“Os macrófagos são sentinelas imunológicos. São as primeiras células de defesa que chegam para fazer o reconhecimento do antígeno e determinar se ele é ou não uma ameaça ao organismo. Quando os macrófagos entram em contato com moléculas presentes em bactérias patogênicas, uma série de respostas é ativada nessas células para ajudar no controle da infecção”, disse Bortoluci.
O grupo do Instituto de Ciências Ambientais, Químicas e Farmacêuticas (ICAQF), da Unifesp, estudou especificamente o que ocorre quando os macrófagos entram em contato com uma proteína chamada flagelina, existente no flagelo (órgão de locomoção) de bactérias móveis patogênicas, como as dos gêneros Salmonella e Legionella.
Segundo Bortoluci, estudos anteriores mostraram que a flagelina se liga a dois diferentes receptores presentes nos macrófagos: um conhecido como TLR5 (toll-like receptor 5), que fica na membrana da célula, e outro chamado NLRC4 (NOD-like receptor contendo domínio CARD 4), localizado no citoplasma.
“Na presença da flagelina, o receptor NLRC4 forma um complexo molecular chamado inflamassoma. Isso tem duas consequências principais: a liberação das citocinas inflamatórias Interleucina-1 (IL-1) e Interleucina-18 (IL-18) e a indução de um tipo de morte inflamatória da célula conhecida como piroptose”, disse.
Ao contrário da apoptose, que é uma morte celular fisiológica e silenciosa, a piroptose alerta o sistema imunológico de que algo está errado. “O macrófago explode e tudo que está dentro dele é jogado para fora. Algumas dessas moléculas se ligam a outros receptores do sistema imune e isso faz com que certos tipos de células de defesa, principalmente neutrófilos, migrem para o local na tentativa de controlar a infecção”, disse Bortolucci.
Mas para que a via do inflamassoma seja ativada e a piroptose aconteça, é necessária a presença de uma proteína chamada caspase-1. Ao realizar experimentos com camundongos geneticamente modificados para não expressar a caspase-1, os pesquisadores observaram, no entanto, que outro tipo de morte inflamatória de macrófagos acontecia na presença da flagelina.
“Observamos que acontecia um tipo de morte que mesclava características da apoptose e da piroptose e que também tinha como consequência a redução do número de bactérias. Isso nos levou a desconfiar da existência de um novo mecanismo de controle de infecções, iniciado pelo reconhecimento da flagelina”, contou Bortoluci.
Ao estudar a morfologia dos macrófagos em presença da flagelina, os pesquisadores verificaram que os lisossomas (organelas responsáveis por digerir partículas vindas do meio externo e renovar as estruturas celulares) pareciam se romper momentos antes da morte celular.
Para confirmar o envolvimento dos lisossomas no processo, os pesquisadores usaram substâncias capazes de inibir a ação das catepsinas (proteases mais abundantes nessas organelas) e verificaram que tanto a resposta induzida pelo inflamassoma como a induzida pelo lisossoma eram interrompidas na ausência dessas proteínas.
“Não só descobrimos a existência desse novo processo de morte inflamatória dependente da ação de lisossomas, como também verificamos que as proteases do lisossoma – principalmente a catepsina B – regulam toda a função da via do inflamassoma. Portanto, a ativação do lisossoma pela flagelina é um evento central na resposta imunológica dentro do macrófago. Mesmo quando a via clássica do inflamassoma está preservada, os macrófagos necessitam dessa via lisossomal para acionar a sua morte inflamatória”, afirmou Bortoluci.
Aplicações
Na avaliação de Bortoluci, além de ampliar o conhecimento sobre o sistema imunológico, a descoberta pode ser útil para pesquisas que visam ao desenvolvimento de novos adjuvantes – substâncias acrescentadas à composição de vacinas com o objetivo de potencializar a resposta imunológica contra o patógeno.
“Grande parte das vacinas hoje existentes são pouco imunogênicas, pois usam microrganismos mortos ou atenuados. Por esse motivo, é comum a adição de adjuvantes. Eles causam uma reação inflamatória no organismo e isso faz com que a resposta seja mais eficiente”, explicou a professora da Unifesp.
O único adjuvante aprovado para uso humano até o momento é o hidróxido de alumínio. De acordo com Bortoluci, diversas pesquisas in vitro e em animais foram feitas com a flagelina, que tem se revelado um potente adjuvante.
“Ainda não abordamos essa questão, mas é possível que parte do efeito adjuvante da flagelina seja devido à sua ação sobre os lisossomas, o que os torna potenciais alvos terapêuticos”, disse Bortoluci.
Agência FAPESP