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A criação de um centro de pesquisa básica no Brasil, em um modelo open science (sem direitos de propriedade intelectual), voltado à produção de conhecimentos relevantes para a descoberta de novos fármacos e para o avanço da agricultura foi debatida em um evento realizado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) nos dias 28 e 29 de abril. A proposta foi apresentada a pesquisadores, estudantes e agências de fomento brasileiras – entre elas a FAPESP – por representantes do Structural Genomics Consortium (SGC), uma parceria público-privada que reúne cientistas, indústrias farmacêuticas e entidades sem fins lucrativos de apoio à pesquisa.
“O SGC tem hoje sede na University of Toronto (Canadá) e na University of Oxford (Reino Unido). Nosso sonho é criar um terceiro centro na Unicamp e expandir nosso campo de pesquisa – hoje focado em biomedicina – para a ciência de plantas”, disse Aled Edwards, fundador e presidente do grupo, à Agência FAPESP.

O consórcio foi criado em 1999 com o objetivo de promover pesquisa básica em áreas consideradas de alto risco, como epigenética, para as quais seria difícil obter financiamento pelos métodos tradicionais. O foco inicial era investigar as diferenças genéticas entre os seres humanos. Em seguida, o grupo se voltou ao estudo da estrutura tridimensional de proteínas de relevância biomédica, que poderiam servir de alvos para novos medicamentos.

“Na época, todas as empresas farmacêuticas estavam fazendo exatamente as mesmas pesquisas sobre proteínas e, então, pensamos: por que não unir os investimentos em uma única empreitada e compartilhar os resultados? Concordamos que nada seria patenteado e todos os dados seriam de acesso público. A propriedade intelectual não é algo ruim, mas quando você declara uma zona livre de patentes o conhecimento flui”, disse Edwards.

Nos últimos anos, pesquisadores ligados ao SGC descreveram a estrutura de mais de 1.200 proteínas, com implicações para o desenvolvimento de terapias contra câncer, diabetes, obesidade e transtornos psiquiátricos. Estima-se que o custo das pesquisas necessárias para desvendar cada uma das proteínas seja de aproximadamente US$ 1 milhão.

“Decidimos então usar esse conhecimento para desenhar compostos sintéticos – os chamados chemical probes (sondas químicas) – que funcionam como inibidores de enzimas. São moléculas capazes de se ligar de forma bastante seletiva a proteínas sinalizadoras, como as quinases, que controlam importantes funções, tanto no organismo humano como nos animais e nas plantas”, explicou Edwards.

As sondas químicas são ferramentas de pesquisa usadas para desvendar o papel biológico das quinases e os mecanismos de sinalização celular. Mais de 500 quinases diferentes foram identificadas no genoma humano, mas apenas cerca de 40 foram bem estudadas.

“Essas sondas químicas são caras e difíceis de criar. Apenas as grandes indústrias farmacêuticas têm a estrutura necessária. Se tratarmos essas ferramentas como produtos comerciais, a academia não terá acesso a elas e não conseguiremos desvendar os mistérios da biologia. Por outro lado, se as fornecermos aos acadêmicos gratuitamente, isso beneficiará a indústria no longo prazo”, disse Edwards.

A GlaxoSmithKline (GSK), uma das empresas farmacêuticas que integram o SGC, colocou à disposição de pesquisadores de todo o mundo uma biblioteca de 376 sondas químicas desenvolvida por sua equipe. A coleção é conhecida como PKIS (The Published Kinase Inhibitor Set).

“Tudo que pedimos em troca é que o conhecimento gerado com o uso dos nossos inibidores seja de acesso público. A ideia é que mais cientistas façam experimentos para avançar o conhecimento sobre biologia básica. Isso nos ajudará a tomar melhores decisões em relação a quais alvos investir nos projetos de desenvolvimento de fármacos e a otimizar recursos”, disse David Drewry, diretor de Biologia Química da GSK e um dos palestrantes do evento.

Segundo Drewry, cerca de 75% das moléculas pesquisadas pelas farmacêuticas atualmente não chegam à terceira fase de desenvolvimento de drogas, quando começam os ensaios clínicos. “É uma falha de alto custo. Mesmo que outras empresas possam se beneficiar com as oportunidades criadas por esse modelo open science, ainda é melhor para nós”, avaliou.

Tetsuyuki Meruyama, vice-presidente e chefe da Divisão de Pesquisa da Takeda Pharmaceutical Company – laboratório japonês que também integra o SGC –, relatou em sua palestra que o desenvolvimento de novas drogas torna-se a cada dia mais caro e difícil para as empresas.

“Na década de 1950, era possível colocar 50 novas drogas no mercado a cada bilhão de dólares investido. Em 2010, já considerando a correção monetária, esse número não chega a uma. Tudo que era fácil já foi feito. Precisamos ampliar nosso alvo por meio de alianças e por um sistema de inovação aberta”, defendeu Meruyama.

Financiamento

As quinases humanas ainda inexploradas foram identificadas pelo SGC como uma nova área que precisa de injeção maciça de investimentos, disse o brasileiro Wen Hwa Lee, gerente de alianças estratégicas do consórcio.

“É uma nova vertente que vai trazer grande impacto para as ciências biológicas. Mas nosso modelo de financiamento já está saturado, por isso decidimos criar um novo núcleo e buscar países com vontade e visão para serem parceiros nessa empreitada. Visitamos vários locais, como Irlanda e Qatar, mas o Brasil foi o que mostrou as condições ideais. E foi um pesquisador brasileiro que sugeriu ampliar as pesquisas para biologia de plantas”, disse Lee referindo-se a Paulo Arruda, professor da Unicamp e organizador do evento.

“Já começamos as discussões com a indústria farmacêutica no Brasil, mas sabemos como funciona quando se quer abrir uma nova área de inovação. Quando o SGC começou, 95% do financiamento veio de entidades governamentais ou particulares sem fins lucrativos – basicamente a Wellcome Trust (do Reino Unido) e o governo canadense. Por isso convidamos as agências de fomento. Trazer essa rede para o Brasil significaria colocar os pesquisadores brasileiros em contato com 300 grupos de pesquisa de várias partes do mundo”, disse Lee.

Para Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP, a possibilidade de aumentar a interação dos pesquisadores brasileiros com importantes grupos internacionais é muito positiva. Segundo ele, é desejável abertura para que os resultados das investigações beneficiem também as empresas brasileiras, não apenas os grandes laboratórios multinacionais.

“A ideia dos pesquisadores paulistas para se usar o mesmo esquema de descobertas em acesso aberto para a área agrícola é muito boa e interessa bastante à FAPESP”, disse Brito Cruz.

O diretor científico da FAPESP participou da mesa-redonda intitulada “Open Access Science and Chemical Biology for Medical/Plant Biology: how can Brazil lead a scientific revolution?”, que também reuniu o presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Glaucius Oliva, o diretor de Desenvolvimento Científico e Tecnológico da Financiadora de Estudos Projetos (Finep), Fernando Ribeiro, o gerente de Química Medicinal da GSK, Bill Zuercher, o chefe da Divisão de Química Medicinal da Pfizer, Mark Bunnage, e o chefe de Pesquisa e Desenvolvimento da Bayer CropScience (divisão da empresa voltada à agricultura), Philippe Hervé.

Agência FAPESP