“A cada descoberta, conhecemos melhor a diversidade dos fungos que ocorrem no Brasil e no mundo, a história genealógica do grupo e as relações entre os seres que o compõem. E essa ampliação de conhecimentos com certeza será ainda maior quando identificarmos todos os materiais que coletamos”, afirma Marina Capelari, pesquisadora científica do IBt/SP e coordenadora do estudo responsável pelas descobertas.
Foram coletados fungos da ordem Agaricales, que reúne espécies de grande variedade morfológica, incluindo as popularmente conhecidas como cogumelos (cogumelo ou basidioma são as estruturas de reprodução sexuada entre os Agaricales). Também foram realizadas coletas no Parque Estadual das Fontes do Ipiranga (Pefi) e no Parque Estadual da Cantareira.
Três artigos já foram publicados sobre as espécies novas encontradas em Paranapiacaba, com a descrição de espécies, combinações – espécies anteriormente descritas no âmbito de um gênero e então recombinadas para outro – e uma variação – espécie que se aproxima de outra, mas tem alguma particularidade que a distingue. New species and new combinations of Calliderma, publicado em Mycologia, descreve duas novas espécies (Calliderma fibulatum e C. rimosum) e propõe duas novas combinações (Calliderma pruinatocutis e C. tucuchense).
O artigo Two new species of Marasmius section Neosessiles (Marasmiaceae) from an Atlantic rain forest area of São Paulo State, Brazil, publicado em Nova Hedwigia, descreve outras duas novas espécies: Marasmius cystidioccultus e M. plenicystidiosus.
Inocephalus (Entolomataceae, Agaricales) from São Paulo State, Brazil, também publicado em Nova Hedwigia, cita uma série de descobertas a respeito do gênero Inocephalus: três novas espécies (Inocephalus cervinus, I. mucronatus e I. tenuis); uma variedade (I. glycosmus); quatro novas combinações (Inocephalus azureoviridis, I. cystidiophorus, I. dennisii e I. flavotinctus); e uma nova citação para a região metropolitana de São Paulo (Inocephalus virescens).
Outro resultado prático do estudo foi a obtenção de culturas puras de várias espécies, principalmente do gênero Marasmius, que poderão ser analisadas em estudos aplicados que envolvam enzimas, por exemplo.
“Além disso, o desenvolvimento do projeto possibilitará a formação de três doutores em taxonomia de Agaricales, que podem continuar o levantamento das espécies de fungos em território paulista no futuro”, afirma a pesquisadora. Os alunos de doutorado do IBt/SP envolvidos no estudo são Jadson José Souza de Oliveira e Fernanda Karstedt (com bolsas da FAPESP) e Nelson Menolli Junior (com bolsa do CNPq).
Análise das amostras
O projeto, desenvolvido entre 2010 e 2012, começou com o levantamento bibliográfico e do material já depositado em herbário – bastante reduzido no caso da Reserva Biológica de Paranapiacaba. Em seguida, a equipe foi a campo, com coletas quinzenais ou mensais nas reservas. “O tratamento inicial do material envolveu a descrição macroscópica de cada amostra, com registros fotográficos; o isolamento em meio de cultura, para viabilizar análises moleculares posteriores; a secagem e o preparo necessários à preservação e à inclusão em herbários”, explica Capelari.
Quando partiram para a identificação e descrição morfológica completa dos fungos, os pesquisadores levantaram aspectos macro e microsópicos dos basidiomas (ou cogumelos). Para os macroscópicos, o foco foram as três estruturas principais dos basidiomas: píleo, lamelas e estipe.
O píleo, o “chapéu” do cogumelo, foi analisado segundo forma, superfície, consistência, margem, coloração e dimensão. As lamelas, que são as lâminas na superfície inferior do píleo, foram analisadas de acordo com a forma de fixação à estipe, a coloração e a borda da margem. E a estipe, o “pé” do cogumelo, foi analisada conforme sua forma, superfície, ápice e/ou base, consistência, coloração e dimensão.
Já para as análises microscópicas, a equipe fez cortes transversais nas lamelas, à mão livre e com lâminas de barbear, e observou em microscopia óptica (em média com 800 aumentos) as seguintes estruturas: superfície superior (tipo e características das hifas), hifas do contexto do píleo (coloração, septo, espessura da parede e diâmetro), trama da lamela (arranjos e hifas) e himênio (características dos basídios, basidiósporos e cistídios). “Essa etapa foi trabalhosa e demorada. Nem sempre é possível visualizar todas as estruturas em um único corte. Às vezes, é necessário fazer diversos cortes e medir cada estrutura muitas vezes, entre 20 e 50, para analisar as variações das características”, diz Capelari.
Cada nova identificação foi feita com o auxílio de chaves de identificação e a comparação com descrições já publicadas e, muitas vezes, com materiais depositados em herbário. “Também foi fundamental fazer o sequenciamento do DNA das coletas, uma vez que a taxonomia morfológica nem sempre é suficiente para identificar uma espécie. Não é mandatório pelo Código de Nomenclatura, mas vários periódicos não têm aceitado a publicação de espécies novas sem a confirmação molecular”, afirma a pesquisadora. Nesse caso, os principais genes envolvidos são o ITS e o nLSU – os primeiros a serem utilizados na taxonomia da ordem Agaricales e de outros grupos de fungos – e a análise das sequências de pares é feita por programas computacionais específicos.
Outros apoios e continuidade das pesquisas
O estudo contou ainda com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), por meio do Programa de Pós-graduação em Biologia Vegetal e Meio Ambiente, e tem a participação de profissionais de instituições estrangeiras. Jean-Marc Moncalvo, do Royal Ontario Museum (no Canadá), supervisiona o estágio no exterior de Jadson José Souza de Oliveira. Sarah Bergemann, da Middle Tennessee State University (MTSU, nos Estados Unidos), supervisiona o estágio no exterior de Fernanda Karstedt.
Alfredo Justo e David Hibbett, da Clark University (nos Estados Unidos), receberam Nelson Menolli Junior em um estágio de curta duração e são colaboradores em publicações do gênero Pluteus, assim como Andrew Minnis, do Agricultural Research Service of United States Department of Agriculture (ARS/USDA, nos Estados Unidos).
À frente de projetos de taxonomia a desde sua tese de mestrado, iniciada em 1982, a pesquisadora Marina Capelari reforça a importância da formação de novos recursos humanos para a continuidade das coletas de fungos: “O Estado de São Paulo conta com poucos taxonomistas especializados na área e muitas de nossas reservas florestais ainda carecem de estudos”.
Ao contrário das plantas, que florescem em toda estação, fixas no mesmo lugar, a formação dos basidiomas depende da temperatura, da umidade, do substrato e da frequência com que cada espécie se reproduz. De acordo com Capelari, “certos cogumelos são encontrados todos os anos, enquanto outros demoram mais de uma década para serem coletados novamente. É impossível, portanto, amostrar todas as espécies de uma região em um período de dois anos e é fundamental investir em um esforço de coleta sistemático”.
Agência FAPESP