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Ao estudar in vitro a interação entre macrófagos e uma bactéria do gênero Salmonella, pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) descobriram um mecanismo até então desconhecido do sistema imunológico para o controle de infecções. Os resultados da pesquisa foram divulgados em agosto na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS). Realizada com apoio da FAPESP por meio do Programa Jovens Pesquisadores em Centros Emergentes, a pesquisa foi coordenada por Karina Ramalho Bortoluci, professora adjunta do Departamento de Ciências Biológicas, e inclui o trabalho de doutorado de Silvia Lucena Lage.
“Os macrófagos são sentinelas imunológicos. São as primeiras células de defesa que chegam para fazer o reconhecimento do antígeno e determinar se ele é ou não uma ameaça ao organismo. Quando os macrófagos entram em contato com moléculas presentes em bactérias patogênicas, uma série de respostas é ativada nessas células para ajudar no controle da infecção”, disse Bortoluci.

O grupo do Instituto de Ciências Ambientais, Químicas e Farmacêuticas (ICAQF), da Unifesp, estudou especificamente o que ocorre quando os macrófagos entram em contato com uma proteína chamada flagelina, existente no flagelo (órgão de locomoção) de bactérias móveis patogênicas, como as dos gêneros Salmonella e Legionella.

Segundo Bortoluci, estudos anteriores mostraram que a flagelina se liga a dois diferentes receptores presentes nos macrófagos: um conhecido como TLR5 (toll-like receptor 5), que fica na membrana da célula, e outro chamado NLRC4 (NOD-like receptor contendo domínio CARD 4), localizado no citoplasma.

“Na presença da flagelina, o receptor NLRC4 forma um complexo molecular chamado inflamassoma. Isso tem duas consequências principais: a liberação das citocinas inflamatórias Interleucina-1 (IL-1) e Interleucina-18 (IL-18) e a indução de um tipo de morte inflamatória da célula conhecida como piroptose”, disse.

Ao contrário da apoptose, que é uma morte celular fisiológica e silenciosa, a piroptose alerta o sistema imunológico de que algo está errado. “O macrófago explode e tudo que está dentro dele é jogado para fora. Algumas dessas moléculas se ligam a outros receptores do sistema imune e isso faz com que certos tipos de células de defesa, principalmente neutrófilos, migrem para o local na tentativa de controlar a infecção”, disse Bortolucci.

Mas para que a via do inflamassoma seja ativada e a piroptose aconteça, é necessária a presença de uma proteína chamada caspase-1. Ao realizar experimentos com camundongos geneticamente modificados para não expressar a caspase-1, os pesquisadores observaram, no entanto, que outro tipo de morte inflamatória de macrófagos acontecia na presença da flagelina.

“Observamos que acontecia um tipo de morte que mesclava características da apoptose e da piroptose e que também tinha como consequência a redução do número de bactérias. Isso nos levou a desconfiar da existência de um novo mecanismo de controle de infecções, iniciado pelo reconhecimento da flagelina”, contou Bortoluci.

Ao estudar a morfologia dos macrófagos em presença da flagelina, os pesquisadores verificaram que os lisossomas (organelas responsáveis por digerir partículas vindas do meio externo e renovar as estruturas celulares) pareciam se romper momentos antes da morte celular.

Para confirmar o envolvimento dos lisossomas no processo, os pesquisadores usaram substâncias capazes de inibir a ação das catepsinas (proteases mais abundantes nessas organelas) e verificaram que tanto a resposta induzida pelo inflamassoma como a induzida pelo lisossoma eram interrompidas na ausência dessas proteínas.

“Não só descobrimos a existência desse novo processo de morte inflamatória dependente da ação de lisossomas, como também verificamos que as proteases do lisossoma – principalmente a catepsina B – regulam toda a função da via do inflamassoma. Portanto, a ativação do lisossoma pela flagelina é um evento central na resposta imunológica dentro do macrófago. Mesmo quando a via clássica do inflamassoma está preservada, os macrófagos necessitam dessa via lisossomal para acionar a sua morte inflamatória”, afirmou Bortoluci.

Aplicações

Na avaliação de Bortoluci, além de ampliar o conhecimento sobre o sistema imunológico, a descoberta pode ser útil para pesquisas que visam ao desenvolvimento de novos adjuvantes – substâncias acrescentadas à composição de vacinas com o objetivo de potencializar a resposta imunológica contra o patógeno.

“Grande parte das vacinas hoje existentes são pouco imunogênicas, pois usam microrganismos mortos ou atenuados. Por esse motivo, é comum a adição de adjuvantes. Eles causam uma reação inflamatória no organismo e isso faz com que a resposta seja mais eficiente”, explicou a professora da Unifesp.

O único adjuvante aprovado para uso humano até o momento é o hidróxido de alumínio. De acordo com Bortoluci, diversas pesquisas in vitro e em animais foram feitas com a flagelina, que tem se revelado um potente adjuvante.

“Ainda não abordamos essa questão, mas é possível que parte do efeito adjuvante da flagelina seja devido à sua ação sobre os lisossomas, o que os torna potenciais alvos terapêuticos”, disse Bortoluci.

Agência FAPESP