Submit to FacebookSubmit to Google PlusSubmit to TwitterSubmit to LinkedIn
O clima no Brasil nas próximas décadas deverá ser mais quente – com aumento gradativo e variável da temperatura média em todas as regiões do país entre 1 ºC e 6 ºC até 2100, em comparação à registrada no fim do século 20. No mesmo período, também deverá diminuir significativamente a ocorrência de chuvas em grande parte das regiões central, Norte e Nordeste do país. Nas regiões Sul e Sudeste, por outro lado, haverá um aumento do número de precipitações.
As conclusões são do primeiro Relatório de Avaliação Nacional (RAN1) do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC), cujo sumário executivo foi divulgado nesta segunda-feira (09/08), durante a 1ª Conferência Nacional de Mudanças Climáticas Globais (Conclima). Organizado pela FAPESP e promovido com a Rede Brasileira de Pesquisa e Mudanças Climáticas Globais (Rede Clima) e o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas (INCT-MC), o evento ocorre até a próxima sexta-feira (13/09), no Espaço Apas, em São Paulo.

De acordo com o relatório, tendo em vista que as mudanças climáticas e os impactos sobre as populações e os setores econômicos nos próximos anos não serão idênticos em todo o país, o Brasil precisa levar em conta as diferenças regionais no desenvolvimento de ações de adaptação e mitigação e de políticas agrícolas, de geração de energia e de abastecimento hídrico para essas diferentes regiões.

Dividido em três partes, o Relatório 1 – em fase final de elaboração – apresenta projeções regionalizadas das mudanças climáticas que deverão ocorrer nos seis diferentes biomas do Brasil até 2100, e indica quais são seus impactos estimados e as possíveis formas de mitigá-los.

As projeções foram feitas com base em revisões de estudos realizados entre 2007 e início de 2013 por 345 pesquisadores de diversas áreas, integrantes do PBMC, e em resultados científicos de modelagem climática global e regional.

“O Relatório está sendo preparado nos mesmos moldes dos relatórios publicados pelo Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas [IPCC, na sigla em inglês], que não realiza pesquisa, mas avalia os estudos já publicados”, disse José Marengo, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e coordenador do encontro.

“Depois de muito trabalho e interação, chegamos aos resultados principais dos três grupos de trabalho [Bases científicas das mudanças climáticas; Impactos, vulnerabilidades e adaptação; e Mitigação das mudanças climáticas]”, ressaltou.

Principais conclusões

Uma das conclusões do relatório é de que os eventos extremos de secas e estiagens prolongadas, principalmente nos biomas da Amazônia, Cerrado e Caatinga, devem aumentar e essas mudanças devem se acentuar a partir da metade e no fim do século 21.

A temperatura na Amazônia deverá aumentar progressivamente de 1 ºC a 1,5 ºC até 2040 – com diminuição de 25% a 30% no volume de chuvas –, entre 3 ºC e 3,5 ºC no período de 2041 a 2070 – com redução de 40% a 45% na ocorrência de chuvas –, e entre 5 ºC a 6 ºC entre 2071 a 2100.

Enquanto as modificações do clima associadas às mudanças globais podem comprometer o bioma em longo prazo, a questão atual do desmatamento decorrente das intensas atividades de uso da terra representa uma ameaça mais imediata para a Amazônia, ponderam os autores do relatório.

Os pesquisadores ressaltam que estudos observacionais e de modelagem numérica sugerem que, caso o desmatamento alcance 40% na região no futuro, haverá uma mudança drástica no padrão do ciclo hidrológico, com redução de 40% na chuva durante os meses de julho a novembro – o que prolongaria a duração da estação seca e provocaria o aquecimento superficial do bioma em até 4 ºC.

Dessa forma, as mudanças regionais decorrentes do efeito do desmatamento se somariam às provenientes das mudanças globais e constituíram condições propícias para a savanização da Amazônia – problema que tende a ser mais crítico na região oriental, ressaltam os pesquisadores.

“As projeções permitirão analisar melhor esse problema de savanização da Amazônia, que, na verdade, percebemos que poderá ocorrer em determinados pontos da floresta, e não no bioma como um todo, conforme previam alguns estudos”, destacou Tércio Ambrizzi, um dos autores coordenadores do sumário executivo do grupo de trabalho sobre a base científica das mudanças climáticas.

A temperatura da Caatinga também deverá aumentar entre 0,5 ºC e 1 ºC e as chuvas no bioma diminuirão entre 10% e 20% até 2040. Entre 2041 e 2070 o clima da região deverá ficar de 1,5 ºC a 2,5 ºC mais quente e o padrão de chuva diminuir entre 25% e 35%. Até o final do século, a temperatura do bioma deverá aumentar progressivamente entre 3,5 ºC e 4,5 ºC  e a ocorrência de chuva diminuir entre 40% e 50%. Tais mudanças podem desencadear o processo de desertificação do bioma.   

Por sua vez, a temperatura no Cerrado deverá aumentar entre 5 ºC e 5,5 ºC e as chuvas diminuirão entre 35% e 45% no bioma até 2100. No Pantanal, o aquecimento da temperatura deverá ser de 3,5ºC a 4,5ºC até o final do século, com diminuição acentuada dos padrões de chuva no bioma – com queda de 35% a 45%.         

Já no caso da Mata Atlântica, como o bioma abrange áreas desde a região Sul do país, passando pelo Sudeste e chegando até o Nordeste, as projeções apontam dois regimes distintos de mudanças climáticas.

Na porção Nordeste deve ocorrer um aumento relativamente baixo na temperatura – entre 0,5 ºC e 1 ºC – e decréscimo nos níveis de precipitação (chuva) em torno de 10% até 2040. Entre 2041 e 2070, o aquecimento do clima da região deverá ser de 2 ºC a 3 ºC, com diminuição pluviométrica entre 20% e 25%. Já para o final do século – entre 2071 e 2100 –, estimam-se condições de aquecimento intenso – com aumento de 3 ºC a 4 ºC na temperatura – e diminuição de 30% a 35% na ocorrência de chuvas.         

Nas porções Sul e Sudeste as projeções indicam aumento relativamente baixo de temperatura entre 0,5 ºC e 1 ºC até 2040, com aumento de 5% a 10% no número de chuva. Entre 2041 e 2070 deverão ser mantidas as tendências de aumento gradual de 1,5 ºC a 2 ºC na temperatura e de 15% a 20% de chuvas.  

Tais tendências devem se acentuar ainda mais no final do século, quando o clima deverá ficar entre 2,5 ºC e 3 ºC mais quente e entre 25% e 30% mais chuvoso.         

Por fim, para o Pampa, as projeções indicam que até 2040 o clima da região será entre 5% e 10% mais chuvoso e até 1 ºC mais quente. Já entre 2041 e 2070, a temperatura do bioma deverá aumentar entre 1 ºC e 1,5 ºC  e haverá uma intensificação das chuvas entre 15% e 20%. As projeções para o clima da região no período entre 2071 e 2100 são mais agravantes, com aumento de temperatura de 2,5 ºC a 3 ºC e ocorrência de chuvas entre 35% e 40% acima do normal.                  

“O que se observa, de forma geral, é que nas regiões Norte e Nordeste do Brasil a tendência é de um aumento de temperatura e de diminuição das chuvas ao longo do século”, resumiu Ambrizzi.       

“Já nas regiões mais ao Sul essa tendência se inverte: há uma tendência tanto de aumento da temperatura – ainda que não intenso – e de precipitação”, comparou.

Impactos e adaptação

As mudanças nos padrões de precipitação nas diferentes regiões do país, causadas pelas mudanças climáticas, deverão ter impactos diretos na agricultura, na geração e distribuição de energia e nos recursos hídricos das regiões, uma vez que a água deve se tornar mais rara nas regiões Norte e Nordeste e mais abundante no Sul e Sudeste, alertam os pesquisadores.

Por isso, será preciso desenvolver ações de adaptação e mitigação específicas e rever decisões de investimento, como a construção de hidrelétricas nas regiões leste da Amazônia, onde os rios poderão ter redução da vazão da ordem de até 20%, ressalvaram os pesquisadores.

“Essas variações de impactos mostram que qualquer tipo de estratégia planejada para geração de energia no leste da Amazônia está ameaçada, porque há uma série de fragilidades”, disse Eduardo Assad, pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

“Dará para contar com água. Mas até quando e onde encontrar água nessas regiões são incógnitas”, disse o pesquisador, que é um dos coordenadores do Grupo de Trabalho 2 do relatório, sobre Impactos, vulnerabilidades e adaptação.

De acordo com Assad, é muito caro realizar ações de adaptação às mudanças climáticas no Brasil em razão das fragilidades que o país apresenta tanto em termos naturais – com grandes variações de paisagens – como socioeconômicas.

“A maior parte da população brasileira – principalmente a que habita as regiões costeiras do país – está vulnerável aos impactos das mudanças climáticas. Resolver isso não será algo muito fácil”, estimou.

Entre os setores econômicos do país, segundo Assad, a agricultura é um dos poucos que vêm se adiantando para se adaptar aos impactos das mudanças climáticas.

“Já estamos trabalhando com condições de adaptação há mais de oito anos. É possível desenvolver cultivares tolerantes a temperaturas elevadas ou à deficiência hídrica [dos solos], disse Assad.

O pesquisador também ressaltou que os grupos populacionais com piores condições de renda, educação e moradia sofrerão mais intensamente os impactos das mudanças climáticas no país. “Teremos que tomar decisões rápidas para evitar que tragédias aconteçam.”

Mitigação

Mercedes Bustamante, professora da Universidade de Brasília (UnB), e uma das coordenadoras do Grupo de Trabalho 3, sobre Mitigação das Mudanças Climáticas, apresentou uma síntese de estudos e pesquisas sobre o tema, identificando lacunas do conhecimento e direcionamentos futuros em um cenário de aquecimento global.

Bustamante apontou que a redução das taxas de desmatamento entre 2005 e 2010 – de 2,03 bilhões de toneladas de CO2 equivalente para 1,25 bilhão de toneladas – já tiveram efeitos positivos na redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE) decorrentes do uso da terra.

“As emissões decorrentes da geração de energia e da agricultura, no entanto, aumentaram em termos absolutos e relativos, indicando mudanças no perfil das emissões brasileiras”, disse.

Mantidas as políticas atuais, a previsão é de que as emissões decorrentes dos setores de energia e de transportes aumentem 97% até 2030. Será preciso mais eficiência energética, mais inovação tecnológica e políticas de incentivo ao uso de energia renovável para reverter esse quadro.

Na área de transporte, as recomendações vão desde a transformação de um modal – fortemente baseado no transporte rodoviário – e o uso de combustíveis tecnológicos. “É preciso transferir do individual para o coletivo, investindo, por exemplo, em sistemas aquaviários e em veículos elétricos e híbridos”, ressaltou Bustamante.

O novo perfil das emissões de GEE revela uma participação crescente do metano – de origem animal – e do óxido nitroso – relacionado ao uso de fertilizantes. “Apesar desses resultados, a agricultura avançou no desenvolvimento de estratégias de mitigação e adaptação”, ponderou.

Para a indústria, responsável por 4% das emissões de GEE, a lista de recomendações para a mitigação passa pela reciclagem, pela utilização de biomassa renovável, pela cogeração de energia, entre outros.

As estratégias de mitigação das mudanças climáticas exigem, ainda, uma revisão do planejamento urbano de forma a garantir a sustentabilidade também das edificações de forma a controlar, por exemplo, o consumo da madeira e garantir maior eficiência energética na construção civil.

Informação para a sociedade

Os pesquisadores participantes da redação do relatório destacaram que, entre as virtudes do documento, está a de reunir dados de estudos científicos realizados ao longo dos últimos anos no Brasil que estavam dispersos e disponibilizar à sociedade e aos tomadores de decisão informações técnico-científicas críveis capazes de auxiliar no desenvolvimento de estratégias de adaptação e mitigação para os possíveis impactos das mudanças climáticas.  

“Nós, cientistas, temos o desafio de conseguir traduzir a seriedade e a gravidade do momento e as oportunidades que as mudanças climáticas globais encerram para a sociedade. Sabemos que a inação representa a ação menos inteligente que a sociedade pode tomar”, disse Paulo Nobre, coordenador da Rede Clima.

Por sua vez, Celso Lafer, presidente da FAPESP, destacou, na abertura do evento, que a Fundação tem interesse especial nas pesquisas sobre mudanças climáticas, expresso no Programa FAPESP de Pesquisa em Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG), mantido pela instituição.

“Uma das preocupações básicas da FAPESP é pesquisar e averiguar o impacto das mudanças climáticas globais naquilo que afeta as especificidades do Brasil e do Estado de São Paulo”, afirmou.

Também participaram da abertura do evento Bruno Covas, secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, Carlos Nobre, secretário de Políticas e Programa de Pesquisa e Desenvolvimento (Seped) do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), e Paulo Artaxo, membro da coordenação do PFPMCG.

Carlos Nobre ressaltou que o relatório será a principal fonte de informações que orientará o Plano Nacional de Mudanças Climáticas que, no momento, está em revisão.

“É muito importante que os resultados desse estudo orientem os trabalhos em Brasília e em várias partes do Brasil, em um momento crítico de reorientar a política nacional, que tem de ir na direção de tornar a economia, a sociedade e o ambiente mais resilientes às inevitáveis mudanças climáticas que estão por vir”, afirmou.

Segundo ele, o Brasil já sinalizou compromisso com a mitigação, materializado na Política Nacional de Mudanças Climáticas e que prevê redução de 10% e 15% das emissões entre 2010 e 2020, respectivamente, relativamente a 2005.

“São Paulo lançou, em 2009, um programa ambicioso, de redução de 20% das emissões, já que a questão da mudança no uso da terra não é uma questão tão importante no Estado, mas sim o avanço tecnológico na geração de energia e em processos produtivos. O Brasil é o único país em desenvolvimento com metas voluntárias para redução de emissões”.
 
Ele ressaltou, entretanto, que “a adaptação ficou desassistida". "Não é só mitigar; é preciso também se adaptar às mudanças climáticas. As três redes de pesquisa – Clima, INCT e FAPESP – avançam na adaptação, que é o guia para o desenvolvimento sustentável.”

Por Elton Alisson. Colaboraram Claudia Izique e Noêmia Lopes

Agência FAPESP