Os resultados preliminares da pesquisa, realizada com apoio da FAPESP, foram apresentados durante a 28ª Reunião Anual da Federação de Sociedades de Biologia experimental (FeSBE), realizada entre os dias 21 e 24 de agosto em Caxambu, Minas Gerais.
“Nossa hipótese é que o acetato, um ácido graxo de cadeia curta produzido em grandes quantidades por bactérias da espécie B. longum (BL), seja o responsável pela diminuição da inflamação alérgica”, disse Caroline Marcantonio Ferreira, pesquisadora do Instituto de Ciências Biomédicas da USP e coordenadora da pesquisa.
Segundo Ferreira, são considerados probióticos os microrganismos que, quando ingeridos vivos e em quantidades adequadas, promovem benefícios à saúde.
“Dados da literatura científica indicam que devem existir entre 107 e 109 unidades formadoras de colônia por grama ou por mililitro do alimento para entrar na definição de probiótico. Em quantidades muito pequenas, os microrganismo não conseguem colonizar o intestino e promover benefícios”, afirmou.
Ferreira conta que o uso de probióticos tem sido recomendado desde o século 19. Até pouco tempo atrás, no entanto, o objetivo era apenas promover benefícios locais, como a regularização do intestino e o combate a doenças inflamatórias intestinais crônicas.
“Nos últimos cinco anos, porém, estudos começaram a apontar efeitos benéficos dos probióticos em órgãos distantes, como pulmão e cérebro. Há trabalhos mostrando até que a microbiota intestinal influencia o comportamento. Mas ainda há muitas lacunas e essas relações precisam ser mais bem estudadas. Nós estamos tentando desvendar o efeito dos probióticos sobre a asma”, explicou.
Para a realização do experimento, os animais foram divididos em seis grupos. O primeiro, considerado controle, recebeu apenas placebo e não passou pelo procedimento para indução da asma.
No segundo grupo, foi induzida a asma e os animais foram tratados apenas com placebo. O terceiro grupo apenas recebeu o tratamento com o probiótico BL. O quarto, recebeu apenas tratamento com um outro tipo de probiótico chamado Bifidobacterium adolescentis (BA), que também produz acetato, mas em menor quantidade. O quinto grupo foi tratado com BL e passou pela indução da asma. O sexto, foi tratado com BA e passou pela indução da asma.
“A utilização de duas bactérias probióticas que produzem diferentes quantidades de acetato permite avaliar a importância dessa substância – e a quantidade necessária – para a prevenção da asma”, afirmou a pesquisadora.
O tratamento com os dois tipos de probióticos teve início duas semanas antes do procedimento que induziu nos animais uma inflamação alérgica semelhante à da asma. As bactérias foram administradas diretamente no esôfago dos animais por um método conhecido como gavagem.
“Camundongos não sofrem de asma naturalmente, mas há várias formas de induzir a doença para criar um modelo experimental. Nós usamos o método mais clássico, que é a administração de uma proteína do ovo chama ovalbumina, alergênica para os roedores”, contou Ferreira.
Em um primeiro momento, a ovalbumina foi administrada sistemicamente duas vezes em um intervalo de 7 dias, para promover a sensibilização do sistema imunológico. Após o intervalo de 14 e 21 dias, a proteína foi novamente administrada no pulmão. “As células de defesa, já sensibilizadas, agem rapidamente e desencadeiam a inflamação alérgica no local”, contou Ferreira.
Durante o período de indução da alergia, o tratamento com os probióticos foi mantido. No final, os pesquisadores compararam diversos marcadores inflamatórios nos diferentes grupos.
A análise das vias aéreas mostrou que, no grupo controle, 90% das células eram macrófagos. Já nos animais asmáticos não tratados, entre 60% e 70% das células presentes na amostra eram eosinófilos, consideradas marcadores da asma.
No grupo tratado com BL, a presença de eosinófilos caiu pela metade, ficando entre 20% e 30%. Nos animais tratados com BA foi observada uma redução menor desse marcador, que ficou entre 40% a 45%.
Para medir a presença de muco, uma amostra do tecido pulmonar foi retirada para análise histológica. O grupo asmático tratado com BL apresentou resultados semelhantes ao do grupo controle – o que significa que o probiótico inibiu quase totalmente a produção de muco. Já o grupo tratado com BA apresentou resultado equivalente aos asmáticos tratados com placebo: 80% das células estavam cobertas de muco.
Por último, no teste de função pulmonar, os pesquisadores observaram que o tratamento com BL reduziu em 35% a hiper-reatividade brônquica. O tratamento com BA não alterou esse parâmetro.
Modular o sistema biológico
Em um outro experimento, os animais asmáticos foram tratados apenas com o acetato – em dois diferentes protocolos de administração – e os resultados foram ainda mais promissores do que o tratamento com os probióticos.
“Para o primeiro grupo administramos o acetato sistemicamente, por meio de injeções intraperitoneais diárias. Para o outro grupo, o acetato foi colocado na água. Aparentemente a administração na água foi ainda mais eficaz. Talvez isso ocorra porque a todo momento o animal bebe o líquido e mantém estável o nível de acetato no organismo ao longo do dia. Mas precisamos repetir o experimento para poder afirmar com certeza”, disse Ferreira.
A hipótese levantada pela pesquisadora é de que o acetato atua por meio de um receptor chamado GPR43, expresso nas células dendríticas do sistema imunológico.
“Quando o receptor é ativado nessa células, de alguma maneira ainda não muito conhecida, ocorre a inibição da resposta inflamatória do tipo Th2 nas vias aéreas (tipo de resposta inflamatória alérgica)”, contou.
O próximo passo, de acordo com Ferreira, é tratar os camundongos asmáticos com a bactéria B. longum já morta. O objetivo é verificar se o benefício do probiótico está de fato relacionado a uma substância produzida pelo microrganismo ou se a simples presença da membrana bacteriana é capaz de modular o sistema imunológico.
“Para provar definitivamente que o benefício se deve ao acetato precisaríamos produzir uma bactéria geneticamente modificada para não produzir essa substância. Seria um desafio muito grande”, disse Ferreira.
O contrário também poderia ser feito, caso fique comprovada a relação entre o acetato e a diminuição da inflamação, afirmou Ferreira. “Poderíamos modificar geneticamente a bactéria para fazê-la produzir ainda mais acetato, o que, em tese, tornaria o tratamento ainda mais eficaz. Esse é o caminho dos estudos com probióticos. Desvendar como eles atuam e para quais doenças podem trazer benefícios”, afirmou Ferreira.
Agência FAPESP