“Quando há oclusão das artérias e o fluxo de oxigênio é interrompido, as células morrem e liberam uma substância chamada glutamato. Isso estimula os receptores de glutamato, inclusive aqueles do tipo NMDA (N-metil D-Aspartato) em células vizinhas, permitindo a entrada de cálcio na célula de forma descontrolada”, explicou Alexander Henning Ulrich, coordenador do Projeto Temático apoiado pela FAPESP.
Quando esse excesso de cálcio atinge a mitocôndria, estimula a formação de espécies reativas de oxigênio e induz programas de apoptose, uma espécie de suicídio celular.
“Em experimento feito com ratos, a bradicinina conseguiu reverter o processo de apoptose. Isolamos cortes de uma região do cérebro desses animais, o hipocampo, e colocamos em uma solução fisiológica. Em seguida, fizemos uma estimulação elétrica com eletrodos e medimos a atividade neuronal”, disse Ulrich.
Para simular o que ocorre no cérebro após uma isquemia, os pesquisadores trataram o tecido com NMDA, causando uma invasão de cálcio nas células. A medição da atividade neuronal feita em seguida mostrou que 80% dos neurônios piramidais do hipocampo haviam iniciado o processo de apoptose. Mas, quando o tecido cerebral recebeu bradicinina após a exposição ao NMDA, a maioria das células foi resgatada da morte.
“Ainda estamos investigando qual é exatamente o mecanismo que confere à bradicinina esse efeito neuroprotetor. Nossa hipótese é que ocorre a ativação de uma sinalização que interrompe o processo de apoptose”, disse Ulrich.
Apesar dos resultados promissores, de acordo com o pesquisador é pouco provável que a bradicinina possa ser usada para tratar isquemia cerebral. Alguns estudos indicam que subprodutos resultantes da degradação da molécula, tais como a des-arg9-bradicinina, poderiam induzir efeitos adversos, agravando os danos causados pela isquemia.
“Nosso objetivo é descobrir uma substância análoga à bradicinina que tenha o efeito neuroprotetor sem as reações indesejadas”, disse.
Versátil
A bradicinina foi isolada há mais de 50 anos por pesquisadores brasileiros. Eles observaram que o veneno da cobra jararaca-da-mata (Bothrops jararaca) aumentava a presença desse peptídeo no sangue de mamíferos.
As substâncias responsáveis pelo aumento da concentração da bradicinina – denominadas peptídeos potencializadores da bradicinina (BPPs) – serviram de base para o desenvolvimento do captopril e de toda uma classe de medicamentos anti-hipertensivos.
No Temático coordenado por Ulrich, o objetivo é descobrir novos usos para a molécula. A equipe verificou em modelos celulares in vitro que a substância estimula a neurogênese, ou seja, faz com que células-tronco do cérebro se transformem em novos neurônios. A descoberta abre caminho para novos tratamentos para doenças degenerativas, como Alzheimer e Parkinson.
Em outro experimento feito com ratos modelos da doença de Parkinson, Ulrich e a pesquisadora Telma Tiemi Schwindt Diniz Gomes, professora do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, conseguiram reverter quadros semelhantes aos que ocorrem em pacientes com Parkinson em estágio avançado.
Os resultados foram apresentados durante a 27ª Reunião Anual da Federação de Sociedades de Biologia Experimental (FeSBE), realizada em Águas de Lindoia no mês de agosto.
“Induzimos a morte dos neurônios dopaminérgicos em um dos hemisférios dos animais e eles passaram a apresentar falhas motoras, observadas como comportamento rotacional após a indução do sistema dopaminérgico por apomorfina”, contou Ulrich.
“Cinquenta e seis dias após a administração da bradicinina, o comprometimento da função motora foi revertido na maioria dos animais. A análise histológica sugere que, de fato, a melhora foi causada pela neurogênese induzida pela droga”, afirmou.
O artigo “Kinin-B2 Receptor Mediated Neuroprotection after NMDA Excitotoxicity Is Reversed in the Presence of Kinin-B1 Receptor Agonists” pode ser lido em www.plosone.org/article/info%3Adoi%2F10.1371%2Fjournal.pone.0030755.
Leia mais sobre os efeitos da bradicinina sobre a neurogênese em reportagem na revista Pesquisa FAPESP
Agência FAPES