Diferentemente do Plasmodium falciparum, o P. Vivax não causa mortalidade, supostamente não é resistente às drogas e é impossível cultivá-lo em laboratório, o que dificulta a pesquisa de sua biologia.
Nos últimos dez anos, no entanto, começaram a surgir no mundo inteiro – inclusive no Brasil – casos de pacientes diagnosticados com malária causada por P. vivax que começaram a apresentar complicações de saúde e, em alguns casos, chegaram a óbito.
A fim de aumentar a compreensão sobre o parasita – até então considerado benigno –, grupos de pesquisa na Austrália, nos Estados Unidos, em Cingapura e no Brasil se dedicam a estudá-lo. Os esforços de pesquisa, no entanto, estão aquém do necessário, alertam os malariologistas.
“É preciso aumentar os investimentos em pesquisa sobre Plasmodium vivax porque se sabe pouquíssimo sobre ele no mundo, em parte em razão das dificuldades técnicas para estudá-lo, como a impossibilidade de cultivo”, disse Fábio Trindade Maranhão Costa, professor do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), à Agência FAPESP. “Cada vez mais tem aumentado a letalidade do parasita e já foi reportado que ele apresenta quimiorresistência [resistência a fármacos].”
Costa proferiu conferência sobre patogênese e desenvolvimento de vacina para combater Plasmodium vivax no Simpósio Japão-Brasil sobre Colaboração Científica. Organizado pela FAPESP e pela Sociedade Japonesa para a Promoção da Ciência (JSPS), o evento foi realizado nos dias 15 e 16 de março na Universidade Rikkyo, com apoio da Embaixada do Brasil em Tóquio.
De acordo com Costa, os primeiros casos de agravamento de quadro clínico de pacientes com malária causada por Plasmodium vivax no Brasil foram reportados por pesquisadores da Fundação de Medicina Tropical de Manaus (Amazonas) – cidade que, com Porto Velho (Rondônia) e Cruzeiro do Sul (Acre), é responsável por 20% dos casos de malária no país.
De modo a conseguir obter amostras do parasita dos pacientes e poder fazer ensaios no prazo máximo de 48 horas – o tempo de vida do patógeno fora do hospedeiro –, o pesquisador iniciou há quatro anos uma colaboração com o grupo de Manaus.
Uma das descobertas feitas pelo grupo, no âmbito de um projeto de pesquisa apoiado pela FAPESP, foi que, apesar de o Plasmodium vivax ser genética e morfologicamente muito diferente do Plasmodium falciparum, eles possuem algumas características de patogênese similar.
Em um artigo publicado no Journal of Infectious Diseases em 2010, os pesquisadores brasileiros demonstraram que o parasita também tem a capacidade de aderir aos endotélios pulmonar e cerebral e à placenta.
“Essa descoberta foi muito importante porque, até então, havia um entendimento de que só o Plasmodium falciparum poderia ter essa capacidade adesiva porque apenas ele é letal”, afirmou Costa.
“Percebemos também que, apesar das complicações de saúde causadas por eles serem em um determinado momento parecidas, de modo geral, os fatores que causam essas complicações parecem ser bastante distintos”, afirmou.
Diferenças
Segundo Costa, uma das diferenças entre os dois parasitas é que, quando se trata rápido o paciente com malária causada por Plasmodium falciparum, é possível controlar indiretamente a transmissão da doença. Já no caso de malária causada por Plasmodium vivax, não.
Dessa forma, é possível diminuir significativamente os casos de malária por Plasmodium falciparum. No caso da doença causada por Plasmodium vivax, não se pode controlá-la na mesma proporção, mesmo se houver um bom atendimento médico.
“Isso faz com que no Brasil, onde o atendimento médico vem melhorando ao longo dos anos, a maioria dos casos atuais de malária seja causada por Plasmodium vivax”, explicou Costa.
Na Ásia, de acordo com o pesquisador, o Plasmodium vivax é responsável por cerca da metade dos casos de malária na região. A tendência, no entanto, é que ele supere o número de casos da doença por Plasmodium falciparum.
“Existe malária causada por Plasmodium vivax, por exemplo, na fronteira entre a Coreia do Norte e a do Sul, ao lado do Japão”, disse Costa. A transmissão do parasita pode ocorrer em temperaturas mais amenas, além de apresentar formas dormentes no fígado.
Continuação das pesquisas
Atualmente, o grupo de pesquisadores brasileiros investiga outras características de patogênese do Plasmodium vivax e a relação de alguns aspectos com a biologia do parasita, o que inclui sua infectividade.
Algumas das questões para as quais eles pretendem encontrar respostas, por meio de um projeto de pesquisa, realizado com apoio da FAPESP, é entender qual a relação com a capacidade do parasita aderir aos endotélios pulmonar e cerebral e à placenta e sua biologia.
“O Plasmodium falciparum, por exemplo, infecta qualquer célula do sangue. Já o Plasmodium vivax infecta só os eritrócitos jovens, que nós chamamos de reticulócitos”, comparou Costa.
Recentemente, os cientistas, em colaboração com colegas de Cingapura, conseguiram desenvolver uma metodologia capaz de fazer com que, quando o parasita rompe a célula consiga penetrar em outro reticulócito.
Os resultados do estudo foram publicados na revista Blood e podem auxiliar no desenvolvimento de uma vacina para tratamento da malária causada por Plasmodium vivax.
“Algumas das questões que estudamos tem aplicabilidade direta no desenvolvimento de uma vacina que seria capaz de inibir essa penetração do reticulócito pelo Plasmodium vivax e quais moléculas fazem parte deste processo”, disse Costa.
Em locais com casos de malária por Plasmodium vivax, a doença é tratada com medicamentos diferentes. No Brasil, o tratamento preconizado é com cloroquina. A droga, no entanto, não é mais utilizada para o tratamento de malária causada por Plasmodium falciparum porque o patógeno apresenta quimiorresistência a ela.
“A cloroquina é uma droga barata, conhecida, bem estudada e que, inclusive, tem aplicabilidade contra infecções virais”, disse Costa.
“Como ela foi utilizada amplamente no pós-guerra, de maneira não controlada, no entanto, o Plasmodium facilparum apresenta quimiorresistência a ela”, explicou.
Agência FAPESP