Descritos por integrantes da equipe do paleontólogo Ismar de Carvalho, professor do Departamento de Geologia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e Cientista do Nosso Estado, da FAPERJ, eles ajudam a mostrar como se deram as transformações ambientais durante o final do mesozoico nas bacias sedimentares brasileiras.
"Pelo que já encontramos na Bacia Bauru, houve na região uma enorme diversidade de crocodilos. Ali, também foram encontrados o Armadillosuchus arrudai, o crocodilo-tatu, descrito em 2009, e o Baurusuchus salgadoensis, descrito em 2005", afirma Carvalho, coordenador do projeto Ecossistemas Terrestres do Cretáceo. Como ele explica, era de se esperar também um grande número de dinossauros, que à época espalhavam-se por todos os continentes, assim como outros tipos de répteis, como lagartos e cobras. "Mas até agora, os achados fósseis têm apontado para essa grande variedade de crocodilos, dos exemplares minúsculos a outros de até 4 metros, de predadores terrestres a espécies onívoras e aquáticas." Segundo Carvalho, toda essa diversidade, competindo por espaço e comida, talvez seja um dos motivos que explique a ausência de dinossauros. Na verdade, duas vertentes procuram esclarecer a raridade desses achados na região: a primeira fala que os dinossauros simplesmente não estariam presentes naquela área geográfica; enquanto a segunda diz que os estratos rochosos em que os fósseis têm sido coletados podem não ter apresentado condições favoráveis à preservação de ossos de dinossauros, que, embora maiores, são também mais frágeis.
Mas se, como apontam as evidências, os dinossauros foram raros, abundavam na região os crocodiliformes. Pelo fóssil batizado como Gondwanasuchus scabrosus, um crânio parcialmente completo encontrado em 2008, na cidade de General Salgado, no noroeste de São Paulo, parece tratar-se de um animal bastante peculiar. Pertencente à família dos Baurusuchidae, que compreendiam espécies capazes de sobreviver em ambientes quentes e áridos, eles devem ter sido predadores ativos. Pequenos, não maiores que 1,30 m de comprimento, o que lhes faltava em tamanho era compensado pela agilidade e pela ótima visão, que os tornavam eficientes predadores. Tais características indicam que, na região da Bacia Bauru, ele devia desempenhar um papel ecológico similar ao dos dinossauros carnívoros de pequeno porte.
"No início, o que mais me chamou a atenção nesse fóssil eram os dentes posteriores altamente comprimidos e serrilhados, como os dos dinossauros carnívoros. Outra peculiaridade é a presença de profundas estrias que percorrem da base para o ápice dos dentes, garantindo-lhes maior resistência a quebras durante a alimentação e os ataques. Tudo isso indica que ele também poderia atacar pequenas presas", explica Thiago Marinho, integrante da equipe de Carvalho, ex-bolsista PAPD-RJ, do convênio Capes/FAPERJ, que em seu pós-doutoramento ocupou-se da descrição do Gondwanasuchus e de aspectos paleoecológicos do Período Cretáceo, no sentido de ampliar o entendimento dos ecossistemas terrestres ao final da Era Mesozoica.
Ao observar o crânio, Thiago percebeu também que, pela posição das órbitas, que são mais anteriores do que na maioria dos crocodiliformes, e pelo focinho comprimido lateralmente, tudo indicava que era um animal com uma visão binocular bem desenvolvida. "Isso quer dizer que eles poderiam enxergar tridimensionalmente, o que lhes seria bastante útil para melhor avaliar a distância dos objetos observados e, assim, atacar suas presas com maior precisão", explica Marinho.
Como descreve o coordenador do projeto, além de outros baurussuquídeos, o Gondwanasuchus scabrosus convivia com crocodiliformes herbívoros da família dos esfagessaurídeos, cuja presença se torna evidente pelo fato de que embora os depósitos da Formação Adamantina em General Salgado sejam basicamente compostos por paleossolos – solos preservados no registro geológico –, sugerem que em algumas partes haveria áreas com vegetação de plantas arbustivas e arbóreas.
Um desses esfagessaurídeos é o Caipirasuchus montealtensis, outro animal de características singulares. Conforme análise descrita por outro orientando de Carvalho durante seu doutorado, Fabiano Iori, ele também tinha os olhos laterais, mas voltados para a frente, o que lhe permitia enxergar em profundidade e lhe garantia melhor visão para evitar predadores. Mas o que chamou mais atenção nesse animal foram os dentes, em nada parecidos com os de outros grupos fósseis. Enquanto os dentes anteriores se mostram pontiagudos e cônicos, adaptados para apreensão de material, os posteriores são mais comprimidos lateralmente, com quilhas denticuladas, próprios à trituração de alimentos. "Isso significa que diferente dos crocodilos atuais, que basicamente mordem e engolem a presa, sem mastigar, o Caipirasuchus apreendia sua presa, jogava-a para o interior da boca e fazia movimentos de abrir e fechar a mandíbula, num processo de mastigação", explica Carvalho. Esse também é um dos aspectos que evidenciam que não há parentesco entre os atuais crocodilos com esses esfagessaurídeos. "A analogia com os grupos atuais é claramente falha e inadequada, já que se trata de anatomias distantes, em que não há como aplicar comparações", acrescenta.
Segundo Iori, diferente dos atuais crocodilos, o Caipirasuchus montealtensis também não precisava de corpos d’água, era um animal de hábitos terrestres, com corpo esguio e patas traseiras longas, capaz de se deslocar por grandes distâncias. Os dois fósseis – do Caipirasuchus montealtensis e do Gondwanasuchus scabrosus – foram encontrados a 200 km de distância um do outro, o que também pode indicar que habitaram a região, se não na mesma época, a um intervalo de 10 a 15 milhões de anos. "Aos poucos, tudo isso nos ajuda a preencher as lacunas desse grande quebra-cabeças e compreender como foi a vida na pré-história brasileira", conclui Carvalho.
Assessoria de Comunicação FAPERJ