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Uma questão controversa está sob investigação nos laboratórios do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) e do King’s College London. Em experimentos realizados com camundongos, pesquisadores buscam saber se a obesidade, em mulheres, interfere no desenvolvimento de uma grave condição pulmonar, a Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA), que provoca a morte do paciente em até 70% dos casos.
Os pesquisadores Wothan Tavares de Lima, do ICB-USP, e Yanira Riffo Vasquez, do King’s College, que estudam o desenvolvimento da SDRA a partir de trauma isquêmico intestinal, acham que sim. Os dois conduzem uma pesquisa com apoio da FAPESP sobre o assunto.

“Não são todos os pacientes que sofreram uma isquemia que vão apresentar como resposta a Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo, mas ela não é rara e entre 50% e 70% dos pacientes que apresentam o problema morrem”, disse Lima, coordenador do Laboratório de Fisiopatologia da Inflamação Experimental do ICB-USP.

Isquemia é a interrupção momentânea da circulação sanguínea. Um trauma isquêmico intestinal pode ocorrer em decorrência de várias situações, como obstrução no intestino, cirurgias para extração de órgãos ou transplante, acidentes com trauma ou choque hemorrágico.

Um exemplo é o indivíduo que tem o baço ou o fígado perfurados em acidente de trânsito, enfrentando hemorragia interna grave. Para estancar a hemorragia no pronto-socorro, médicos costumam pinçar artérias e veias ao redor do ferimento. Essas manobras podem levar a quadros isquêmicos, uma vez que o sangue deixa de fluir momentaneamente em determinada região.

Quando o sangue para de fluir, as células passam a ter falta de oxigênio e de outros nutrientes. Algumas morrem, enquanto outras continuam trabalhando, mas sob condição inadequada, liberando produtos tóxicos que normalmente participam dos processos inflamatórios.

Estima-se que, durante a isquemia, enquanto o sangue não flui, essas substâncias fiquem represadas no local da intervenção, mas, quando o problema é resolvido e o sangue volta a circular – processo denominado de reperfusão –, elas são disseminadas pelo corpo. “A consequência disso por vezes é devastadora, porque todos os órgãos passam a receber estímulos pró-inflamatórios”, disse Lima.

Em geral, o pulmão é o primeiro órgão a manifestar alterações quando tais produtos tóxicos se espalham. “Os mediadores inflamatórios chegam à região do parênquima pulmonar, da microcirculação, onde se localizam os alvéolos, brônquios e bronquíolos e ocorrem as trocas gasosas, e produzem uma inflamação que aumenta a permeabilidade vascular”, explicou o pesquisador.

O órgão passa a acumular líquido e uma grande quantidade de neutrófilos, um tipo de célula inflamatória, desenvolvendo inflamação pulmonar aguda, que pode evoluir para a SDRA. “Como são variadas as situações capazes de levar à isquemia e provocar a síndrome, é muito importante entender esse processo”, disse Lima.

Experiência em laboratório

Ainda não há um protocolo de tratamento específico para a SDRA, a não ser a manutenção farmacológica da função pulmonar. Tampouco se sabe como e quando ela ocorrerá, como explica a chilena Yanira Vasquez, que fez graduação e mestrado na USP antes de se mudar para Londres e seguir carreira no King’s College.

O peso do paciente é um foco da pesquisa. “Queremos saber se a obesidade protege ou expõe mais as pessoas à inflamação pulmonar após uma isquemia com reperfusão”, afirmou Vasquez.

No laboratório do ICB-USP foram desenvolvidos os modelos usados na pesquisa – dois grupos de camundongos fêmeas, obesas e com peso normal. Os grupos receberam dietas distintas: uma convencional e outra hiperlipídica. Após 10 semanas, os animais foram induzidos a isquemia e reperfusão intestinal.

“Após a dieta, avaliamos o grupo de fêmeas obesas e o de peso normal com relação aos parâmetros de resposta inflamatória e de migração de células para dentro do pulmão, além das células produzidas na medula óssea”, disse Lima. Feita a isquemia, as células sanguíneas vão para o pulmão, mas a medula produz novas células para suprir o organismo.

No laboratório do King’s College, em Londres – especializado em doenças pulmonares e com tradição no estudo do papel das plaquetas na inflamação –, os pesquisadores fizeram ensaios in vitro com as plaquetas dos camundongos para observar como elas ajudam as células a saírem de um vaso e atingir o local da inflamação.

“As plaquetas atuam como um lubrificante, facilitando a passagem das células, e liberam grande quantidade de mediadores inflamatórios. Com isso, podem ter um papel fundamental na reperfusão, após uma isquemia. Conseguimos medir os caminhos dessa migração e deduzir o que ocorre com o animal obeso submetido a isquemia e reperfusão”, disse Vasquez.

A hipótese dos pesquisadores é que, enquanto nos camundongos de peso normal as plaquetas são “sequestradas” para atuar no sítio inflamatório e se encontram em número menor pelo restante do corpo após a isquemia, os camundongos obesos entrariam no processo (de isquemia e reperfusão) com um número menor de plaquetas em circulação e nada ocorreria com o número de plaquetas no corpo – evitando, assim, o possível desenvolvimento da síndrome por um processo inflamatório.

Os resultados do estudo deverão ser publicados em breve, de acordo com os pesquisadores, que no momento trabalham com os dados da pesquisa e a redação de um artigo. O quadro de SDRA em decorrência de isquemia e reperfusão se manifesta de forma mais grave no homem do que na mulher, segundo estudos anteriores. Por isto, Lima e colegas também investigam o papel dos hormônios sexuais femininos em inflamações das vias respiratórias.

Agência FAPESP