Os resultados, publicados este mês na PLoS One, abrem caminho para a descoberta de moléculas capazes de inibir o sistema de defesa bacteriano e dificultar o avanço da infecção.
A pesquisa, apoiada pela FAPESP, foi feita com a Chromobacterium violaceum, microrganismo que afeta principalmente o fígado e a pele de indivíduos com o sistema imunológico comprometido.
“A C. violaceum é uma bactéria oportunista. Pretendemos explorá-la como modelo para estudar patogenicidade porque ela já teve seu genoma sequenciado e é relativamente fácil manipulá-la geneticamente”, explicou Luis Eduardo Soares Netto, supervisor do estudo de pós-doutorado de José Freire da Silva Neto, que deu origem ao artigo.
Os cientistas investigaram o mecanismo de produção de uma enzima usada pela bactéria para decompor o peróxido orgânico, substância oxidante liberada pelas células hospedeiras após a invasão.
“O peróxido orgânico causa estresse oxidativo na bactéria, o que dificulta sua reprodução e pode levá-la à morte. Para se defender, o patógeno produz uma enzima antioxidante chamada Ohr. A produção dessa enzima, por sua vez, é regulada por outra proteína – que atua como fator de transcrição – chamada OhrR”, contou Netto.
Quando a bactéria está em condição basal, a proteína OhrR fica ligada ao gene responsável pela produção da enzima Ohr. “Dessa forma, impede que o DNA seja transcrito em RNA e que a enzima seja produzida”, disse.
Mas, ao entrar em contato com o peróxido orgânico, a OhrR se oxida e se desliga do DNA, permitindo a produção da enzima antioxidante. “Depois que a Ohr cumpre seu papel de decompor o peróxido orgânico, outra enzima chamada tiorredoxina entra em ação para fazer com que o fator de transcrição OhrR se ligue novamente ao gene e iniba a produção de Ohr”, explicou Netto.
Esse mecanismo de defesa também está presente em outros gêneros de bactérias, como Streptococcus e Pseudomonas – ambos causadores de doenças respiratórias, infecções cutâneas e sepse em humanos.
Também está presente em fitopatógenos como a Xylella fastidiosa, que causa nas laranjeiras a doença clorose variegada de citros, popularmente conhecida como praga do amarelinho.
Driblando a defesa
“Agora que sabemos como a bactéria se defende, podemos pensar em meios para driblar esse mecanismo. Uma possibilidade seria inibir a produção da enzima Ohr. Outra seria ativar a produção de OhrR, para anular o sistema antioxidante”, disse Netto.
O primeiro passo, segundo o pesquisador, seria demonstrar experimentalmente em camundongos que essas manobras genéticas realmente tornariam mais fácil para o organismo hospedeiro combater a bactéria.
Os testes ainda estão sendo padronizados, mas a ideia é silenciar os genes da Ohr e da OhrR na C. violaceum e avaliar se isso altera sua capacidade de infectar os animais.
“Como não existem homólogos da Ohr e da OhrR em mamíferos ou plantas, se conseguirmos desenhar uma molécula que atue sobre essas proteínas, ela teoricamente teria ação específica sobre a bactéria, sem efeito colateral para o hospedeiro”, afirmou Netto.
Embora ainda em fase preliminar, os estudos abrem caminho para o desenvolvimento de novos medicamentos. “Hoje já se sabe que muitos antibióticos têm como mecanismo de ação a geração de estresse oxidativo nas bactérias. Essa questão está ganhando força”, disse.
O estudo de pós-doutorado está vinculado ao Projeto Temático “Aspectos biológicos de tióis: estrutura proteica, defesa antioxidante, sinalização e estados redox” , coordenado por Netto. Também está ligado ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) de Processos Redox em Biomedicina (Redoxoma).
Agência FAPESP