Na ocasião, foram notificados 33 mil casos de dengue tipo 2 na região, ainda que os especialistas estimem que o número real de infectados seja pelo menos cinco vezes maior.
De acordo com os resultados, a variabilidade genética do vírus encontrada dentro de um mesmo indivíduo (intra-hospedeiro) foi de aproximadamente 0,002% – muito menor do que a apontada em estudos anteriores, contou Camila Malta Romano, pesquisadora do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo, da USP, e autora da pesquisa que contou com apoio da FAPESP.
“Os trabalhos anteriores usaram métodos tradicionais de sequenciamento, bem mais trabalhosos e caros. Por isso, apenas uma determinada região do genoma era analisada e nem todas as partículas virais eram amostradas. Em nossa pesquisa, graças às técnicas de sequenciamento em larga escala, geramos praticamente uma sequência completa para cada partícula de vírus existente na amostra, o que dá uma profundidade de análise muito maior”, contou.
Como as amostras foram coletadas em diferentes momentos da epidemia, entre fevereiro e junho, também foi possível observar que o vírus se manteve praticamente estável durante todo o surto, acrescentou Romano.
“Acreditava-se que a variabilidade genética do DENV fosse muito mais alta pelo fato de ele ser um vírus de RNA, assim como o HIV (causador da Aids) e o HCV (causador da hepatite C). Ao contrário dos vírus de DNA, que usam o maquinário celular do hospedeiro para se replicar, os vírus de RNA se replicam por conta própria. Isso significa que não há mecanismos de correção de erros no processo e, por conta disso, é esperada pelo menos uma mutação a cada progênie”, explicou a pesquisadora.
Uma das hipóteses dos cientistas para explicar a menor variabilidade genética do DENV em relação aos outros vírus de RNA é o fato de ele ter de se alternar entre dois hospedeiros muito diferentes – mosquito e homem – para completar seu ciclo de transmissão.
“Do ponto de vista evolutivo, essa alternância entre um vertebrado e um invertebrado exerce uma pressão muito forte para que o DENV não mude muito. Se ele acumular muitas mutações, pode perder a adaptação que o torna capaz de se replicar tanto no homem quanto no mosquito. Esse tipo de mecanismo evolutivo já foi demonstrado para o vírus causador da febre amarela”, disse Romano.
Outra possível explicação para a maior estabilidade do DENV está relacionada ao fato de a dengue ser uma infecção aguda – que dura entre 5 e 10 dias.
“O organismo não tem tempo para montar uma resposta imunológica específica contra o vírus. É diferente do HIV, por exemplo, que causa uma doença crônica, está em constante briga com o sistema imune e precisa se modificar o tempo todo para driblar as defesas do organismo. No caso do DENV, essa pressão seletiva é menor”, afirmou Romano.
Implicações
Segundo o infectologista e imunologista Esper Georges Kallás, professor da disciplina de Imunologia Clínica e Alergia da Faculdade de Medicina da USP e coautor do estudo, as informações detalhadas sobre o genoma do DENV obtidas no estudo poderão ajudar a identificar regiões do vírus capazes de ativar uma resposta imunológica – o que abre caminho para o desenvolvimento de uma vacina.
“Como o vírus da dengue é menos diverso do que se imaginava, aumentam as chances de um imunizante funcionar. Embora tenhamos estudado apenas o sorotipo 2, temos uma forte suspeita de que essa pouca variabilidade deve ocorrer também nos demais sorotipos”, afirmou Kallás.
O grande desafio, segundo o pesquisador, é encontrar a combinação certa de antígenos capazes de induzir uma resposta imunológica eficaz contra os quatro sorotipos da dengue ao mesmo tempo.
“Sabemos que as manifestações mais graves da doença estão associadas a uma segunda infecção. Se você fizer uma vacina que protege apenas parcialmente, pode, portanto, estar dando um tiro no pé. A pessoa imunizada, caso seja infectada pelo sorotipo contra o qual a vacina não é eficaz, vai correr maior risco de desenvolver a forma hemorrágica do que uma pessoa não vacinada e que nunca teve dengue”, explicou Kallás.
A análise das amostras coletadas durante a epidemia da Baixada Santista renderam outro artigo publicado em 2010 também na PLoS One. Na ocasião, os pesquisadores mostraram que o surto no litoral paulista estava sendo causado por uma linhagem do sorotipo 2 do vírus oriunda do Caribe.
Por meio de análises filogenéticas, o grupo revelou também que a introdução dessa linhagem no Estado de São Paulo ocorreu muito antes de a epidemia acontecer – algum momento entre 2003 e 2005.
“Esse resultado serve de alerta para a necessidade de aumentar a vigilância epidemiológica. O vírus entra em uma determinada região e pode ficar um tempo despercebido, mas fatalmente vai acabar explodindo e causando uma epidemia”, avaliou Romano.
No momento, a pesquisadora coordena um outro projeto de pesquisa apoiado pela FAPESP que tem como objetivo descobrir como ocorrem as mutações adaptativas do DENV.
“O vírus está se adaptando e em algumas regiões ele já é capaz de infectar outros mosquitos do gênero Aedes – além do A. aegypti. Queremos entender como isso acontece, uma vez que acabamos de mostrar que o vírus muda pouco. Entender o que pode e o que não pode mudar quando ele salta de um hospedeiro para outro”, contou.
Para alcançar esse objetivo, os pesquisadores estão infectando mosquitos do gênero Aedes e – assim como fizeram com as amostras de sangue humano – analisando o genoma dos milhares de frações virais presentes nos insetos. Além disso, o grupo acaba de iniciar uma nova linha de pesquisa que tem como objetivo desenvolver uma droga antiviral eficaz contra o DENV.
O artigo Inter- and Intra-Host Viral Diversity in a Large Seasonal DENV2 Outbreak (doi: 10.1371/journal.pone.0070318) pode ser lido em www.plosone.org/article/info%3Adoi%2F10.1371%2Fjournal.pone.0070318#abstract0.
O artigo Characterization of Dengue Virus Type 2: New Insights on the 2010 Brazilian Epidemic (doi: 10.1371/journal.pone.0011811) pode ser lido em www.plosone.org/article/info%3Adoi%2F10.1371%2Fjournal.pone.0011811.
Agência FAPESP