O problema afeta uma em cada 20 mil pessoas e costuma ser diagnosticado ainda na infância.
“Em 1995, os cientistas descobriram que a XLH era resultado de uma mutação em um gene chamado PHEX, responsável por codificar uma enzima de mesmo nome. Mas, até agora, não se sabia qual era o papel dessa enzima e como a sua ausência ou seu mau funcionamento poderia desencadear a doença”, explicou Nilana Barros, professora da Unifesp e coordenadora do estudo apoiado pela FAPESP.
Em experimentos feitos em camundongos portadores da mesma mutação genética dos pacientes com XLH (camundongos Hyp), o grupo mostrou, pela primeira vez, que a enzima PHEX é responsável por degradar uma proteína chamada osteopontina.
“Nos ossos, a osteopontina tem uma potente ação inibitória da mineralização. Ela precisa existir em quantidades reguladas, pois o tecido não deve mineralizar o tempo todo. Mas observamos que nos ossos dos camundongos Hyp a osteopontina e alguns fragmentos específicos desta proteína ficam intensamente acumulados. Isso significa que a mineralização está sendo constantemente inibida, prejudicando o ‘endurecimento’ dos ossos”, afirmou Barros.
Em testes in vitro, os pesquisadores mostraram que, de fato, a enzima PHEX é capaz de degradar completamente a osteopontina a ponto de inativá-la.
“Com base nessa descoberta, é possível desenvolver uma terapia de reposição enzimática para tratar portadores de XLH de forma mais eficiente”, disse a pesquisadora.
Atualmente, segundo Barros, o tratamento padrão consiste em administrar altas doses de fosfato e calcitriol (uma forma da vitamina D), mas os resultados não são satisfatórios. “Diversos estudos mostram que o crescimento das crianças não é corrigido em muitos casos, e procedimentos ortopédicos são necessários para resolver deformidades na perna. Além disso, a terapia está associada a complicações renais. Por essa razão, pacientes adultos muitas vezes só recebem tratamento quando são afetados por pseudofraturas ou dor óssea constante”, explicou.
Abrindo portas
Foi ainda durante seu pós-doutorado – realizado sob a supervisão da professora Adriana Karaoglanovic Carmona, da Unifesp, e com Bolsa da FAPESP – que Barros começou a suspeitar que a osteopontina era a peça que faltava no quebra-cabeça da XLH.
“A literatura científica apontava para diversas outras moléculas como candidatas a substrato da PHEX. Mas, quanto mais eu estudava, mais eu acreditava que bioquimicamente havia uma afinidade entre essa enzima e a osteopontina. Foi uma combinação de ciência, dedicação, persistência e sorte”, disse Barros.
Desde as suspeitas até a confirmação, foram quatro anos de intenso trabalho, com a colaboração de Carmona e do professor Marc McKee, especialista em doenças ósseas da Universidade McGill e coordenador da pesquisa no Canadá. Os resultados serão publicados em março no Journal of Bone and Mineral Research, principal revista científica da área.
Nesta primeira etapa, o grupo investigou a interação da PHEX e da osteopontina apenas no osso, principal tecido afetado em portadores de XLH. Mas os experimentos continuam e agora o grupo está estudando o impacto sistêmico do acúmulo de osteopontina no organismo e sua influência sobre a regulação de fosfato.
“Ela é uma molécula multifuncional. Sofre algumas variações e pode desempenhar funções diferentes em cada um dos tecidos em que está presente”, contou Barros.
Já se sabe, por exemplo, que a osteopontina também existe em quantidades acima do normal em pessoas com câncer, mesmo sem a mutação genética que causa a XLH.
“Quanto mais agressivo é o tumor, maior é a quantidade de osteopontina. Nosso grupo descobriu também que a enzima PHEX está presente em tumores e agora tentamos desvendar por que ela não está regulando a osteopontina nesse caso”, disse.
De acordo com Barros, a literatura científica apontava a presença de PHEX apenas em ossos e dentes. “Mas estamos vendo que essa enzima é crucial para modular a osteopontina também em outros tecidos”, disse a pesquisadora.
Agência FAPESP