Os dados são do 2º Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (Lenad), organizado pelo médico Ronaldo Laranjeira, coordenador da Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
A pesquisa contou com apoio da FAPESP por meio do Instituto Nacional de Políticas sobre Álcool e Outras Drogas (Inpad). Um dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs) instalados em São Paulo, o Inpad é coordenado por Laranjeira.
As entrevistas foram realizadas em 2012 pelo Ipsos Public Affairs e os dados foram divulgados nesta quarta-feira (10/04). Foram ouvidas 4.607 pessoas maiores de 14 anos, em 149 municípios de todas as regiões brasileiras. Os participantes responderam a um questionário com mais de 800 perguntas que tinha como objetivo avaliar o padrão de uso de álcool, tabaco e drogas ilícitas, além de fatores associados ao uso problemático dessas substâncias, como depressão e violência.
A primeira edição da pesquisa, realizada em 2006 com 3.007 entrevistados e apoio da FAPESP, surpreendeu especialistas em saúde de todo o Brasil – e o próprio Laranjeira – ao revelar um índice alto de abstinência no país: 48%. “Durante mais de 30 anos, acreditei que a taxa brasileira era semelhante à europeia, em torno de 12%”, contou o pesquisador.
A boa notícia é que no levantamento mais recente o número de abstêmios se manteve praticamente estável – com leve alta para 52%. Porém, entre os bebedores, aqueles que adotam um padrão de consumo de álcool considerado nocivo e batizado de “binge” – quatro unidades de álcool para mulheres e cinco para homens em uma única ocasião – aumentou de 45% para 59%. Mais uma vez a mudança é maior quando se considera apenas a população feminina, passando de 36% para 49%.
“O aumento do consumo entre as mulheres, especialmente nesse padrão ‘binge’, terá consequências importantes do ponto de vista da saúde pública no médio prazo. Vai aumentar as taxas de câncer da mulher brasileira”, estima Laranjeira.
Segundo o médico, as evidências apontam que o consumo de duas ou mais doses de álcool por dia pela mulher aumenta em 20% o risco de câncer de mama. Estima-se que 30% dos casos de câncer na população em geral tenham o álcool como um agente causador.
Para Laranjeira, no entanto, um dos dados mais preocupantes é que 20% dos adultos bebedores consomem 56% de todo o álcool vendido no país. A maioria desse grupo é composta por homens jovens, com menos de 30 anos.
“O padrão brasileiro é o de beber fora de casa, nas ruas, nos bares, e de forma excessiva. Os jovens bebem para ficar bêbados e isso aumenta muito o risco de prejuízos à saúde e de envolvimento com violência, drogas e outros comportamentos de risco. A ideia que a indústria do álcool tenta passar, de que no Brasil todo mundo bebe um pouco, não é verdadeira”, afirmou Laranjeira.
O 2º Lenad mostrou também que, entre os bebedores, 16% consomem quantidades nocivas de álcool nas ocasiões em que bebem e dois em cada dez apresentaram critérios para abuso ou dependência – o que corresponde à realidade de 11,7 milhões de brasileiros.
Ainda entre os bebedores, 32% afirmaram já não terem sido capazes de parar depois de começar a beber; 10% disseram que alguém já se machucou em consequência do seu consumo de álcool; 8% admitiram que a bebida já teve efeito prejudicial no trabalho e 9% admitiram prejuízo na família ou no relacionamento.
Quase um terço dos homens jovens bebedores abusivos se envolveu em briga com agressão física no último ano. O levantamento também mostrou um índice mais elevado de depressão entre os que abusam de álcool: 41%. A média de depressão na população em geral é de 25%. “É preciso desassociar a imagem do álcool à alegria. Quem bebe e bebe muito tem mais chance de ficar depressivo do que de ficar feliz”, destacou Laranjeira.
Regulamentação do mercado
Na avaliação de Laranjeira, o crescimento econômico do Brasil nos últimos 10 anos e o consequente aumento da renda per capita é uma das razões do aumento no consumo de álcool – o que torna o país um mercado promissor para a indústria de bebidas.
“O brasileiro em geral está com maior poder aquisitivo. Quem não gastava dinheiro com álcool continua não gastando. Mas os que bebem estão gastando mais com bebida, especialmente as mulheres”, disse o professor da Unifesp.
Outro fator por trás dessa mudança no padrão de consumo, segundo Laranjeira, é a falta de regulamentação do mercado ou fiscalização efetiva. “Como não há regras feitas pelo governo ou pela sociedade, quem comanda o show é a indústria do álcool”, afirmou.
Além de aumento no preço da bebida alcoólica, Laranjeira defende a diminuição dos pontos de venda – que, segundo dados da Ambev, somam 1 milhão em todo o país.
“Há um ponto de venda de bebida alcoólica para cada 200 habitantes no Brasil. E a maioria vende para qualquer pessoa, inclusive para menores de idade. São Paulo é o único estado com uma lei rígida para inibir a venda de bebida para adolescentes, mas ainda precisa avançar na fiscalização”, avaliou.
Laranjeira também defende a proibição da propaganda de bebida alcoólica nos meios de comunicação, que considera direcionada principalmente à população jovem.
“Outra medida importante é regular o horário dos pontos de venda. Quando Diadema proibiu o funcionamento dos bares após as 23 horas, a mortalidade por homicídio caiu mais de 90% no município. Isso é um exemplo de uma medida política que faz a diferença. Já campanhas educativas em escolas, por exemplo, adiantam muito pouco”, opinou.
Lei seca
Uma boa notícia revelada pelo 2º Lenad é que a nova legislação relacionada aos limites de álcool no sangue tolerados para a condução de veículos – popularmente chamada de “Lei seca” – vem surtindo efeitos. De forma geral, houve queda de 21% na proporção de indivíduos que relatam ter dirigido após o consumo de álcool no último ano.
“A população está respondendo à legislação, mas o índice de pessoas que bebe e depois dirige ainda é alto, em torno de 21%. Nos países desenvolvidos é de 1% ou 2%. Só a manutenção dessa política e o aumento da fiscalização conseguirão fazer os números caírem ainda mais”, disse Laranjeira.
Agência FAPESP