com colegas brasileiros no que se refere à doença de Chagas e, certamente, ainda há mais que poderia ser feito. Há também a leishmaniose, que aparentemente está se tornando mais frequente do que a doença de Chagas. Também há oportunidade em HIV-Aids, com o crescente potencial de desenvolver uma vacina realmente eficaz. Há um início de esforço colaborativo nesse campo. Em todos os lugares que visitei esta semana no Brasil encontrei muita empolgação também na área de neurociência. Seria ótimo se conseguíssemos descobrir meios de fortalecer essa possibilidade. Há ainda o câncer e os tumores raros que supostamente ocorrem com maior frequência em algumas partes do mundo. Não penso que haverá um foco estreito, mas um largo leque de oportunidades. Há áreas mais fortes, como a de vacinas. Há algumas áreas que vêm se desenvolvendo rapidamente. Percebemos que o Brasil está em ascensão em termos de apoio à ciência e como isso é traduzido em talentos e em ideias ambiciosas. Não sei exatamente onde isso vai parar, mas é empolgante participar desse processo.

Agência FAPESP – Qual é a importância da colaboração internacional no cenário atual da pesquisa em biomedicina?
Collins – É fundamental. Se quisermos realmente aproveitar os melhores talentos disponíveis no mundo para produzir os resultados mais estimulantes, não devemos ficar presos às fronteiras dos países. Nenhum país possui todos os talentos. E os cientistas são muito bons em reconhecer esse fato, eles costumam trabalhar muito bem juntos. Outra razão são os recursos. Se temos um problema realmente difícil, qual país será capaz de solucioná-lo sozinho? Por que não unir forças e dividir custos?

Agência FAPESP – Quais lições aprendidas com a coordenação de pesquisas em biomedicina nos Estados Unidos poderiam ser úteis aos brasileiros?
Collins – Acho que uma de nossas vantagens é ter um rigoroso sistema de análise por pares, pois nunca seremos capazes de financiar todas as propostas de pesquisa submetidas. Ter projetos revisados por outros especialistas na área realmente ajuda a decidir como investir os recursos. Também é necessário fazer escolhas e definir prioridades. Mas estamos aprendendo que isso não deve ser organizado de forma a esmagar as ideias realmente inovadoras. Essas ideias podem soar excêntricas, mas a ciência excêntrica também é importante. É preciso ter um portfólio separado para ideias altamente inovadoras, para que não tenham de concorrer com projetos bem descritos e que claramente serão bem-sucedidos. Caso contrário, estes últimos terão prioridade. Temos elementos em nosso portfólio destinados aos inovadores, como o New Innovator Awards, o Transformative Research Awards e o Pioneer Award. Em termos de outras lições aprendidas, é realmente necessário que a maior parte da pesquisa seja organizada de baixo para cima (bottom up), ou seja, direcionada pelas ideias dos pesquisadores. Não é desejável controlar demais esse processo. Mas há momentos em que algo aparece e um único pesquisador não será capaz de fazer. Nesse caso, é preciso liderança e a comunidade científica precisa pensar em como organizar isso. Não teríamos uma BRAIN Initiative se ficássemos esperando um pesquisador propor essa ideia. É necessário um equilíbrio entre o bottom up [de baixo para cima] e o top down [de cima para baixo].

Agência FAPESP – E sempre assumir riscos?
Collins – Sim, e não ter medo de falhar. Se você não está fracassando é porque está precisando assumir mais riscos.

Agência FAPESP – Quais avanços podemos esperar em Medicina nos próximos anos?
Collins – A pesquisa sobre o câncer está avançando de forma rápida, em parte por causa da capacidade de identificar o que determina a malignidade em nível individual. E isso possibilita personalizar o atendimento em vez de usar um tratamento padrão. Também oferece pistas para o desenvolvimento de novas drogas, mais eficazes do que a quimioterapia padrão. O número de medicamentos desenvolvidos nos últimos anos cresceu rapidamente, baseado nessas pistas. Isso é realmente animador. Se tenho câncer hoje, por exemplo, quero que o tumor seja sequenciado para ver quais são exatamente as mutações de DNA e quero olhar essa nova lista de drogas contra o câncer direcionadas a mecanismos específicos e avaliar qual delas funcionaria no meu caso. Outra área com a qual estou bem empolgado é a de microbioma. Estudos sobre os microrganismos que vivem em nós e o papel que eles desempenham nas doenças. Estamos percebendo que esses são grandes atores em doenças como diabetes, obesidade e talvez autismo, por exemplo. É uma oportunidade única, não apenas de entender essa relação, mas de realmente interferir. Você pode imaginar que, com uma mudança apropriada na dieta ou uso de um probiótico, poderia programar esse microbioma para ajudar e não fazer mal ao organismo. Essa é uma grande oportunidade e foi a genômica que tornou possível. Conhecemos o microbioma porque ele tem DNA e podemos descobrir o que há lá usando sequenciamento genético. Outra área que adoraria ver avançar nos próximos cinco anos e encontrar o caminho da aplicação clínica é a de células-tronco e terapias celulares. De células retiradas do próprio indivíduo e modificadas no tipo de células necessárias para tratar o fígado ou o rim ou a anemia falciforme, doença com a qual o Brasil se preocupa muito. Poderíamos curar essa doença tirando uma biópsia de pele de um portador, transformando-a em células-tronco e usando essa capacidade muito inteligente de editar o genoma chamada CRISPRs [clustered regularly interspaced short palindromic repeats], isto é, consertar a mutação e pegar essas células, diferenciá-las em células do sangue e devolvê-las ao paciente. Acredito que seja algo que devemos investir fortemente. Não vejo por que não funcionaria e a mesma abordagem poderia ser usada para muitas outras doenças. Alzheimer, por exemplo, eu adoraria ver progressos nos próximos cinco anos. É muito difícil. Estamos investindo muito nessa área e focando em pessoas que ainda não possuem sintomas, mas que sabemos ser propensas [à condição] com base em seu risco genético ou em um exame que mostra a presença de placas amiloides. A ideia é intervir precocemente para tentar evitar o processo, em vez de esperar até que a doença esteja instalada e muitos neurônios tenham sido perdidos. Precisamos fazer algo sobre o Alzheimer ou essa doença vai quebrar a economia de todos os países em razão do envelhecimento da população. Todas essas áreas estão cheias de potencial, mas, para saber qual chegará primeiro, não tenho uma bola de cristal.

Agência FAPESP