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A dificuldade para acordar cedo que algumas pessoas apresentam pode não ser simplesmente uma questão de preguiça, mas resultado de uma combinação de fatores genéticos e ambientais, entre eles a posição geográfica em que se vive. É o que indicam estudos realizados no Instituto do Sono, um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) apoiado pela FAPESP.
“Pessoas que moram perto da linha do Equador têm maior tendência à matutinidade, ou seja, preferência por acordar e dormir cedo. À medida que nos aproximamos dos polos, os indivíduos vão se tornando mais vespertinos”, contou Mario Pedrazzoli, professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (USP).

Os dados, que estão sendo submetidos para publicação, foram apresentados na 27ª Reunião Anual da Federação de Sociedades de Biologia experimental (FeSBE), realizada em Águas de Lindoia entre 22 e 25 de agosto.

A hipótese de que a latitude seria um dos elementos reguladores do ciclo de sono e vigília foi levantada em 2005, contou Pedrazzoli. A equipe havia acabado de publicar na revista Sleep resultados de uma pesquisa financiada pela FAPESP que mostrava associação entre uma determinada variação no gene PER3 e a síndrome da fase atrasada do sono.

“Pessoas com esse distúrbio sentem sono muito mais tarde do que a média da população, por volta de quatro ou cinco horas da madrugada. Isso pode ser um problema para quem precisa acordar cedo”, disse Pedrazzoli.

Com base em estudos amostrais, os pesquisadores calcularam que a variação alélica em homozigose no gene PER3 associada ao distúrbio de sono está presente em cerca de 10% dos indivíduos, mas apenas uma parcela pequena desse grupo desenvolve a síndrome.

“Isso sugere que parte do problema é resultante da genética e parte, do ambiente. Surgiu então a suspeita de que a posição geográfica em que a pessoa vive pudesse influenciar na regulação do sono”, disse Pedrazzoli.

Para testar a hipótese, os pesquisadores entrevistaram 16 mil pessoas de todos os Estados brasileiros por meio de um questionário que ficou disponível na internet entre 2005 e 2007. O levantamento contou com apoio do CNPq.

As perguntas buscavam investigar os horários em que as pessoas preferiam comer, trabalhar, fazer exercícios, dormir e acordar. A cada resposta era atribuído um valor e a somatória final indicava se o indivíduo era do tipo matutino, vespertino ou intermediário.

Para interpretar os resultados, os cientistas se basearam na teoria de que a alteração entre períodos claros e escuros regula os processos fisiológicos do organismo, como o sono e o apetite. “Segundo essa teoria, quanto mais cedo o indivíduo receber o primeiro sinal luminoso pela manhã, mais cedo ele sentirá sono”, explicou Pedrazzoli.

Mas o horário em que o sol nasce em cada cidade não era o único fator que estava influenciando os resultados do estudo. “Perto do Equador, o dia iluminado dura aproximadamente 12 horas o ano inteiro. Mas, quanto maior a latitude, maior é a variação no período iluminado. Percebemos que essa era a variável que fazia a diferença”, explicou.

Isso quer dizer, por exemplo, que embora o sol nasça praticamente no mesmo horário em Natal e em Porto Alegre durante o verão, o por do sol acontece mais tarde no Sul do país, estimulando os moradores da região a ficarem acordados mais tempo.

Já no inverno, o sol se põe praticamente no mesmo horário no Norte e no Sul, mas nasce mais cedo em Natal do que em Porto Alegre, estimulando os potiguares a acordar e a dormir mais cedo do que os gaúchos.

Atualmente, Pedrazzoli coordena um novo projeto de pesquisa, financiado pela FAPESP, que tem como objetivo investigar o genótipo de amostras populacionais das cidades de Natal, São Paulo e Porto Alegre.

“Queremos estudar as variações no gene PER3 e os padrões de sono dessas populações ao longo do ano, nos meses de dias mais curtos e de dias mais longos”, contou.

Interações

O gene PER3 é responsável pela produção de uma proteína que ajuda a regular os períodos do dia em que as pessoas estão mais ou menos ativas. Segundo Pedrazzoli, a existência de variações nesse gene foi descrita pela primeira vez em 2001.

“Ficamos intrigados porque a região do gene em que essa variação foi encontrada não existia em outros mamíferos normalmente usados em experimentos de laboratório. Desconfiamos que ela estivesse presente apenas em humanos”, contou.

Mas o de doutorado de Flavia Cal Sabino, realizada na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) com orientação de Pedrazzoli e Bolsa da FAPESP, investigou diversas espécies de macacos e mostrou que essa região do genoma existe apenas nas espécies primatas.

“Todos os mamíferos tem o gene PER3, mas parece que foi inserido um pedaço adicional no genoma dos primatas ao longo do processo evolutivo. Curiosamente, os primatas são animais diurnos, enquanto a maioria dos mamíferos tem hábitos noturnos”, disse Pedrazzoli.

Em outro projeto de doutorado orientado por Pedrazzoli, Danyella Silva Pereira, da Unifesp, silenciou o gene PER3 em camundongos para medir o impacto no comportamento de sono dos animais.

“Agora estamos trabalhando com animais transgênicos. A ideia é inserir esse pedaço do gene que só existe em primatas nos camundongos e mimetizar em laboratório a variação de dias curtos e longos para entender melhor a interação entre o PER3 e o comportamento de sono”, contou Pedrazzoli.

Esse conhecimento, avaliou, poderá se útil na medicina preventiva. “Se conseguirmos identificar um genótipo mais propenso a sofrer distúrbios do sono, o médico poderá orientar essa pessoa a mudar hábitos ou evitar atividades que possam favorecer a doença, como trabalhar à noite, por exemplo”, disse.

Agência FAPESP