O encarecimento se deve ao processo químico pelo qual o xilitol é fabricado, com o emprego de catalisadores, um processo que exige extensas etapas de purificação.
Em busca de alternativas, pesquisadores do grupo de Microbiologia Aplicada e Bioprocessos da Escola de Engenharia de Lorena da Universidade de São Paulo (EEL/USP) vêm aprimorando um método de produção biotecnológica.
O método consiste na conversão do açúcar xilose – abundante na natureza e encontrado na constituição das paredes de vegetais como cana, sorgo, trigo, aveia, arroz, milho, eucalipto e pinus – em xilitol, a partir de microrganismos que possuem a capacidade de metabolizar a xilose sob determinadas condições de cultivo.
Até recentemente, tal processo era realizado em pequena escala – na maioria das vezes com o uso de frascos Erlenmeyer (usados em laboratório) da ordem de 125 mililitros. Foi com uma pesquisa apoiada pela FAPESP entre 2010 e 2012 que a equipe ampliou a capacidade de produzir o adoçante biotecnologicamente em reatores de até 125 litros, escala mil vezes maior do que a inicial.
“Estabelecemos parâmetros importantes para a fabricação do xilitol por via biotecnológica, visando ao aumento de escala a partir do bagaço da cana, mas não somente dele. Também abrimos possibilidades para o aproveitamento de outras biomassas vegetais renováveis, como palhas de cana, arroz e trigo, bagaço de maçã e cascas de aveia e café”, disse Maria das Graças de Almeida Felipe, professora da EEL/USP e coordenadora da pesquisa, à Agência FAPESP.
O trabalho exigiu o estabelecimento das condições necessárias à utilização de diferentes materiais lignocelulósicos, que nada mais são do que biomassas vegetais como o bagaço da cana-de-açúcar, constituídos de três frações principais: celulose, hemicelulose e lignina.
Nas duas primeiras, celulose e hemicelulose, estão os carboidratos (açúcares como a glicose e a xilose), que se encontram unidos em cadeias e podem ser aproveitados como meios de cultivo de microrganismos para a obtenção de diversos produtos.
No caso do xilitol, é preciso, antes de tudo, desconstruir as cadeias dos açúcares, liberando-os das paredes vegetais. A equipe da EEL/USP fez isso por meio da chamada hidrólise com ácido sulfúrico diluído, que permite a solubilização dos açúcares, chamados, então, de hidrolisados hemicelulósicos.
“A hidrólise ácida resulta em subprodutos indesejáveis. Por conta disso, submetemos o hidrolisado a diferentes procedimentos de destoxificação”, disse Maria das Graças.
O hidrolisado hemicelulósico do bagaço de cana já sem toxinas passou, a seguir, por um processo de fermentação pela levedura Candida guilliermondii, cultivada em meios formulados com diferentes fontes de carbono (xilose, glicose e mistura de xilose e glicose).
De acordo com a coordenadora da pesquisa, “isso permitiu avaliar os efeitos conjuntos entre a fonte de carbono empregada no preparo da levedura (inóculo) e o agente destoxificante”. Para essas fermentações foram usadas condições estabelecidas em trabalhos prévios, como o uso de frascos Erlenmeyer em triplicata, agitados a 200 rotações por minuto, durante 120 horas.
Como resultado, a xilose foi a fonte de carbono que melhor favoreceu a produção do xilitol. "Optamos pelo carvão como agente de destoxificação para as fermentações seguintes por conta de seu menor custo quando comparado às resinas”, disse Maria das Graças.
Aumento de escala
As melhores condições observadas na primeira fase do projeto foram empregadas para avaliar o mesmo bioprocesso em maior escala, em reatores de 2,4 litros, 16 litros e 125 litros. Nos dois primeiros casos, as fermentações aconteceram por 144 horas e, no terceiro, por 86 horas.
“Concluímos que é possível fazer a transposição de escala nas condições avaliadas, uma vez que os resultados obtidos na produção do xilitol foram semelhantes nos fermentadores de diferentes capacidades”, disse a pesquisadora.
A fermentação em 125 litros foi a etapa mais desafiadora para a equipe. Primeiro, porque até então se desconhecia o comportamento que a levedura assumiria em tamanho reator. Somente nesse experimento, foram usados 70 litros de hidrolisado hemicelulósico, destoxificado com carvão ativado ao longo de sete dias.
Segundo, porque “poderia haver problemas na aeração do sistema, já que a disponibilidade de oxigênio é o principal parâmetro fermentativo a ser controlado para que o metabolismo seja direcionado prioritariamente à conversão da xilose em xilitol e não ao crescimento celular”, comentou Maria das Graças. Para evitar contratempos, a equipe usou o coeficiente volumétrico de transferência de oxigênio (kLa), monitorando o gás no meio líquido para aumento de escala de 2,4 até 125 litros.
Quanto ao barateamento da produção biotecnológica do xilitol em relação ao processo químico, a pesquisadora ressaltou que são necessários estudos mais aprofundados, que abranjam toda a cadeia produtiva, principalmente em relação às etapas de destoxificação do hidrolisado.
Continuidade e repercussão
Nas últimas décadas, os trabalhos da EEL/USP apontaram para a viabilidade técnica e econômica de ampliar a escala de produção do xilitol. Agora, eles abrem portas a outras frentes de estudo. Segundo Maria das Graças, “os conhecimentos que adquirimos já contribuíram para o desenvolvimento de um projeto sobre produção de etanol de segunda geração a partir do bagaço da cana em suas frações celulósica e hemicelulósica”.
Até o momento, alunos de pré-iniciação científica, iniciação científica, mestrado, doutorado e pós-doutorado da EEL/USP estiveram envolvidos em pesquisas sobre o xilitol. O projeto de ampliação de escala contou com 15 participantes, além de pesquisadores e técnicos do Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE).
“Parte dos resultados já foi divulgada na forma de trabalhos completos ou resumos em periódicos indexados, capítulos de livros e anais de eventos nacionais e internacionais. Também publicamos um livro internacional, registramos patentes e integramos dois outros projetos importantes: ‘Diretrizes de políticas públicas para a agroindústria canavieira do Estado de São Paulo’ e ‘CYTED Rede Temática 310RT0397 – Sociedade Ibero-Americana para o Desenvolvimento das Biorrefinarias (Siadeb)’”, relatou Maria das Graças.
Aplicações do xilitol
Por ser anticariogênico, o xilitol não propicia a formação de cáries dentárias como ocorre com açúcares convencionais como a sacarose. Isso porque o adoçante não é fermentado por bactérias da flora bucal – processo que contribui para a formação do ácido que ataca o esmalte dos dentes.
“Essa propriedade foi constatada já na década de 1970, em pesquisas com crianças que mascaram gomas contendo xilitol em substituição à sacarose. Os resultados demonstraram a redução da incidência de cáries, a remineralização de lesões de cáries recém-formadas e um efeito prolongado meses após os testes”, disse Maria das Graças.
Uma segunda característica relevante do xilitol é ser independente do hormônio insulina. Absorvido lentamente, tal adoçante não causa alterações rápidas nos níveis de glicose no sangue. Além disso, a glicose formada a partir de seu metabolismo não é diretamente liberada na corrente sanguínea. Esses fatores fazem do xilitol um adoçante bem tolerado por diabéticos.
Outra aplicação está no uso para o tratamento contra a osteoporose. Estudos realizados com ratos mostraram que o adoçante contribui para o aumento da massa óssea e das propriedades biomecânicas dos ossos. Os ganhos são atribuídos à absorção de cálcio pelo intestino (facilitando a passagem do sangue aos ossos), estimulada pelo xilitol.
O adoçante também é utilizado no tratamento de doenças respiratórias. Pesquisas comprovaram que a presença do xilitol em sprays nasais reduz o número de bactérias na mucosa, ajudando a diminuir o risco de infecções pulmonares. “Pode-se dizer, portanto, que o xilitol fortalece o sistema de defesa natural dos pulmões, atrasando ou prevenindo o estabelecimento de infecções bacterianas como a pneumonia”, disse Maria das Graças.
Agência FAPESP