As principais iniciativas nesse sentido foram a participação em observatórios como o Gemini, cujas operações iniciaram em 2004 com dois telescópios “gêmeos”, um nos Andes chilenos e outro no Havaí, e o Southern Observatory for Astrophysical Research (SOAR, na sigla em inglês), inaugurado nos Andes em 2005.
O Brasil conta com 6% de participação nas observações do Gemini, cujos telescópios têm espelhos principais com 8,1 metros de diâmetro. No SOAR, com espelho de 4,2 metros de diâmetro, a participação brasileira é de 30%. A participação de pesquisadores brasileiros nos dois observatórios se dá com financiamento da FAPESP e de outras agências de fomento à pesquisa no país.
“O aumento no número de artigos publicados por astrônomos brasileiros nos últimos anos tem relação absolutamente direta com a participação no Gemini e no SOAR”, disse João Steiner, professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da Universidade de São Paulo (USP), à Agência FAPESP.
“Estávamos estagnados por quase uma década em termos de publicação de artigos científicos e de formação de mestres e doutores na área e, quando o Gemini e o SOAR entraram em operação, esses dois indicadores cresceram em um ritmo bastante expressivo”, afirmou.
Atualmente a comunidade de pesquisa da área está sendo convidada para participar e para ajudar a financiar dois dos maiores projetos de construção de megatelescópios em andamento no mundo: o Giant Magellan Telescope (GMT), projetado por um consórcio de instituições dos Estados Unidos, Austrália e Coreia do Sul, e o European Extremely Large Telescope (E-ELT), planejado pelo Observatório Europeu do Sul (ESO, na sigla em inglês).
Ambos também serão construídos no Chile em razão de o céu do Hemisfério Sul ser considerado muito mais rico, em termos de possibilidades de observações astronômicas, do que o do Hemisfério Norte, além de haver disponibilidade de lugares adequados para fazer observações, como a cordilheira dos Andes, no norte do Chile.
Com início da construção previsto para julho de 2014 em Cerro Las Campanas, o GMT será composto por sete espelhos segmentados redondos, com 8,4 metros de diâmetro cada um, que – reunidos como as pétalas de uma flor em torno de seu botão central – formarão uma superfície óptica com uma abertura de 24 metros de diâmetro. O GMT está previsto para entrar em operação em 2019.
O projeto está orçado em US$ 690 milhões (cerca de R$ 1,6 bilhão), com previsão de aumento de US$ 30 milhões a cada ano que o início da construção for adiado. Por isso, os idealizadores têm pressa em obter a aprovação de instituições que já manifestaram interesse em participar do projeto. Entre elas estão as universidades do Arizona, do Texas, de Chicago, e Texas A&M – todas nos Estados Unidos – e da Universidade Nacional da Austrália (ANU).
Também já confirmaram interesse no projeto o Centro de Astrofísica Harvard-Smithsonian e o Instituto Carnegie para Ciência, ambos dos Estados Unidos, além do Instituto de Ciências Astronômicas e Espaciais da Coreia do Sul e do Astronomy Australia Limited (AAL).
“O desafio mais urgente e crítico para o GMT hoje é obter financiamento para a fase de construção”, contou Wendy Freedman, presidente do consórcio, durante um workshop sobre o projeto, realizado nos dias 13 e 14 de novembro, na sede da FAPESP, em São Paulo.
O evento faz parte de um processo de avaliação pela FAPESP de uma solicitação de financiamento para apoiar a participação no GMT feita por pesquisadores de universidades e instituições de pesquisa no Estado de São Paulo. Para a análise da proposta, após a obtenção de pareceres de assessoria, ficou clara a necessidade de se aferir o interesse da comunidade de pesquisa paulista na área, bem como o potencial para o envolvimento de empresas do Estado.
Pela proposta, a FAPESP teria 4% de participação no projeto, o que asseguraria aos pesquisadores de São Paulo um tempo cativo de observação no telescópio também de 4% por ano. O financiamento solicitado à FAPESP é de US$ 40 milhões.
Os astrônomos de São Paulo também teriam assento no conselho do consórcio, direito a voto nas decisões sobre o projeto e poderiam participar da construção do telescópio – que inclui desde a construção de partes do telescópio, como o domo, que terá cerca de 4 mil toneladas de aço, até o desenvolvimento de instrumentação científica.
No início de novembro, engenheiros do GMT realizaram um “Dia da Indústria”, na FAPESP, para apresentar às empresas brasileiras potenciais fornecedoras de equipamentos e prestadoras de serviços as possibilidades de participação na construção do telescópio.
“Não temos dúvida da importância científica do GMT. Mas temos que ter claro o papel que será desempenhado por pesquisadores do Estado de São Paulo e saber exatamente quais as garantias e riscos, além de quais dados e tecnologias poderão ser criados por meio desse projeto internacional”, disse Hernan Chaimovich, assessor especial da Diretoria Científica da FAPESP, na abertura do segundo evento, no dia 13 de novembro.
Adesão do Brasil ao ESO
O ESO, por sua vez, há alguns anos empenha esforços para que o governo do Brasil ratifique sua adesão ao consórcio astronômico europeu e participe da construção do megatelescópio E-ELT e de outros projetos da instituição.
Com o início da construção também previsto para 2014, o telescópio situado em uma montanha na região de Cerro Armazones, no Chile, e com um espelho com 39 metros de diâmetro, deverá ser o maior entre os chamados de “extremamente grandes” (ELT, ou “extremely large telescopes”). A conclusão da obra está prevista para 2023.
O espelho principal deverá ser composto por cerca de 800 segmentos hexagonais, com 1 metro cada, que formarão uma colmeia de espelhos com capacidade de capturar 15 vezes mais luz do que o maior telescópio em operação hoje, o Gran Telescopio Canarias, situado nas Ilhas Canárias, com 10,4 metros de diâmetro.
Para participar da construção do telescópio, no entanto, o Brasil precisa ratificar sua adesão ao consórcio astronômico europeu, que está em avaliação no Congresso Nacional.
“Ao aderir ao ESO, o Brasil tem a oportunidade de se juntar a um programa de pesquisa astronômica de longa duração que talvez seja o melhor existente hoje no mundo e no qual engenheiros, astrônomos e empresas de alta tecnologia têm a chance de trabalhar juntos”, disse o holandês Tim de Zeeuw, diretor geral da organização astronômica europeia, à Agência FAPESP, durante visita realizada por um grupo de jornalistas brasileiros às instalações do ESO no Chile, no início de novembro, a convite da organização.
Apesar de ainda não ter se credenciado oficialmente, o Brasil já é tratado e citado como membro oficial em diversos materiais de divulgação do consórcio astronômico europeu – como, por exemplo, em sua página na internet – e há diversas referências ao país nas instalações do ESO no Chile.
A bandeira brasileira, por exemplo, está hasteada ao lado das flâmulas dos 14 países europeus que já são membros oficiais do consórcio, na portaria do observatório do ESO em Cerro Paranal – uma montanha com 2,6 mil metros de altitude, localizada no deserto do Atacama, nas proximidades de Cerro Armazones.
A paisagem é tão semelhante a Marte que, na primeira semana de outubro, a Agência Espacial Europeia (ESA) realizou, próximo ao observatório, um teste com um robô – chamado Bridget – para uma futura missão exploratória ao planeta vermelho.
O país também é mencionado em um local bem menos visível do observatório: um túnel subterrâneo com as cores verde e amarela, localizado no Centro de Controle do telescópio Very Large Telescope (VLT), batizado de “Avenida Brasil”, em alusão ao nome de uma telenovela brasileira exibida atualmente no Chile.
Os astrônomos brasileiros têm realizado observações de forma esporádica nos telescópios do consórcio europeu. “As propostas de pedido de tempo de observação no VLT do Brasil não têm sido constantes. Do total de quase mil propostas que recebemos por ano, só 2% são de colegas brasileiros”, contou Claudio de Figueiredo Melo, potiguar que está no ESO no Chile desde 2003 e que em abril foi nomeado a um dos cargos mais importantes na hierarquia do consórcio de pesquisa astronômica: o de diretor científico.
A fim de tentar acelerar a integração da comunidade científica de astrônomos brasileiros com o ESO, em agosto, Melo e o paulista Dimitri Alexei Gadotti – que realizou doutorado e pós-doutorado com Bolsa da FAPESP e integra a equipe permanente de astrônomos do consórcio – visitaram algumas universidades e instituições de pesquisa no Brasil para apresentar as possibilidades de pesquisa nos telescópios do observatório chileno e explicar como devem ser formatadas as propostas de pedido de tempo de observação.
O ESO também realizou em 2011 e este ano o “Dia da Indústria”, com o objetivo de apresentar a empresas brasileiras oportunidades de desenvolvimento de instrumentação científica para os telescópios. E, recentemente, aprovou um projeto para o desenvolvimento do primeiro instrumento brasileiro para ser integrado a um dos telescópios do VLT de Cerro Paranal.
O instrumento, denominado Cubes, está sendo construído por pesquisadores do IAG, da USP, em colaboração com colegas do Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA), em Minas Gerais.
Cubes é a sigla em inglês de Cassegrain U-band Brazilian-ESO Spectrograph e consiste em um espectrógrafo de baixa a média resolução, especializado em observações em comprimento de onda no ultravioleta, que será voltado a estudos sobre a composição química das galáxias. O projeto é financiado, inicialmente, pelo próprio LNA e pelo IAG.
Atualmente, os pesquisadores brasileiros envolvidos no projeto fazem ajustes no equipamento, em colaboração com engenheiros do ESO, para aumentar seu desempenho e inserir alguns componentes.
“O projeto está caminhando muito bem e vamos apresentá-lo nessa segunda etapa, de implementação, em diversas conferências com a participação de astrônomos e engenheiros do ESO que devem ocorrer nos próximos meses”, disse Beatriz Barbuy, professora do IAG e coordenadora do projeto.
A inserção do equipamento em um dos telescópios do ESO, no entanto, dependerá da ratificação do Brasil como membro efetivo do consórcio europeu de pesquisa astronômica.
Caso o Brasil não confirme sua integração ao ESO, o projeto do espectrógrafo poderá ser descartado ou transferido para um dos 14 países europeus membros do consórcio de pesquisa astronômica, disseram representantes do ESO. “No dia em que a adesão do Brasil for ratificada, o projeto de desenvolvimento do Cubes avançará”, disse Melo.
Experiência brasileira
Tanto no caso do desenvolvimento do Cubes como na construção de instrumentação científica para o GMT, a ideia é aproveitar a experiência brasileira nessa área, acumulada pela participação de pesquisadores de universidades do Estado de São Paulo com instituições de pesquisa do país, no desenvolvimento de equipamentos para telescópios.
Por meio de projetos apoiados pela FAPESP, grupos de pesquisadores do IAG, em parceria com instituições de pesquisa do país, desenvolveram um espectrógrafo de alta resolução e um imageador para o SOAR, entre outros instrumentos científicos.
“O SOAR nos permitiu iniciar o desenvolvimento de instrumentação científica de classe mundial para telescópios”, disse Steiner. “Se queremos, no futuro, estar na fronteira do conhecimento em astronomia, temos que participar tanto do uso como do desenvolvimento de instrumentação científica para esses novos telescópios.”
Agência FAPESP