O estudo foi desenvolvido no âmbito do projeto “Avaliação da angiogênese em resposta ao tratamento com melatonina no câncer de mama: estudo in vitro e in vivo”, realizado com apoio da FAPESP.
“Constatamos que a melatonina consegue inibir o crescimento tumoral e a produção de células cancerosas, além de bloquear a formação de novos vasos sanguíneos do tumor em modelos animal [in vivo] e celular [in vitro]”, disse Debora Aparecida Pires de Campos Zuccari, professora da Famerp e coordenadora do projeto, à Agência FAPESP.
De acordo com Zuccari, já se sabia que a melatonina, quando administrada em doses terapêuticas – acima dos níveis naturalmente encontrados no organismo –, apresenta propriedades antioxidantes. E estimava-se que o hormônio pode suprimir o crescimento de alguns tipos de células cancerosas, especialmente quando combinado com certas drogas utilizadas no tratamento do câncer. A melatonina não é vendida no Brasil, mas é comercializada em países como os Estados Unidos como suplemento alimentar.
A fim de testar essas hipóteses, Zuccari iniciou em 2008 uma série de estudos com o objetivo de verificar se a melatonina poderia retardar o câncer de mama – o tipo de câncer mais comum em mulheres, com uma alta taxa de mortalidade devido, principalmente, à progressão e à metástase (propagação das células cancerosas) (leia mais em http://agencia.fapesp.br/17443).
Segundo a pesquisadora, o crescimento do tumor está associado à angiogênese – formação de novos vasos sanguíneos a partir da vasculatura já existente do tumor –, regulada por genes como o Fator de Transcrição Induzido por Hepóxia (HIF-1α), Fator de Crescimento Endotelial Vascular (VEGF), Fator de Crescimento Derivado de Plaquetas (PGFF), Fator de Crescimento Epidérmico (EGF) e angiogenina, entre outros.
Uma vez que o tumor entra em processo de crescimento exponencial e atinge alguns milímetros de diâmetro, o centro do tecido começa a sofrer de falta de oxigênio (hipóxia) e isso estimula a expressão desses genes responsáveis pela angiogênese, principalmente o VEGF, para aumentar o aporte de nutrientes no local, explicou Zuccari.
“O VEGF liga-se a seus receptores e, dessa forma, promove a angiogênese por meio de sua capacidade de estimular o crescimento, a migração e a invasão de células endoteliais (localizadas na camada celular interna dos vasos sanguíneos)”, contou a pesquisadora.
“Como a revascularização é essencial para o crescimento de tumores e metástases, o controle da angiogênese é uma estratégia promissora para limitar a progressão do câncer”, indicou.
Estudo em camundongos
A fim de avaliar os efeitos da melatonina sobre a angiogênese no câncer de mama, os pesquisadores realizaram um estudo com camundongos atímicos – roedores geneticamente modificados, que não possuem pelagem. Para realizar o estudo, eles implantaram células tumorais na mama de um grupo desses animais imunossuprimidos.
Os camundongos receberam injeções via intraperitoneal de 1 miligrama de melatonina por 21 dias seguidos, durante a noite e uma hora antes de a iluminação da sala em que estavam confinados ser desligada.
Os volumes dos tumores foram medidos semanalmente, com um compasso digital. No final do tratamento, os animais foram submetidos a tomografia computadorizada por emissão de fóton único (SPECT, na sigla em inglês), a fim de determinar se a melatonina contribuiu para diminuir o tamanho do tumor e se houve mudança na formação de novos vasos sanguíneos.
Os pesquisadores constataram que o tamanho do tumor e a proliferação de células cancerosas dos camundongos tratados com melatonina diminuíram após os 21 dias de tratamento, em comparação com os animais que não receberam o hormônio. Também houve uma redução na densidade dos vasos sanguíneos do tumor do grupo tratado com melatonina.
“O tratamento com melatonina mostrou eficácia na redução do crescimento tumoral e na proliferação celular, bem como na inibição da angiogênese”, afirmou Zuccari. De acordo com a pesquisadora, o estudo foi replicado em linhagens de células tumorais.
Os resultados das análises indicaram que a melatonina administrada em doses terapêuticas foi capaz de reduzir a viabilidade de células cancerosas. A expressão do receptor de angiogênese (VEGFR 2) também diminuiu significativamente nos animais tratados com melatonina, em comparação com o grupo de controle, afirmou Zuccari.
“Mostramos que a eficiência da ligação do VEGF com o receptor de angiogênese [ VEGFR 2] diminuiu quando a melatonina foi utilizada”, contou a pesquisadora.
Próximas etapas
De acordo com Zuccari, atualmente ela e seu grupo concluem um estudo no qual avaliam o papel da melatonina na diminuição de metástase de células de câncer de mama.
Os resultados preliminares também indicaram uma diminuição significativa do foco de metástase em camundongos que receberam injeções do hormônio. “Estamos tentando mostrar que existem diferentes frentes de ação da melatonina e que o hormônio é eficiente em todas elas”, apontou.
Após a conclusão dos estudos em animais, a ideia é realizar um estudo clínico – em humanos – com a melatonina. O principal obstáculo para isso, no entanto, é que, por ainda não ter ação comprovada no tratamento do câncer, o hormônio não pode ser usado em pacientes que possuem outra possibilidade terapêutica.
“Teríamos de começar o estudo clínico com um grupo de pacientes terminais, sem opção de tratamento, para verificar, inicialmente, se a melatonina melhora o bem-estar deles, por exemplo, para depois analisar outras questões, tais como se ela inibe a progressão do câncer”, afirmou Zuccari.
Os pesquisadores iniciaram um estudo com mulheres com e sem câncer de mama, em uma mesma faixa etária, para avaliar a hipótese de que mulheres com câncer possuam níveis de melatonina no organismo mais baixos do que as que não têm câncer.
“Se essa hipótese for confirmada, talvez por isso essas mulheres com câncer de mama não consigam obter os efeitos protetores proporcionados pela melatonina e necessitem suplementá-la em suas dietas”, disse Zuccari.
O artigo “Effect of melatonina on tumor growth and angiogenesis in xenograf model of breast cancer” (doi: 10.1371/journal.pone.0085311), de Zuccari e outros, pode ser lido na revista PloS One em www.plosone.org/article/info%3Adoi%2F10.1371%2Fjournal.pone.0085311.
Agência FAPESP