Submit to FacebookSubmit to Google PlusSubmit to TwitterSubmit to LinkedIn
Há cerca de 7 anos a médica Ana Claudia Latronico atendeu no ambulatório de endocrinologia pediátrica do Hospital das Clínicas (HC) de São Paulo um caso que lhe chamou a atenção e acabou por conduzir à identificação, em meados de 2013, do primeiro gene associado à puberdade precoce de origem hereditária. Era uma menina de 5 anos que já apresentava os primeiros sinais da puberdade. As mamas começavam a se formar e os pelos cresciam mais espessos nas axilas e na região pubiana, dois sinais de que os hormônios sexuais, produzidos em maior quantidade só no final da infância, já circulavam em níveis elevados no corpo da garota.

Pouco frequentes na população, casos como esse de puberdade que ocorre muito antes do tempo adequado até são comuns no maior hospital da América Latina, para onde são encaminhados os problemas mais raros e complexos do país.

O que despertou o interesse de Ana Claudia, no entanto, foi outro motivo. A menina havia chegado ao hospital por iniciativa da avó paterna, então uma senhora de 69 anos, que tinha entrado na puberdade cedo e menstruado pela primeira vez aos 9 anos. Semanas mais tarde a avó retornou com uma segunda neta, filha de outro filho, e anos depois com uma terceira, nascida do segundo casamento do primeiro filho. Em comum, todas apresentavam as mudanças corporais da puberdade bem antes da hora em que costumam surgir na maioria das crianças: a partir dos 8 anos nas meninas e dos 9 anos nos meninos.

Essa sequência de casos na mesma família – mais tarde chegariam a seis – levou Ana Claudia a desconfiar de uma origem genética para o problema, algo em que poucos especialistas pensavam na época, e a iniciar uma procura ativa entre os parentes das crianças atendidas por ela e sua equipe no HC.

“Passamos a conversar com as mães, que em geral são quem leva as crianças às consultas, sobre a puberdade do pai, dos tios e dos avós”, lembra a endocrinologista. Perguntas como “com que idade a avó menstruou pela primeira vez?” ou “na família há casos de homens que começaram a fazer a barba muito cedo?” ajudaram esse grupo da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) a encontrar mais 11 famílias brasileiras com mais de um caso de puberdade precoce entre os parentes de primeiro grau.

Exames clínicos e testes hormonais confirmaram que nessas 12 famílias brasileiras e em outras 3 estrangeiras havia 32 pessoas que tinham entrado na puberdade muito cedo, em média aos 6 anos. Em todos esses casos, apresentados em junho de 2013 em um artigo no New England Journal of Medicine (NEJM), o desenvolvimento acelerado do corpo que marca a transição da infância para a idade adulta havia começado antes do tempo por causa do aumento prematuro na produção do hormônio liberador das gonadotrofinas: o GnRH, que comanda o amadurecimento sexual do organismo – esses casos são chamados de puberdade precoce central ou verdadeira.

Produzido no cérebro por um pequeno grupo de neurônios do hipotálamo, o GnRH funciona como o acelerador de um carro. Esse hormônio é liberado em pulsos mais rápidos na puberdade, induzindo a glândula hipófise a produzir dois outros hormônios sexuais: o homônio luteinizante (LH) e o hormônio folículo estimulante (FSH). Esses hormônios são lançados na corrente sanguínea e viajam até os ovários e os testículos, onde ativam a liberação de outros hormônios sexuais que fazem o corpo crescer e amadurecer do ponto de vista reprodutivo.

Com os dados daquelas 32 pessoas em mãos, faltava descobrir o que havia levado o corpo delas a secretar mais GnRH antes da hora. O grupo de Ana Claudia, em parceria com pesquisadores da Santa Casa de São Paulo, da Universidade Federal de Minas Gerais, da Universidade de Leuven, na Bélgica, e da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, decidiu sequenciar o material genético desses participantes em busca de alterações que pudessem explicar o início antecipado da puberdade. Um terço deles (oito pessoas) apresentou defeitos em um mesmo gene: o MKRN3, hoje considerado o primeiro gene responsável por uma forma hereditária de puberdade precoce.

“Esse resultado é importante porque os determinantes do início da puberdade permanecem um dos mistérios não resolvidos da biologia”, comenta o endocrinologista Jean-Claude Carel, da Universidade Paris Diderot e do Centro de Referência em Doenças Endócrinas Raras do Crescimento, na França.

Especialista de renome internacional que investiga a puberdade precoce central, Carel observa: “A puberdade está associada a uma série de desfechos físicos e psicológicos de longo prazo, e compreender melhor o que define seu início cria a oportunidade de contribuir para questões de saúde como câncer, comportamentos de risco e abuso de drogas”.

Para Erica Eugster, da Universidade da Saúde de Indiana, Estados Unidos, “esse achado representa um avanço importante na determinação da base genética da puberdade precoce central”, em especial por envolver uma forma até então desconhecida de controle da produção do GnRH.

Leia a reportagem completa em: http://revistapesquisa.fapesp.br/2014/01/13/despertar-precoce/

Revista Pesquisa FAPESP