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Os pequenos produtores estabelecidos na fronteira agrícola amazônica brasileira estão utilizando pesticidas em doses maiores, com maior frequência do que as recomendações agronômicas e, em alguns casos, de maneira inadequada para as pragas que pretendem controlar. Já os grandes produtores de soja e cana-de-açúcar da região seguem mais as recomendações agronômicas e até mesmo substituem compostos mais tóxicos para a saúde humana por outros menos danosos.
O balanço entre esses distintos padrões de uso parece ser negativo: uma pesquisa indica que os riscos de impactos de pesticidas sobre espécies aquáticas, como os peixes, aumentou significativamente. Isso porque, com a intensificação da agricultura na fronteira agrícola amazônica, elas estão sendo aplicadas em doses maiores e, apesar de serem menos tóxicas para os humanos e outras espécies de mamíferos, podem ser mais maléficas para organismos menores.

O trabalho foi feito por pesquisadores da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da Universidade de São Paulo (USP), em colaboração com colegas do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), do Departamento de Ciências Biomédicas da Universidade de Medicina Veterinária de Viena, na Áustria, e do Instituto Alterra, da Holanda.

Os resultados da pesquisa, desenvolvida no âmbito de um projeto com apoio da FAPESP, foram publicados em um volume temático especial sobre a fronteira agrícola amazônica publicado pela Philosophical Transactions of The Royal Society.

“Observamos que os pequenos produtores na fronteira agrícola amazônica fazem uso grosseiro e descontrolado de pesticidas e, apesar de alguns grandes produtores da região seguirem as recomendações técnicas e terem substituído voluntariamente defensivos tóxicos por outros menos danosos, a ‘pegada ecológica’ desses compostos aumentou ao longo do tempo”, disse Luís César Schiesari, professor da EACH e primeiro autor do estudo, à Agência FAPESP, referindo-se ao impacto ecológico do uso inadequado de pesticida.

Os pesquisadores analisaram os padrões de uso de pesticidas por produtores de diferentes perfis na fronteira agrícola amazônica e os potenciais riscos de seu uso sobre a biodiversidade da região.

Para isso, realizaram, a partir de 2005, entrevistas com 220 pequenos produtores de frutas e verduras de quatro cidades na região central da Amazônia, na várzea do rio Solimões, e com administradores de uma fazenda de cultivo de soja de 80 mil hectares, localizada no Mato Grosso, na borda da Amazônia, e de outra propriedade, com 60 mil hectares, em processo de conversão para plantio de cana-de-açúcar, situada na região do rio Negro.

Os dados de aplicação de pesticidas, fornecidos pelos próprios produtores, revelaram que 96% dos pequenos agricultores aplicam as substâncias em suas lavouras em dose e frequência maiores do que a recomendação técnica.

Já os grandes produtores seguem mais de perto as recomendações técnicas e até mesmo diminuíram o uso de compostos mais danosos à saúde humana e ao meio ambiente, conforme a classificação de risco toxicológico e ambiental adotada pelos Ministérios da Saúde e do Meio Ambiente.

Por outro lado, aumentaram o arsenal e a dose de pesticidas utilizados – o que elevou os riscos de danos a espécies de animais, conforme os pesquisadores observaram por meio de uma série de cálculos feitos para medir o impacto do uso inadequado dos pesticidas na biodiversidade da região.

“Constatamos que o aumento da dose e da diversidade de pesticidas utilizados pelos grandes produtores causou uma queda no risco para os mamíferos que habitam esses ambientes”, contou Schiesari.

“Em contrapartida, o risco para os organismos aquáticos aumentou até 135 vezes, conforme verificamos por meio de cálculos baseados em dados de toxicidade dos pesticidas utilizados para algas, peixes e zooplâncton [animais microscópicos que vivem em suspensão no ambiente aquático]”, afirmou.

De acordo com Schiesari, uma das explicações para essa diferença é que a categorização desses compostos segundo seus possíveis impactos à saúde humana é feita utilizando como modelo ratos de laboratório. Dessa forma, o sistema de classificação de riscos só é válido para os mamíferos.

“O risco de toxicidade apresentado por um determinado pesticida, no entanto, pode variar muito de um organismo para outro. Um composto menos danoso para ratos não apresenta, necessariamente, menor risco para peixes, aves e insetos”, comparou.

Áreas mais suscetíveis

Segundo Schiesari, as fronteiras agrícolas (regiões de conversão de habitats naturais para a agricultura) são as áreas mais suscetíveis aos impactos ambientais. Isso porque, como estão concentradas hoje em florestas tropicais – caracterizadas por grande biodiversidade –, são ambientes onde há um número maior de espécies que até então não tinham sido expostas aos riscos de práticas de manejo da terra potencialmente danosas, como o uso indiscriminado de pesticidas. São, portanto, espécies mais vulneráveis à contaminação ambiental, por exemplo.

“Em paisagens agrícolas tradicionais, muitas espécies já foram perdidas e as remanescentes podem apresentar algum nível de evolução de tolerância à contaminação ambiental não só por pesticidas, mas também por metais pesados”, disse Schiesari. “No caso das fronteiras agrícolas isso não acontece, porque há fauna e flora mais diversa, sem contato prévio com práticas agrícolas danosas.”

Os pesquisadores defendem que as fronteiras agrícolas recebam uma atenção maior de ações voltadas a promover práticas de manejo mais sustentáveis, como a regulamentação e o controle do uso de substâncias.

Reconhecidos como ferramentas importantes para a agricultura, por possibilitarem o aumento da produtividade agrícola, os pesticidas são formulados para terem efeito biológico sobre pragas agrícolas, mas podem causar danos a outras espécies, agindo sobre mecanismos fisiológicos basais e comuns a diversos organismos, conta Schiesari.

“Muitos pesticidas têm mecanismos de ação que consistem em agir sobre processos fisiológicos comuns a um vasto número de organismos – na respiração celular, transmissão de impulsos neuronais ou formação de fusos que separam os cromossomos na divisão celular, por exemplo. Dessa forma, podem ter impactos sobre diversos organismos sem nenhuma relação com a praga que o defensivo pretende controlar”, disse.

O pesquisador avalia que a minimização do risco de contaminação ambiental por pesticidas só pode ser efetivamente feita com o envolvimento de múltiplos atores, como organizações governamentais e ambientais, entre outras.

“É preciso uma regulamentação mais adequada, que leve em consideração particularidades de regiões tropicais megadiversas e, ao mesmo tempo, maior rigor no controle de uso dos pesticidas”, afirmou Schiesari.

“Os produtores têm que ter amplo acesso à educação e aos serviços de extensão rural e serem recompensados pelo governo ou pelo mercado por adotarem de forma voluntária de melhores práticas agrícolas”, disse.

“Há espaço para melhora no uso de pesticidas tanto entre os pequenos agricultores, cuja produção é familiar e voltada para abastecer a demanda por alimentos de Manaus, quanto entre os grandes produtores que, mesmo adotando práticas que não só atendem, mas até ultrapassam a legislação, ainda que possivelmente movidos por interesses econômicos, causam impactos substanciais pela escala e intensidade de produção”, avaliou Schiesari.

O artigo Pesticide use and biodiversity conservation in the Amazonian agricultural frontier (doi: 10.1098/rstb.2012.0378), de Schiesari e outros, pode ser lido na Philosophical Transactions of The Royal Society em rstb.royalsocietypublishing.org/content/368/1619/20120378.short?cited-by=yes&legid=royptb;368/1619/20120378.
 
Agência FAPESP