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Pesquisa realizada na Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp) indica que a melatonina – hormônio cuja principal função é regular o sono – também pode ajudar a combater o câncer de mama. Em experimentos feitos no Laboratório de Investigação Molecular do Câncer (LIMC), sob a coordenação da professora Debora Aparecida Pires de Campos Zuccari e com apoio da FAPESP, a substância foi capaz de reduzir pela metade, em média, o crescimento do tumor em camundongos.
Os resultados foram apresentados no dia 13 de junho, durante o congresso Next Frontiers to Cure Cancer, organizado em São Paulo pelo A.C.Camargo Cancer Center.

“Existiam evidências na literatura científica sobre os efeitos benéficos da melatonina contra diversos tipos de tumores e decidimos testar com o câncer de mama, que é uma linha de pesquisa antiga do laboratório”, contou Zuccari à Agência FAPESP.

A melatonina é secretada naturalmente pela glândula pineal, localizada no cérebro, e participa da regulação do ciclo de sono e vigília em todos os mamíferos. Em alguns países, a substância também pode ser encontrada em farmácias na forma de suplemento alimentar, mas no Brasil a venda não é autorizada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Segundo Zuccari, estudos anteriores indicaram que, em doses terapêuticas – acima dos níveis naturalmente encontrados no organismo –, a melatonina tem ação antioxidante, ajudando a livrar as células de radicais livres que podem causar dano ao DNA. Além disso, ela inibe a atividade da telomerase, enzima cuja expressão aumenta nas células malignas para favorecer sua proliferação.

“Diversos trabalhos mostraram que o tumor, muitas vezes, é capaz de manipular as defesas do organismo, fazendo até mesmo as citocinas pró-inflamatórias trabalharem a seu favor. A melatonina parece modular essa resposta imune, impedindo que as células malignas se multipliquem tão livremente”, explicou a pesquisadora.

Antes de testar a ação da melatonina em camundongos, o grupo liderado por Zuccari avaliou o efeito de diferentes doses da substância em dois modelos in vitro de câncer de mama. Os experimentos foram realizados durante o doutorado de Bruna Victorasso Jardim, com Bolsa da FAPESP.

“Usamos duas linhagens diferentes de células tumorais. A primeira, do tipo carcinoma ductal invasivo, mimetiza o tipo de tumor mais comum em mulheres, que dificilmente causa metástase e geralmente tem um bom prognóstico. O outro modelo representa tumores do pior tipo, também conhecido como triplo negativo, pois não responde nem ao tratamento antiestrogênico, nem à quimioterapia, nem à radioterapia. São células mais indiferenciadas e com tendência metastática”, contou Zuccari.

O objetivo do experimento era ver o impacto da melatonina sobre a viabilidade celular, ou seja, sobre a capacidade de multiplicação das células em cultura.

“Quando o tumor entra em processo de crescimento exponencial, parte do tecido começa a sofrer de hipóxia (falta de oxigênio) e isso estimula a expressão dos genes responsáveis pela formação de novos vasos sanguíneos, principalmente o VEGF (fator de crescimento endotelial vascular), para aumentar o aporte de nutrientes no local”, explicou Zuccari.

Para simular a situação de hipóxia in vitro, os pesquisadores aplicaram cloreto de cobalto nas culturas celulares. A substância consome o oxigênio do meio e estimula a expressão dos genes responsáveis pela formação de novos vasos. A presença das proteínas HIF-1-alfa e VEGF foram usadas como marcadores de que, de fato, as células entraram no processo de angiogênese.

Parte das culturas foi então tratada com doses de melatonina que variaram entre 0,5 e 10 milimols (mmol). Nas linhagens de células metastáticas, a dose de 1 mmol foi a que mostrou maior benefício, reduzindo em 50% a viabilidade celular quando comparada ao controle.

“Já nas linhagens de carcinoma ductal invasivo, todas as doses foram capazes de reduzir a viabilidade celular em mais de 50%. Acreditamos que o benefício se deva ao fato de que esse tipo de tumor é sensível ao estrogênio e a melatonina se liga nos receptores de estrogênio. Já no caso das células metastáticas, o mecanismo de interação ainda não está bem estabelecido, precisamos investigar melhor”, disse Zuccari.

Ensaios in vivo

O passo seguinte foi transplantar a linhagem de células metastáticas para o dorso de camundongos imunossuprimidos e avaliar se o tratamento com melatonina seria capaz de inibir o crescimento do tumor.

“Usamos animais imunossuprimidos porque, caso contrário, o sistema imunológico dos animais destruiria as células estranhas e o tumor não seria capaz de se desenvolver de qualquer forma. Também optamos por usar apenas as linhagens de células metastáticas por serem mais agressivas. O outro modelo tumoral demoraria muito para crescer e não teria resultados tão significativos”, explicou Zuccari.

Os roedores foram divididos em dois grupos. Metade recebeu 1 miligrama de melatonina diário, durante 21 dias, a contar do momento em que o transplante de células tumorais foi realizado. A outra metade recebeu apenas placebo, com o objetivo de manter o mesmo nível de estresse do outro grupo.

“Não usamos doses maiores no modelo animal para evitar possíveis efeitos neurotóxicos da melatonina que poderiam comprometer o tratamento”, disse Zuccari.

Os animais tratados com melatonina apresentaram tumores significativamente menores do que os animais controle após 21 dias de tratamento – em média 144,89 mm3 (± 38,37 mm3) contra 282,03 mm3 (± 88,52 mm3).

A média do volume tumoral dos animais controle aumentou significativamente entre o dia 14 e o dia 21 – de 118,90 mm3 (± 40,17 mm3) para 282,00 mm3 (± 88,53 mm3) –, o que não foi observado nos animais tratados com melatonina.

Além disso, houve regressão do tumor em um dos animais tratados com melatonina – passando de 27,38mm3 no dia 7, para 8,79 mm3 no dia 14 e 4,8 mm3 no dia 21 –, o que não foi observado nos animais controle. “Estamos agora fazendo a análise da expressão proteica para entender por que nesse animal o benefício foi maior”, disse Zuccari.

Os experimentos in vivo foram feitos por Jardim no Hospital Henry Ford, nos Estados Unidos, com com Bolsa Estágio de Pesquisa no Exterior da FAPESP.

Atualmente, Zuccari supervisiona outro estudo de pós-doutorado, conduzido por Thaiz Ferraz Borin no Hospital Henry Ford, cujo objetivo é avaliar a eficácia da melatonina na prevenção da metástase.

“Nesse modelo, as células da linhagem metastática são injetadas pela veia da cauda do camundongo. Vamos avaliar se o tratamento com melatonina consegue impedir a fixação das células malignas em outros tecidos”, explicou a pesquisadora.

O grupo do LIMC também pesquisa, in vitro, a ação da melatonina em tumores de cabeça e pescoço e de fígado. Na avaliação de Zuccari, já há evidências suficientes para a realização de um estudo clínico em mulheres com câncer de mama.

“No início, porém, teríamos de começar com pacientes de pior prognóstico, que já não têm alternativa de tratamento. Isso porque, no caso de pacientes com bom prognóstico, correríamos o risco de a melatonina, uma droga considerada alternativa, intervir na eficácia do tratamento padrão”, ponderou.
 
Agência FAPESP