Com isso, não apenas as células malignas eram afetadas, mas também os tecidos normais que se renovam rapidamente”, disse Schwartsmann à Agência FAPESP.
Em consequência, segundo o pesquisador, as chamadas quimioterapias tiveram como característica a baixa seletividade pelo câncer e a ocorrência de efeitos tóxicos em tecidos normais com alta taxa de renovação, como a raiz dos pelos, a medula óssea e as células de revestimento.
Com as descobertas sobre a genética do câncer e o entendimento dos defeitos moleculares responsáveis pelo seu surgimento, tornou-se possível a identificação de vários defeitos moleculares envolvidos na gênese de alguns tipos de câncer.
“Isso proporcionou que fossem desenvolvidas estratégias de tratamento mais racionais e seletivas, dirigidas à correção de defeitos moleculares específicos. Ou seja, hoje a tônica é identificar um alvo molecular relevante, entender a função dos genes alterados, identificar as proteínas anormais resultantes destes defeitos genéticos, e buscar, com isso, novas alternativas terapêuticas que visem corrigir o impacto destes defeitos moleculares na regulação do crescimento celular”, disse Schwartsmann.
Dentre as estratégias mais utilizadas nas duas últimas décadas para interferir nos defeitos moleculares associados à gênese de tumores malignos, destacam-se a produção de anticorpos monoclonais que possam bloquear a sinalização – por receptores situados na superfície da célula tumoral e que confiram função anormal ou por meio de pequenas moléculas que possam inibir enzimas específicas que fazem parte dessas cadeias de sinalização de crescimento anormal no interior da célula maligna.
“Essas pequenas moléculas podem ser usadas em muitos casos por via oral – portanto de forma muito mais tranquila do que quimioterapias tóxicas injetáveis. Entretanto, para que essas estratégias tenham alguma chance de êxito, é fundamental que os alvos moleculares escolhidos sejam relevantes para o crescimento do tumor. De nada adianta interferir em um alvo que não seja importante para o crescimento das células malignas”, explicou Schwartsmann.
Segundo ele, para se chegar a um remédio eficaz e translacional em oncologia, é preciso primeiro identificar um alvo de interesse e confirmar a sua relevância biológica em modelos experimentais. Apenas após essas etapas estarem bem definidas é que se inicia a busca de substâncias que possam modular este mesmo alvo molecular.
Do contrário, perde-se tempo com abordagens ineficazes. Um exemplo de sucesso dessa estrategia é o desenvolvimento do anticorpo trastuzumab, usado em um tipo de câncer de mama que expressa receptores anormais denominados HER-2.
Pacientes que expressam essa característica nas células tumorais têm a metade do tempo mediano de sobrevida em relação às demais pacientes com câncer de mama. Essa alteração está presente em cerca de 30% dos casos da doença e esses pacientes se beneficiam significativamente com o uso deste anticorpo monoclonal.
“Quando se quer desenvolver uma droga eficaz, o alvo tem que ser relevante do ponto de vista biológico. O que definiu o seu sucesso nesse caso específico foi o fato de que se pode observar que as mulheres que apresentavam em suas biópsias a amplificação do gene HER2 viviam a metade do tempo das outras (três anos no lugar de seis). Daí, a validade de se buscar drogas que pudessem interferir no HER2, chegando então ao trastuzumab. É claro que ele só interfere nesse receptor e apenas funciona no subgrupo que apresenta esta característica”, disse Schwartsmann.
De acordo com o professor ds UFRGS, esta estratégia dirigida à correção de defeitos moleculares específicos no câncer traz como consequência a idenficação de estratégias para grupos bem definidos de pacientes. Ou seja, torna os tratamentos cada vez mais personalizados.
Essa é a base do que se chama hoje de medicina personalizada, na qual são identificadas as características moleculares da doença naquele indivíduo específico e as suas características moleculares com relação ao metabolismo ou tolerância individual a medicamentos.
“Com isso, poderemos escolher intervenções mais específicas e com a melhor segurança possível para cada indivíduo a ser tratado. Mas há muito ainda a ser pesquisado. Temos remédios interessantes para um número cada vez menor de pessoas, porque os alvos estão mais seletivos”, disse o pesquisador durante o Simpósio de Medicina Translacional, realizado em 29 de novembro na Academia Brasileira de Ciências (ABC), no Rio de Janeiro.
Outro exemplo de tratamento citado por Schwartsmann foi o da leucemia mieloide crônica, tumor caracterizado pela presença do chamado cromossomo Filadélfia, resultante da translocação de dois cromossomos (9 e 22).
Essa translocação resulta na produção de uma proteína anormal, com várias propriedades associadas à malignidade da doença. Em consequência, foram testados vários inibidores da função desta proteína anormal.
A partir de 2001, com o surgimento do medicamento chamado imatinibe (que inibe a proteína anormal), pode-se oferecer mais eficácia e muito mais segurança e conforto ao paciente, pois ele pode ser administrado por meio de comprimidos.
“Isso representa um avanço inquestionável em relação aos tratamentos quimioterápicos injetáveis e menos ativos utilizados no tratamento destes pacientes no passado”, disse Schwartsmann. Novas abordagens para o tratamento do melanoma – tipo de câncer de pele mais grave – também foram lembradas pelo médico.
“Depois de várias décadas sem o surgimento de um único medicamento que aumentasse em um dia a sobrevida dos pacientes sintomáticos com doença avançada, várias novas drogas têm sido desenvolvidas nos últimos dois anos. Essas drogas mostraram atividade isoladamente e estão sendo combinadas em estudos clínicos, com resultados preliminares muito promissores, e respostas muito superiores em relação aos tratamentos convencionais do passado, que não tinham impacto claro no tempo e qualidade de vida dos pacientes”, disse.
Alternativas promissoras
Schwartsmann ressalta que as novas drogas têm resposta em torno de 40% a 50% de eficácia. Uma delas, o vemurafenib, atua bloqueando a mutação na proteína B-RAF, causadora dos melanomas. Outra, a ipilimumab, indicada para o tratamento do melanoma metastático, estimula o sistema imunológico a atacar e matar as células cancerosas.
“Na realidade, mudamos o paradigma. Hoje em dia, em câncer, passamos a fazer tratamento com drogas-alvo dirigidas a características do tumor de cada paciente, ativas em alvos relevantes naquele indivíduo específico”, avaliou Schwartsmann.
Outras alternativas promissoras destacadas são os chamados imunoconjugados, que associam um anticorpo – capaz de se ancorar seletivamente nas celulas tumorais – e um agente quimioterápico ou radioterápico.
Com isso, leva-se a uma substância com ação antitumoral direto ao local em que está o tumor. Há exemplos de sucesso em câncer de mama, com a conjugação do trastuzumab com quimioterápicos e de anticorpos anti-CD30 e quimioterápicos em doença de Hodgkin e linfomas.
Outra estratégia, de acordo com Schwartsmann, consiste na modulação e ampliação da resposta de reconhecimento de células malignas pelo sistema imunológico do paciente.
“Pesquisadores do Massachusetts General Hospital, em Boston, puderam aumentar significativamente o reconhecimento imunológico de células tumorais por meio do uso de anticorpos monoclonais que bloqueiam proteínas que o tumor produz e lhe propiciam uma forma de escape e tolerância por parte de nosso sistema imunológico”, afirmou o professor.
“Com isso, o organismo passa a atacar o tumor com mais eficiência. Essa estratégia tem produzido respostas em muitos tipos de câncer refratário aos tratamentos convencionais. É uma das áreas mais promissoras para os próximos anos" destacou Schwartsmann.
O pesquisador salienta que o conhecimento crescente da complexidade dos defeitos moleculares do câncer deixa claro que as intervenções médicas em fases tardias da doença são fadadas ao insucesso, uma vez que, em razão de sua instabilidade genética, o tumor adquire progressivamente uma maior capacidade de se defender das intervenções médicas utilizadas, ou seja, produz mecanismos de resistência aos medicamentos.
“A melhor estratégia para se resolver o problema do câncer seria sobretudo a sua prevenção e detecção precoce, quando as intervenções médicas têm melhor chance de corrigir de forma permanente os defeitos moleculares presentes no tumor”, disse Schwartsmann.
Agência FAPESP